Pessimista na razão, otimista na ação
As únicas lutas que valem a pena são aquelas nas quais nenhuma vitória é possível.
As condições materiais de vida do povo estão se precarizando e nós, cuja ideologia deveria colocar essa questão em primeiro lugar, estamos brigando por perfumarias.
* * *
Nenhum apocalíptico nunca ganhou nenhuma briga
A esquerda hoje está fortemente apocalíptica.
Muitas das pessoas do meu entorno esquerdista, arrisco dizer a maioria, acham de verdade, sinceramente, que o mundo como conhecemos, talvez pelo aquecimento global, talvez pela inteligência artificial, vai acabar nos próximos 20, 30, 40 anos. Falam brincando, falam a sério, falam de um jeito leve, falam de um jeito pesado, mas falam sempre.
A consequência, entretanto, é que perdemos todo nosso horizonte de futuro, todas nossas utopias. Não existe pelo quê lutar se o futuro já está decidido. É por isso que a esquerda está cada vez mais conservadora, tentando consolidar os poucos ganhos que achamos que temos, reativa e rabugenta, pouco propositiva e desesperançada.
(Já escrevi sobre o apocalipse enquanto gênero literário: ele só surge em comunidades derrotadas e impotentes. Ele é o último consolo para quem já não possui nenhuma esperança.)
Então, ficamos nos atazanando umas às outras, vigiando a linguagem, inventando etimologias racistas pra palavras, etc, enquanto a direita está dinâmica, aplicando seus valores, olhando pra frente, ganhando eleições. Lá nos EUA, já proibiram o aborto, lotaram a Suprema Corte, estão moldando o país à imagem e semelhança de Gilead. Aqui, ano que vem, dependendo de quem vencer as eleições, poderemos seguir um caminho igual.
Mas como nós podemos vencer eleições? A direita tem um campo cheio de quadros; nós temos um líder supremo de 80 anos que se recusa a fazer sucessor.
E quais são nossas propostas? Qual é a visão de futuro que estamos vendendo para o menino evangélico que trabalha de Uber ou de entregador do iFood e se diz empreendedor?
Difícil convencer alguém a votar na gente se não temos nada a propor:
“O mundo vai acabar, então, foda-se, né?, mas, ó, até lá, vai entregando comida aí e cuidado com as piadas que você conta ou pode ser preso, hein! Lula 2026!”
A luta pelo fim da escala 6x1 foi uma breve esperança. Mas cadê? Pautas fundamentais, como o aborto livre, renda mínima e abolicionismo penal, nem na esquerda tem ninguém que tome pra si.
As condições materiais de vida do povo estão se precarizando e nós, cuja ideologia deveria colocar essa questão em primeiro lugar, estamos brigando por perfumarias.
Eu só queria uma pessoa política que dissesse:
“Minha pauta é uma creche em cada prédio. Vamos libertar meia humanidade para se envolverem mais em política.”
* * *
É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo.
Essa frase de Mark Fisher está em seu excelente livro Realismo Capitalista, que eu recomendo enfaticamente. O que quase ninguém conta é que ele se matou pouco depois de escrever a frase.
Talvez seja o caso de recuperar a frase de Romain Rolland, escritor francês da virada do século, que foi depois adaptada por Antonio Gramsci como grito de luta:
O pessimismo da inteligência não deve abalar o otimismo da vontade.
Ou, como falamos aqui em casa, lutar pelo melhor e se preparar para o pior.
* * *
As únicas lutas que valem a pena são aquelas nas quais nenhuma vitória é possível
De vez em quando, elogiam meu otimismo:
“Alex, admiro sua esperança, seu otimismo.”
E fico surpreso:
“Esperançoso? Otimista? Eu? Onde foi que passei essa impressão?”
Pessoa:
“É que vejo você lutando, se engajando, escrevendo textos que abrem as mentes das pessoas. Deve ser porque tem esperança de que esses textos possam mudar o mundo, melhorar a realidade, não?”
Eu:
“Você acha que, só porque eu luto, quer dizer que tenho esperança na vitória?”
Pessoa:
“Sim. Claro. Não?”
E pergunto:
“Você só lutaria se tivesse esperança na vitória?”
Pessoa:
“Hmmm, quer dizer, sim, né? Se não, não faz sentido, né?”
Mas me parece muito mesquinho, muito pequeno, muito utilitarista só lutar se eu tiver certeza da vitória. A vitória não está garantida para ninguém. Aliás, nem sei se dá para conceber a questão nesses termos.
Se sou uma militante antirracismo ou antimachismo, essa luta algum dia estará “ganha”, em qualquer acepção da palavra? É possível conceber uma humanidade sem nenhum racismo, sem nenhum machismo? Se lutamos por mais compaixão, por mais atenção, por mais cuidado entre as pessoas, essa é uma luta que pode ser ganha? É concebível imaginar algum momento no futuro em que poderíamos dizer que não é mais necessário militar por compaixão?
Na prática, as lutas que mais valem a pena ser travadas são justamente aquelas nas quais nenhuma vitória decisiva jamais será possível, que travamos sem esperança e sem otimismo, simplesmente porque nos seria intolerável existir e não lutar.
* * *
“Ok, Alex, então o que você propõe?”
Tudo o que tenho a dizer, meu manifesto ao futuro, está no meu livro Atenção: por uma política do cuidado.
A versão impressa esgotou, mas ainda está à venda em ebook e áudiolivro (narrado por mim), e eu recomendo demais. Aliás, por favor, comprem e me ajudem a divulgar. Se vender bem, a editora imprime mais.
Estou terminando o meu próximo livro, Prisões, que será a continuação e conclusão do Atenção. (Aliás, o Curso das Prisões acaba na quarta que vem, com a aula da Prisão Empatia.)
Outros textos propositivos:
* * *
Esse texto foi importante pra você?
Se meus textos tiveram impacto em você, se minhas palavras te ajudaram em momentos difíceis, se usa meus argumentos para ganhar discussões, se minhas ideias adicionaram valor à sua vida, por favor, considere fazer uma contribuição do tamanho desse valor. Assim, você estará me dando a possibilidade de criar novos textos, produzir novos argumentos, inventar novas ideias.
Sou artista independente. Não tenho emprego, salário, renda, pai rico. Vivo exclusivamente de escrever esses textos que abriram seus olhos e mudaram sua vida. Dependo da sua generosidade. Se não você que me lê, então quem?
Se quiser fazer um pix, agradeço: eu@alexcastro.com.br
Se for comprar na Amazon BR, faça pelos meus links. Você não perde nada e eu ganho uma comissão de tudo o que comprar — não necessariamente só do item que clicou. Link para a página de ofertas do dia em livros. (Se puderem salvar essa bookmark nos seus browsers, já resolve.)
Para quem está fora do Brasil, a melhor, a maior ajuda que você pode me dar é me ajudando a comprar livros. (Livros importados são, longe, minha maior despesa.)
Se você puder e quiser, por favor, deposite alguns dólares ou euros via cartão de presente ou na Amazon EUA (amazon.com/gift-cards) ou na Amazon Espanha (amazon.es/cheques-regalo) para o email eu@alexcastro.com.br
(É só clicar no link e digitar o valor. Só serve se for na Amazon EUA ou Espanha: nas outras, não tenho conta.)
Por fim, por favor, considere se tornar mecenas. Pode ser por qualquer valor.
Fazendo meu mecenato de R$88, você ganha acesso a todos os meus cursos — passados, presentes e futuros — textos exclusivos pra ler e grupos de Whatsapp exclusivos pra participar.
* * *
Próximas atividades
Qua, 18jun: aula, Enciclopédia, Grande Conversa Medieval
Qua, 25jun: aula, Prisão Empatia
Domingo, 6jul: Conversa livre, Manuscrito encontrado em Saragoça, Abertura do curso Grande Conversa Romance
Domingo, 13jul: Boteco das mecenas, piquenique não-monogamia
Quarta, 16jul: aula, Viagens, Grande Conversa Medieval
Quarta, 23jul: aula zero, Manuscrito encontrado em Saragoça, Grande Conversa Romance
* * *
Grande conversa romance: um ano para ler seis romances perfeitos
O curso Grande conversa romance: um ano para ler seis romances perfeitos vai começar em agosto de 2025. Um mergulho profundo em alguns dos maiores e mais perfeitos romances da literatura mundial.
Dois meses para cada livro (três para Guerra e paz): um encontro livre para conversar sobre a leitura no primeiro domingo de cada mês e uma aula expositiva ao final dos dois meses, ambos no Zoom, e muito bate-papo literário todo dia no Whatsapp.
Ninguém precisa de ajuda para ler os livros fáceis e curtos. A ideia do curso é ajudar vocês a lerem aqueles livrões que, talvez, estavam adiando ler a vida inteira e, quem sabe, ajudá-los também a encontrar novos livrões legais.
Leremos só grandes livros, um romance em cada uma das principais línguas literárias ocidentais. Abaixo, a lista completa, em ordem cronológica. Os links já levam à edição recomendada.
1 Moby Dick, inglês, 1851 (agosto & setembro 2025)
2 Os miseráveis, francês, 1862 (outubro & novembro 2025)
3 Guerra e paz, russo, 1867 (dezembro 2025, janeiro & fevereiro 2026)
4 Grande sertão: veredas, português, 1956 (março & abril 2026)
5 Cem anos de solidão, espanhol, 1967 (maio & junho 2026)
6 Tetralogia napolitana, italiano, 2015 (julho & agosto 2026)
O precursor polonês Manuscrito encontrado em Saragoça (1815) só não abriu o curso por não ter tradução em catálogo no Brasil, mas eu recomendo enfaticamente, seja no original em francês, em inglês, em espanhol, ou em português de Portugal. Para quem quiser, teremos uma aula zero sobre esse livro em julho.
* * *
Grande Conversa: Romance, Calendário
Dom, 6jul25, 16h: Conversa livre, Manuscrito encontrado em Saragoça, Abertura do curso
Qua, 23jul25, 19h: aula zero, História do Romance e Manuscrito encontrado em Saragoça
Dom, 10ago25, 16h: Conversa livre, Moby Dick
Dom, 14set25, 16h: Conversa livre, Moby Dick
Qua, 24set25, 19h: aula 1, Moby Dick
Dom, 5out25, 16h: Conversa livre, Os miseráveis
Dom, 9nov25, 16h: Conversa livre, Os miseráveis
Qua, 26nov25, 19h: aula 2, Os miseráveis
Dom, 7dez25, 16h: Conversa livre, Guerra e paz
Dom, 1fev26, 16h: Conversa livre, Guerra e paz
Qua, 25fev26, 19h: aula 3, Guerra e paz
Dom, 1mar26, 16h: Conversa livre, Grande sertão: veredas
Dom, 12abr26, 16h: Conversa livre, Grande sertão: veredas
Qua, 29abr26, 19h: aula 4, Grande sertão: veredas
Dom, 10mai26, 16h: Conversa livre, Cem anos de solidão
Dom, 14jun26, 16h: Conversa livre, Cem anos de solidão
Qua, 24jun26, 19h: aula 5, Cem anos de solidão
Dom, 5jul26, 16h: Conversa livre, Tetralogia napolitana
Dom, 2ago26, 16h: Conversa livre, Tetralogia napolitana
Qua, 26ago26, 19h: aula 6, Tetralogia napolitana
* * *