A Verdade como arma
Precisamos mesmo manifestar nossas verdades não-solicitadas sobre assuntos que não nos dizem respeito? (Reflexões sobre a Prisão Verdade, V)
Poucas atitudes são mais verdadeiras do que saber a hora de engolir em silêncio as nossas ó-tão-importantes Verdades.
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Uma amiga me conta:
"Traí minha esposa. Foi só uma vez. Já encerrei o relacionamento com a amante. Estou dedicada ao meu casamento. Ainda assim, sinto essa culpa me comendo por dentro. Não consigo nem dormir. Preciso contar a verdade para minha esposa!"
Mas... por quê?
Minha amiga está sofrendo com razão, pois sabe ter propositalmente violado o pacto monogâmico que estabeleceu voluntariamente com a companheira. O problema é que ela só está pensando em si mesma: na sua traição, na sua consciência, no seu sono tranquilo, na sua verdade.
Contar a verdade sobre a traição, porém, especialmente se já encerrou o caso e está de novo comprometido com o casamento, serviria apenas para comprar sua paz de espírito às custas do sofrimento da outra.
Seria utilizar a Verdade como arma para agredir a esposa novamente, uma nova agressão ainda pior do que a agressão original, que ela nem soube.
O que poderia ser mais cruel e egocêntrico?
Um tesão subindo à cabeça, uma traição ocasional, uma falta de controle momentânea, são todas mais compreensíveis e mais perdoáveis do que essa nova violência, perpetrada assim a frio, tão mais perversa.
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Afinal, que Verdade é essa que tanto valorizamos?
Se a recepcionista do escritório aparece com um penteado (que eu acho) horrível, por que verbalizar essa (minha) Verdade? Serei eu por acaso fiscal dos penteados ruins do mundo?
Vale a pena causar um desconforto mínimo que seja em outra pessoa em nome de uma Verdade trivial dessas?
Se valorizo tanto a tal Verdade, por que não falar a Verdade, digamos, sobre os sapatos (que eu acho) incríveis que ela está usando hoje?
Talvez a melhor maneira de não usar a Verdade como arma seja somente refreando essa nossa ânsia egocêntrica por manifestar nossas "Verdades" não-solicitadas em assuntos que não nos dizem respeito — especialmente sobre os corpos de outras pessoas.
Poucas atitudes são mais verdadeiras do que saber a hora de engolir em silêncio as nossas ó-tão-importantes verdades.
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Prisão Verdade
I. A Verdade está no meio: não duvidar, não acreditar
II. O valor da Verdade está em ser útil
III. A Verdade da Ficção: faz diferença?
IV. E daí que não me digam a Verdade?
VI. A Verdade é dada ou descoberta: a Certeza é criada ou construída
VII. Penso que penso, logo existo: A Verdade de Descartes
VIII. Graus de Verdade: o quanto preciso saber para poder saber algo?
IX. Mais conhecimento não quer dizer mais Verdade
XI. Toda Verdade é uma hipótese
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O Curso das Prisões
O meu curso para 2023 será o Curso das Prisões.
Começaremos com a Prisão Verdade.
Nossa primeira conversa livre, no Zoom, para trocarmos ideias e experiências sobre a Verdade, será no domingo, 29 de janeiro. Depois, a aula expositiva será na quarta, 15 de fevereiro.
Por enquanto, nosso grupo de zap do Curso das Prisões está pegando fogo discutindo coisas como:
Afinal, o que é a verdade? Ela existe? Como descobri-la? Temos certeza do que sabemos?
Nossa pretensa certeza sobre o que sabemos é a primeira prisão que nos impede de enxergar todas as possibilidades da vida.
Vem com a gente?
Lendo o texto eu lembrei do filme sensacional “a invenção da mentira”. Já viu?