O ano de finalmente terminar o Livro das Prisões: uma retrospectiva do meu 2023
Uma newsletter só para pessoas fofoqueiras. Por favor, não leia se não for o seu caso.
Nada muda. Anos não existem. Um dia se segue ao outro. Etc. Mas, enfim, somos seres simbólicos: a gente vê três pontos do céu e já chamamos de carneiro. Então, cabe aproveitar essa convenção arbitrária para fazer um balanço nessa nossa vida aqui tão real.
Antes de mais nada, esse foi o ano em que perdi todas as outras fontes de renda e vivi exclusivamente da generosidade das minhas pessoas mecenas. Então, se você foi uma mecenas pagante em 2023, saiba que te devo literalmente tudo. Qualquer coisa que eu fiz, o ônibus que eu peguei, o livro que encomendei, o café que tomei, devo a você. Muito, muito obrigado mesmo.
Aliás, é muito importante pra mim quando vocês respondem às newsletters, seja por email ou por comentário. Eu sempre quero saber o que vocês acham. :)
Vamos então às boas notícias do meu 2023:
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Não morri, não fiquei incapacitado
A primeira, maior e mais importante boa notícia é que ainda não morri. Aliás, não só isso.
Esse ano, estou entrando na faixa etária “jovem para morrer”, ou seja, não sou mais jovem pra nada, em qualquer ambiente ou atividade sou sempre o mais velho, e a única hipótese de me chamarem de jovem é se eu morrer: “poxa, morreu tão jovem o Alex…”
Afinal, todas nós vamos ou nos tornar pessoas com deficiências ou morrer jovens: as opções infelizmente são só essas duas.
Então, nessa minha nova faixa etária, apenas “não morrer” não basta. É preciso também deixar registrado que não fiquei mutilado nem incapacitado. Ainda consigo nadar e remar no mar batido de Ipanema, mijar e cagar rigorosamente quando quero, ler sem óculos, dar dentada sonora numa maçã Fuji, lembrar de tudo que precisa ser lembrado, subir na escada pra pegar livros na prateleira de cima.
Por enquanto. Nunca esquecendo o “por enquanto”.
Mas, até lá, aproveito.
(Um dia, em breve, eu terei morrido ontem.)
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Esposa ainda não se deu conta que é muita areia pro meu caminhãozinho
Coitada do meu amor, ainda continua iludida. Enfim, amo tanto essa mulher que, quando finalmente se der conta, ficarei feliz por ela e darei minhas bençãos. Mas, enquanto for caindo na minha conversa, vou aproveitando.
Meu melhor e mais urgente conselho a todas as pessoas é: escolham bem os seus cônjuges. Não é porque você transa bem com uma pessoa, ou ama muito, que vocês dariam um bom casal. Ser casal é mais. Depende fundamentalmente de um afeto e de um respeito e de uma parceria que transcende, e muito, o amor romântico e o sexo. Nenhuma decisão da nossa vida vai ter tanto impacto sobre nosso bem-estar, até mesmo sobre nossa sobrevivência, do que nossa escolha de parceiras. Escolham bem, com cuidado, sem pressa. Desescolham sem medo.
Minha esposa, por exemplo, escolheu mal e está micada com um paspalho. Não sejam como ela. :)
(Meu casamento, em fotos e votos.)
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Paguei todas as contas todos os meses
Em 2023, Esposa e eu vivemos exclusivamente do meu Apoia-se. Foi um ano difícil de grana, mas todas as contas fecharam e não me endividei.
Todo ano, ninguém fica mais surpreso do que eu por ter conseguido inventar um estilo de vida sustentável fazendo rigorosamente só o que eu gosto, dando cursos, falando sobre livros. Sempre acho que, ano que vem, o blefe não vai mais funcionar, e terei que parar de escrever esses textos bobos, e arrumar um emprego honesto.
Se você gosta do que escrevo, por favor, me ajude a evitar esse destino: seja mecenas.
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Produzi muito conteúdo só pras minhas mecenas
Minhas mecenas, em troca de me sustentarem vivendo a vida dos meus sonhos, ganham muito conteúdo.
Esse ano, foram 33 textos exclusivos para mecenas. Além disso, teve os cursos Grande Conversa Fundadora e Grande Conversa Espanhola, encerrados em 2023 e disponíveis para as mecenas, e, claro, o Curso das Prisões, ainda em andamento, um resumão de tudo que andei pensando e escrevendo nos últimos vinte anos.
Por fim, todo mês eu dei uma aula aberta de literatura só para as mecenas e que, depois, abri para o público geral. Aqui abaixo estão as de 2023, todas já abertas, sempre em diálogo com a Prisão do mês:
Janeiro
— Marília de Dirceu, de Gonzaga: o começo da literatura brasileira
Fevereiro
— O Estrangeiro, de Camus: quando a Empatia nos bloqueia a Verdade
Março
— Memórias de um caçador, de Turgeniev: a ideologia do patrão
Abril
— A porta, de Szabó: trabalho doméstico e feminilidade
Maio
— Romanceiro da Inconfidência, de Meirelles: a criação de um mito nacional
Junho
— Bartlebly: Literatura e obediência
Julho
— Querida Konbini, de Murata: o trabalho e a vida
Setembro
— Marguerite Duras: o testemunho da dor
Outubro
— On the road, de Kerouac: a liberdade do não
Novembro
— A princesa de Cleves, de Lafayette: outras felicidades
Dezembro
— Uma experiência estética de alteridade radical: lendo literatura medieval no século XXI
Em 2024, as aulas avulsas continuam, sempre na segunda quarta-feira do mês. A próxima aula se chamará “Os contos brutos de Mariana Enríquez” e acontece na quarta, 17 de janeiro de 2024, às 19h.
De novo, não tenho como ser mais enfático: sou um artista independente, sem afiliação institucional, sem patrão, sem pai rico. Só tenho vocês. Se o meu conteúdo adiciona valor a sua vida, por favor, adiciona algum valor lá no meu Apoia-se. ;)
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Comecei um mestrado que estava namorando há anos
Desde que abandonei o doutorado, em 2011, eu tenho sido só professor e nunca aluno. Estava com saudade de voltar a ser aluno, ser mais um entre tantos, ver o buxixo dos jovens, ficar caladinho no meu canto só aprendendo, essas coisas. Não que eu tenha conseguido nem uma única vez “ficar caladinho no meu canto só aprendendo”, mas, sei lá, foi um sonho bonito enquanto durou.
Sou mestrando do Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da UFRJ, com uma dissertação sobre traduzir o poema medieval espanhol Cantar do meu Cid para o português brasileiro do século XXI.
Aliás, paralelo ao mestrado, para me ajudar a sistematizar minhas leituras de literatura medieval, estou dando o curso Grande Conversa Medieval, que começa agora em janeiro. Vem comigo?
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O Mentiras Reunidas foi entregue!
O lançamento do Mentiras Reunidas tem sido um pesadelo que me tira o sono desde 2021. Muito muito obrigado a todas pela paciência. Por agora, janeiro de 2024, todas as compradoras já devem ter recebido seus kits de capa dura + brindes. Se você ainda não recebeu, por favor, me escreve e já inclui o máximo de informação possível, idealmente quando você fez a compra e quantos emails sem resposta você mandou pra editora. Vou te ajudar a resolver, juro.
O Mentiras Reunidas brochura já está à venda, na minha mão e nas melhores livrarias. Ainda tenho os últimos exemplares do capa dura pra vender também. Aqui ó.
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Montei meu escritório
Tenho um quitinete em Copacabana, onde já morei e que já aluguei no Airbnb. Mas, agora, casado e com duas cachorras, não cabíamos todas lá. Desde 2019, fizemos várias mudanças (Flamengo, Leme, Botafogo, Ipanema!) e carregar todos esses livros de uma casa para outra foi um sacrifício que só não digo “imensurável” pois as empresas de mudança souberam bem orçá-lo e mensurá-lo em muitos milhares de reais. A última mudança foi de Ipanema, um bairro de rico onde não conseguíamos mais pagar aluguel, para um apartamento emprestado no Jardim Botânico, um bairro mais rico ainda onde jamais conseguiríamos pagar aluguel.
Adeus, Ipanema. Adeus, papel de parede azul:
Oi, Jardim Botânico. Oi, sovaco do Cristo:
E, nessa mudança, decidimos deixar os livros para trás. Meu quitinete em Copacabana agora funciona como escritório e biblioteca, e também garçoniere e sede náutica. Mesmo se tivermos que nos mudar em breve, pelo menos serão mudanças mais simples: os livros já estão em sua casa permanente e nós estamos cada vez mais minimalistas
E, agora, todo dia, eu caminho do Jardim Botânico até Copacabana, 8km em volta da Lagoa, uma das caminhadas mais lindas do mundo, até o escritório onde estão meu computador e todos os meus livros, onde não tem internet e onde celular não entra.
É impressionante o quanto consigo produzir. Graças ao novo escritório, consegui escrever mais em 2023 do que em todo o período de 2017, ano em que escrevi o Atenção, a 2022. Por exemplo….
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(Quase) Terminei o Livro das Prisões
Estou desde 2002 escrevendo sobre as Prisões. Vendi o livro para a Rocco em 2017. E nada de conseguir terminar. Por fim, decidi que 2023 seria o ano: inventei o Curso da Prisões — que ainda está rolando e que você ainda pode participar. Todo mês, conversamos sobre uma Prisão e aproveito para dar uma edição final ao respectivo texto. Agora, faltam só as duas últimas, Felicidade e Empatia.
O arquivo .doc já está com mais de 500 páginas. Com essas duas, mais introdução e conclusão, deve bater 700. Ainda vou cortar muita coisa, reordenar e reorganizar, mas, de qualquer modo, será um livro enorme. A culminação de mais de vinte anos de reflexões e leituras, insights e estranhamentos.
(Leia as 7 Prisões já prontas, revistas, reescritas, finalizadas.)
Na prática, essa foi a grande realização, o grande legado de 2023. No próximo mês, já coloco o ponto final nesse livro, passo alguns meses só revisando e, depois, nunca mais penso em Prisões! Chega. Zé finí. Caput!
De agora em dia, quero escrever ficção! E por falar nisso…
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O romance da Idade da Pedra pegou no tranco
Estou desde 2016 escrevendo esse maldito romance e ainda não saí do primeiro capítulo. O problema é que falta encontrar uma voz narrativa que faça sentido. Na verdade, que faça justiça ao tema. Em 2023, finalmente, encontrei — acho! Agora, passei o ano afinando a linguagem, deixei descansar um pouco, reli, me diverti, ri. Um bom sinal.
Em breve, devo terminar o primeiro capítulo, está com umas cem páginas, e as mecenas vão ver em primeira mão. Aliás, já sugeri para vocês se tornarem mecenas?
Encontrar um título que eu goste também ajudou o trabalho a desencantar. Por enquanto, o romance se chama…. “Antes de sermos nós”. (Que tal? Que tal?)
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Publiquei nos principais veículos literários do Brasil
Em 2023, continuei escrevendo cada vez mais na Folha de São Paulo e comecei a escrever em outros dos maiores e melhores veículos literários do país. Aproveito e deixo aqui a lista de todos os meus textos que saíram na grande imprensa esse ano.
451:
— Passeio por novas casas (novembro, 2023)
Suplemento Pernambuco:
— A língua pretuguesa enquanto pátria (novembro, 2023)
Rascunho:
— As atmosferas e dores de Duras (novembro, 2023)
Folha de São Paulo:
— David Graeber aponta que dívida virou relação moral, não econômica (23dez23)
— Folha indica os 20 melhores livros de 2023 de acordo com críticos convidados (19dez23)
— Livro inédito demonstra como o racismo afetou a obra de Carolina de Jesus (8dez23)
— Jorge Baron Biza supera as mortes de sua família com grande literatura (29set23)
— Turguêniev se inspira em cantora que se matou no palco para criar novela (16set23)
— Romance de Nobel turco sobre Erdogan vale para Brasil de Bolsonaro (11ago23)
— Obra de Milan Kundera supera a guerra, o exílio e a diáspora com humor (12jul23)
— Gabriel Abreu, em livro de estreia, expõe a sua mãe em vez de se expor (2jun23)
— Bibliotecas desordenadas são melhores, defende escritor italiano (27mai23)
— Novo livro de Caetano Galindo traz português derivado do latim vulgar (3mar23)
— Novo Houellebecq traça aniquilação de um homem e da sociedade (24fev23)
Aliás, dêem uma olhada também nos meus principais textos sobre livros aqui na newsletter:
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As más notícias
Duas das coisas que mais gosto na vida eu fiz pouco, muito pouco: ir ao mar e ir ao teatro. (Reparem que eu sempre falo de “mar”, nunca de “praia”.)
Voltei a morar no Rio em 2011 especificamente por ser uma das raras cidades que reúne 1) ser uma metrópole cosmopolita, onde passa filme iraniano e tem restaurante tailandês, e muito, muito teatro (em média, 60 peças em cartaz por semana) com 2) ter montanhas florestadas e praias limpas dentro na área urbana.
Então, o mar e o teatro são, na prática, quase 100% dos motivos pelos quais estou em uma cidade cara e perigosa como o Rio de Janeiro. (Se for pra não ir nem ao mar nem ao teatro, ficar preso em casa lendo e escrevendo eu posso fazer literalmente em qualquer lugar do mundo, gastando menos e correndo menos risco de levar um teco.)
A outra coisa que praticamente não consegui fazer foi ver as pessoas amigas, amigas, queridas. Em geral, eu sou fácil, fácil, minha casa está sempre aberta, vejo todo mundo. Mas esse ano eu fiz tanta coisa, estive sempre tão cansado, que não consegui.
Por isso, também, meu plano para 2024 é trabalhar menos: só duas aulas por mês, a aula avulsa e a Grande Conversa Medieval.
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Metas para 2024
— As de sempre: não morrer, não ficar incapacitado, continuar bem casado, pagar as contas em dia, não me endividar;
— Terminar e entregar O Livro das Prisões para a Editora Rocco até março de 2024;
— Defender minha dissertação sobre o Cantar de Mio Cid — o prazo máximo é meados de 2025, gostaria de terminar ainda em 2024;
— Terminar o primeiro capítulo do Antes de sermos nós e mostrar às mecenas;
— Continuar publicando sobre literatura na imprensa;
— Receber mais em casa as pessoas amigas, queridas, amadas — vocês sabem quem são;
— Ir mais ao mar e ao teatro.
— Conhecer mulheres dominadoras e malvadas que queiram um escritorzinho aos seus pés. ;)
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Mas a maior meta de todas é continuar falando com você. Isso. Você mesma aí me lendo.
Sei que parece modo de falar, mas eu sou escritor, escritor até a raiz da alma, escritor desde sempre. (Aos 12 anos, eu já escrevia e desenhava gibis, xerocava, pintava as capas uma a uma, e tinha 16 assinantes só na minha sala.)
Eu existo pra você, e sem você, eu não sou ninguém.
Obrigado por, ao longo de mais um ano, me possibilitar.
E eu, fofoqueiro e curioso, sempre quero saber de você. Pode comentar. Pode mandar emails longos. Pode mandar áudio. Pode me visitar. Nossa relação não precisa ser unilateral. Se você permitir, eu adoraria te conhecer.
Um beijo e que você tenha um 2024 sensacional,
Alex
Parece que 23 foi um belo ano.
Que 2024 também seja ótimo.