Penso que penso, logo existo: A Verdade de Descartes
Não basta a verdade de que estamos andando, precisamos da certeza de que estamos andando. (Reflexões sobre a Prisão Verdade, VII)
"Se Deus me concedeu a capacidade de distinguir o verdadeiro do falso, não era para que eu me contentasse com as opiniões dos outros, e sim para que eu utilizasse o meu próprio juízo para analisá-las, segui-las, descartá-las." Descartes
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O método cartesiano de Descartes
O método que estou propondo nos textos anteriores nada mais é do que minha variação pessoal do Método Cartesiano, proposto pelo filósofo francês René Descartes em seus livros Discurso do método (1637) e Meditações sobre filosofia primeira (1641), onde ele faz a pergunta inaugural da filosofia moderna:
“O que eu sei?”
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"Percebi faz algum tempo", escreveu Descartes, "quantas coisas falsas eu tinha aceitado como verdadeiras desde a infância e o quão duvidoso e incerto era o edifício do conhecimento que eu tinha levantado sobre bases tão precárias. Por isso, se eu quisesse estabelecer algo de firme e duradouro nas ciências, era necessário, pelo menos uma vez em minha vida, me desfazer de todas as opiniões que até então dera crédito, derrubar todo esse edifício e começar outra vez a partir das primeiras fundações."
"Não é meu interesse, porém," ele faz questão de afirmar, "dizer às outras pessoas o que fazer, mas simplesmente reformar meus próprios pensamentos e construir em um terreno que seja apenas meu."
"O empreendimento me parece gigantesco," continua ele, "mas as circunstâncias da minha vida, unindo o ócio e o conforto à certa maturidade, indicam que agora é a hora oportuna de me aplicar, com seriedade e liberdade, à demolição geral das minhas opiniões atuais."
"Assim como acontece ao demolir uma velha casa," escreveu, "quando se conservam os entulhos para serem utilizados na construção de outra nova, assim, ao destruir todas as minhas opiniões mal alicerçadas, eu ia fazendo diversas observações e adquirindo muitas experiências, que me serviriam mais tarde para estabelecer outras mais corretas."
"Antes de demolir a casa velha e reconstruí-la de novo, entretanto," aponta, "era preciso ter onde morar enquanto durassem as obras, ou seja, ter ao menos uma certeza indubitável onde eu pudesse habitar."
"Afinal," diz ele, "se Deus me concedeu a capacidade de distinguir o verdadeiro do falso, não era para que eu me contentasse com as opiniões dos outros, e sim para que eu utilizasse o meu próprio juízo para analisá-las, segui-las, descartá-las."
(O texto acima é uma paráfrase de vários trechos do Discurso e das Meditações.)
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Assim, desconfiando da evidência dos seus sentidos, Descartes se propõe a desaprender todas as verdades sobre as quais não tivesse certeza.
Finalmente, só lhe resta uma única certeza, o tijolo fundacional onde reerguerá o edifício do conhecimento:
"Penso, logo existo".
Se ele estava ali, pensando aquelas questões, então, era porque existia.
Disso, e apenas disso, ele poderia ter certeza.
Ando, logo existo
Por que Descartes diz "penso, logo existo" e não "respiro, logo existo" ou "ando, logo existo"?
Afinal, quem anda necessariamente existe, não? Seria possível, ao mesmo tempo, ser capaz de andar e não existir?
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Uma das premissas fundamentais de Descartes é que nossos sentidos são falhos e sempre podem estar nos iludindo.
Portanto, em algumas circunstâncias bem específicas, poderia até fazer sentido dizer “penso que estou andando, mas não estou andando” (um sonho, uma ilusão, uma realidade virtual simulada, etc), mas jamais faria sentido dizer “penso que estou pensando, mas não estou pensando”.
Por isso, para Descartes, também teria sido possível formular a sua certeza primordial nos seguintes termos:
"Penso que estou andando, logo existo".
Para Descartes, o que importa, o que garante que ele existe, não é o ato mecânico de existir (ou de andar, ou de respirar) e sim sua consciência de que existe (ou de que anda, ou de que respira).
Ou seja, uma vez mais, voltamos ao "penso" como condição primordial.
Essa talvez seja a essência do Método Cartesiano: não basta a verdade de que estamos andando, precisamos da certeza de que estamos andando.
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Prisão Verdade
I. A Verdade está no meio: não duvidar, não acreditar
II. O valor da Verdade está em ser útil
III. A Verdade da Ficção: faz diferença?
IV. E daí que não me digam a Verdade?
VI. A Verdade é dada ou descoberta: a Certeza é criada ou construída
VII. Penso que penso, logo existo: A Verdade de Descartes
VIII. Graus de Verdade: o quanto preciso saber para poder saber algo?
IX. Mais conhecimento não quer dizer mais Verdade
XI. Toda Verdade é uma hipótese
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O Curso das Prisões
O meu curso para 2023 será o Curso das Prisões.
Começaremos com a Prisão Verdade.
Nossa primeira aula expositiva será na quarta, 15 de fevereiro. Antes disso, nas nossas conversas livres, no Zoom e no Whatsapp, estamos discutindo coisas como:
Afinal, o que é a verdade? Ela existe? Como descobri-la? Temos certeza do que sabemos?
Nossa pretensa certeza sobre o que sabemos é a primeira prisão que nos impede de enxergar todas as possibilidades da vida.
Vem com a gente?