Ascensão e queda do romance social de trinta
Inaugurado por Raquel de Queiroz, subvertido por Ariano Suassuna e superado por Clarice Lispector
Em 1930, ainda na esteira das reviravoltas causadas pela Semana de Arte Moderna de 1922, uma menina cearense de 19 anos publica um brilhante romance de estréia. O quinze, de Raquel de Queiroz, inaugura uma nova fase na literatura brasileira: o “romance de trinta”, engajado e neo-realista, abordando as grandes questões sociais de cada região. Ao longo do século XX, alguns dos maiores clássicos brasileiros são caudatários do “romance de trinta”, de Jorge Amado a Graciliano Ramos. Finalmente, em 1971, quando o gênero já vinha se esgotando, Ariano Suassuna não só eleva o “romance de trinta” ao seu ápice, como também lhe aplica um golpe de misericórdia e encerra o ciclo.
O Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta é definido por seu narrador como “romance heróico-brasileiro, ibero-aventuresco, criminológico-dialético e tapuio-enigmático de galhofa e safadeza, de amor lendário e de cavalaria épico-sertaneja.” Ele poderia ter acrescentado: romance policial, de formação, satírico-humorístico, até mesmo apocalíptico. Assim como Grande Sertão: Veredas, é uma obra-prima ao mesmo tempo mítica e universal, mas também fortemente ancorada nas realidades concretas da fala, da cultura, do folclore brasileiros. Depois de uma obra debochada e demolidora como O Romance d’A Pedra, já não seria mais possível escrever a sério um romance como O quinze.
Poucos anos depois de O Romance d’A Pedra implodir o “romance de trinta”, Clarice Lispector indicou um novo caminho para a literatura brasileira. Nas mãos de outra escritora, A hora da estrela poderia facilmente ter se transformado em um “romance de trinta” tardio: escrito por uma pessoa da elite, olhando o Outro de cima para baixo, destacando sua situação precária e submissa, patética e subalterna, e enfatizando sua necessidade de contar com uma intelectual que lhe represente e fale em seu nome.
Lispector, entretanto, insere um narrador intermediário entre ela e sua personagem subalterna: A hora da estrela é a história de um olhar: não sobre as dificuldades de uma nordestina pobre no Rio de Janeiro (uma mulher que Lispector não teria como não ver com condescendência), mas sim sobre as dificuldades de um escritor carioca privilegiado em contar a história de uma nordestina pobre no Rio de Janeiro. Em enxergá-la como gente. Em reconhecer sua humanidade. O esforço de Rodrigo S.M., narrador de A hora da estrela, é o próprio esforço da cultura dominante (dele, de Lispector, e o nosso) em entender e explorar, domar e deglutir, colonizar e controlar a “cultura” (que mal reconhecemos como cultura) do Outro (que mal reconhecemos como gente).
Finalmente, o esforço fracassa: o subalterno não se presta ao papel de figurante que lhe reservaram. Macabéa implode os limites impostos por Rodrigo (e por Lispector) e acaba tendo que ser destruída — como quem abandona uma tese inconclusa, como quem sacrifica um cavalo manco. A hora da estrela problematiza, desconstrói e, enfim, coloca em xeque a própria possibilidade de uma intelectual privilegiada realmente contar a história de uma pessoa em posição de subalternidade. Como escrever “romances sociais” depois disso?
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Alex