Guia pessoal para conversas políticas
Uma conversa política frutífera só pode se dar na base da Atenção e do Cuidado
Você, claro, faz o que você quiser. Mas eu, antes de conversar sobre política com qualquer pessoa, tento sempre lembrar que:
(Publiquei o texto abaixo no meu Instagram ontem e perdi 900 pessoas seguidoras. Mas como a defesa da atenção e do cuidado, do diálogo e da escuta, como ferramentas de ação política está literalmente no centro de tudo que eu falo e faço, pratico e escrevo, aqui vai o texto, mais uma vez.)
1. A outra pessoa tem tanto direito à sua opinião e ao seu voto quanto eu, minha opinião e o meu voto não são melhores do que os da outra pessoa;
2. A outra pessoa não quer (deliberadamente) destruir o país: todas nós queremos felicidade, segurança, conexão humana significativa;
3. Não sei como foi a vida da outra pessoa, que traumas sofreu, que experiências a levaram às suas escolhas;
4. Dado que não é uma opção matar ou expulsar do país as pessoas com opiniões inaceitáveis a mim, só me resta aceitá-las ou, em período eleitoral, convencê-las;
5. Não se convence uma pessoa de nada lhe acusando de más intenções ou lhe impondo identidades ("você é isso!"), ofendendo ou excluindo;
6. O primeiro passo para convencer uma pessoa é ouvindo o que ela tem a dizer e se abrindo para sua visão de mundo, aceitando suas experiências e entendendo suas razões;
7. Meu objetivo é inclusão, não exclusão; atração, não repulsão; encontrar pontos de convergência, não de divergência;
8. Se tudo mais falhar, repetir para mim mesmo o primeiro mantra: "A outra pessoa tem tanto direito à sua opinião e ao seu voto quanto eu, minha opinião e o meu voto não são melhores do que os da outra pessoa".
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Uma conversa política frutífera só pode se dar na base da Atenção e do Cuidado: presumindo que a outra pessoa quer tanto cuidar do Brasil quanto eu e ouvindo com atenção o que ela tem a dizer.
Nada do que digo é teórico. Essa é uma prática, difícil e delicada, que venho tentando exercer no dia-a-dia, especialmente depois que me ordenei no zen-budismo.
Nada do que digo é fácil. É uma prática difícil, difícilima, talvez a mais difícil de todas. Mas ninguém precisa escrever sobre o fácil. O fácil a gente já faz sozinha. Fácil é ficar em casa, comendo pizza, jogando games, xingando muito no Twitter. Difícil é cuidar e acolher, ouvir e dialogar, disputar espaços e conquistar corações.
Mais importante, essas são regrinhas pessoais, em constante fluxo. Elas foram pensadas por mim, para mim, a partir do lugar que ocupo. Não são sugestões nem prescrições para outras pessoas. Estou compartilhando como faço, como tento fazer.
Quem quiser me acompanhar nessa prática que fique à vontade. Quem achar que não faz sentido, idem.
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Depois de passar o texto entre pessoas amigas, muitas delas discordaram fortemente do segundo item. Em resposta, escrevi a continuação abaixo:
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Todas as pessoas querem o melhor para o Brasil
Uma pessoa que defenda propostas políticas que me parecem odiosas está, ainda assim, autoevidentemente falando a partir de um lugar de tornar o Brasil um lugar melhor.
A diferença é que temos ideias bem diferentes de como tornar o Brasil um lugar melhor.
Eu acho que as ideias dela para tornar o Brasil um lugar melhor, na verdade, tornarão o Brasil um lugar pior.
Mas, do ponto de vista dela, idem: as minhas ideias para tornar o Brasil um lugar melhor, para ela, tornarão o Brasil um lugar pior.
Dá pra ter muita conversa e muito diálogo dentro disso.
Naturalmente, o diálogo predispõe intenção de ambas as partes.
Se a outra pessoa não quer diálogo (e ela tem direito de não querer dialogar comigo), e dado que não posso matá-la, expulsá-la, prendê-la por ter opiniões diferentes das minhas, só me resta aceitar essas opiniões.
Mas, se presumo que, por ela ter opiniões para mim odiosas e inaceitáveis, que ela quer tornar o Brasil um lugar pior, então, quem está se colocando em um beco sem saída, fora da possibilidade de diálogo, sou eu.
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As pessoas não sabem o que querem e o que sentem. Quando sabem, não conseguem articular verbalmente. Quando conseguiriam, não ousam, porque têm vergonha, porque querem agradar, porque pegaria mal, porque magoaria alguém.
Ainda assim, desse jeito tosco e tropeçante, caminhamos pela vida, buscando felicidade e segurança, sempre carentes por qualquer tipo de conexão humana significativa.
Presumir essa boa-fé inerente à condição humana é o que nos permite criar uma ponte com a outra pessoa.
É essa ponte que possibilita conquistar corações e mentes e, assim, mudar o mundo.
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Os três votos da Ordem dos Pacificadores Zen
Faço parte da Ordem dos Pacificadores Zen. Todos os dias, ao meio-dia, repito nossos três votos:
— Praticar o não-saber, abrindo mão de certezas prévias.
— Estar presente na alegria e no sofrimento, nunca virando o rosto.
— Agir amorosamente, de acordo com essas duas posturas.
O primeiro voto, “praticar o não-saber, abrindo mão de certezas prévias”, não significa abandonar nossos conhecimentos, mas somente nosso apego a eles, por reconhecer que esse apego muitas vezes nos impede de perceber a realidade como ela é. Quem acha que sabe, não enxerga, não aprende, não escuta: a atenção precisa ser somente para o outro, vazia de todo o peso que colocamos nela.
O segundo voto, “estar presente na alegria e no sofrimento, nunca virando o rosto”, significa enxergar a outra pessoa sem separação e sem negação, sem julgamento e sem análise, sem sujeito e sem objeto. É estarmos ali, de forma plena e destemida, abertas ao que é, aceitando a realidade do momento presente, habitando a vulnerabilidade ou o êxtase, a dor ou a alegria, da outra pessoa.
Já o terceiro voto, “agir amorosamente, de acordo com essas duas posturas”, é a consequência lógica e necessária dos dois primeiros: se consigo me desapegar de meus conhecimentos e habitar plenamente o momento presente, então, a ação correta, ao mesmo tempo amorosa e política, se revelará.
O processo de corporificar os três votos em nosso dia a dia pode ser árduo e gratificante, inspirador e apavorante. O primeiro passo é reconhecer a enormidade de nosso não-conhecimento. Ao fazer isso, perdemos aquela profunda certeza na solidez de nossas opiniões. Sem essa certeza, já não nos sentimos tão impelidas a julgar e opinar sobre as vidas alheias. Sem julgar e sem opinar, nossas interações humanas começam a se tornar menos violentas, invasivas e autocentradas. Agora, já conseguimos simplesmente estar ali, ao lado de outra pessoa, de maneira plena e aberta, não mais como juízas que tudo sentenciam ou como mestras que tudo aconselham, mas apenas como pessoas capazes de ouvir e de aceitar, de acolher e de abraçar.
Longe de promover a alienação e o conformismo, estar presenta na alegria e na dor alheias a partir de uma postura de não-conhecimento nos permite e nos estimula a agir no mundo de forma mais efetiva e mais generosa, menos egoica e menos violenta, mais transformadora e mais política.
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Atenção., por uma política do cuidado
Escrevi todo um livro para desenvolver esses temas. Atenção., por uma política do cuidado foi publicado pela editora Rocco em 2019, e está disponível nas versões impresso, ebook e áudiolivro — narrado por mim.
Todos os detalhes do livro estão aqui, inclusive links para as partes que estão disponíveis gratuitamente na internet.
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Um beijo e fiquem bem,
Alex Castro