10 pessoas poetas preferidas
As 10 artistas da palavra que mais me fazem gozar, desfrutar, viajar, pirar
Poesia é tudo aquilo que se perde na tradução, já disse, claro, um poeta. Mas, justamente por isso, só considero que realmente conheço a obra de uma pessoa poeta se eu a li no original, ou seja, que escreveram em português, inglês, espanhol ou italiano. (Esses são os poetas que eu acho que seriam meus preferidos se eu conseguisse lê-los no original.)
Então, aqui vão, em ordem cronológica, minhas 10 pessoas poetas favoritas, aquelas que eu mais amo, às quais eu mais volto, que mais leio e releio: 1 mulher. 3 poetas do Brasil, 2 espanhois, 2 ingleses. 2 do século XVI, 4 do XIX.
E os seus? Me conta nos comentários?
* * *
(Sim, essa é uma newsletter para vender livros. Estamos na semana do Black Friday e a Amazon está com umas promoções realmente enlouquecidas. Já faz anos que sou afiliado Amazon: todos os meus links de livros enviam pra lá. Se você gosta do meu trabalho, uma das maneiras mais fáceis e baratas de me apoiar é clicando nos links e comprando qualquer coisa na Amazon — não precisa ser o ítem que você clicou.)
* * *
Um castelhano anônimo e genial
Não sei o nome desse poeta, mas ele mudou a minha vida. Pra começar, é o autor da obra prima mais antiga que eu consigo ler no original, sem precisar do auxílio de nenhum tradutor ou explicador. Depois, a pura força dessa obra me arrebatou tanto que decidi não só traduzi-la mas voltar ao mundo acadêmico para estudá-la. Tenho duas versões em áudio que eu ouço e reouço: a original e a adaptada. Abaixo, o começo:
De los sos ojos tan fuertemientre llorando, tornava la cabeça e estávalos catando. Vío puertas abiertas e uços sin cañados, alcándaras vazías, sin pieles e sin mantos, e sin falcones e sin adtores mudados. Sospiró mio Cid, ca mucho avié grandes cuidados; fabló mio Cid bien e tan mesurado: −¡Grado a ti, Señor, Padre que estás en alto! ¡Esto me an buelto mios enemigos malos!– Allí piensan de aguijar, allí sueltan las riendas. A la exida de Bivar ovieron la corneja diestra e entrando a Burgos oviéronla siniestra. Meció mio Cid los ombros e engrameó la tiesta: −¡Albricia, Álbar Fáñez, ca echados somos de tierra!–
Reparem como o poema começa in media res, ou seja, no meio da ação (na verdade, é porque a primeira página está faltando): o heroi, que acabou de ser desterrado e está tendo que sair de casa e do país às pressas, está olhando para sua casa vazia, para seus armários abertos e estantes vazias, e chorando copiosamente. Ao invés de falar de honra, guerra, morte, o poema abre numa cena extremamente doméstica, com a qual qualquer pessoa pode se identificar. Quem nunca se sentiu melancólico ao sair de uma casa que amava e ver vazios todos aqueles lugares antes ocupados por nossos objetos pessoais? O herói vê um corvo voando a sua direita e outro, à sua esquerda (ou seja, um bom e um mau agouro) e faz um gesto de afastar o mau agouro (quem nunca viu alguém sacudindo os ombros e franzindo a testa para espantar um mau agouro exatamente desse jeito) e celebra verbalmente o bom agouro, afirmando que o exílio foi uma boa notícia. Já está estabelecido como um homem emotivo mas comedido, pé no chão mas que decide o seu próprio destino, e ainda nem chegamos na 15ª linha.
* * *
Um poeta de imaginação sem limites
A obra-prima desse poeta italiano, essa deliciosa lufada de ar fresco, é o Renascimento em forma de obra literária. “Todo o espírito da sociedade renascentista está contido nesse livro, cuja leitura é um dos prazeres mais perfeitos que a literatura europeia nos oferece”, escreveu esse crítico. É um dos meus livros preferidos, obra sem fim que abro em qualquer página e nunca me arrependo, verdadeira máquina de maravilhar, rir, entreter.
Na Itália do quattrocento, um poeta menor morre deixando inconcluso um poema épico sobre alguns herois da tradição do ciclo carolíngio. Uma das criações originais desse novo poema é Angélica, a princesa chinesa que é das minhas mulherehs favoritas da ficção. Um outro poeta, esse um dos mais brilhantes de todos os tempos, se dispôs a terminar a obra e resolver as pontas soltas. Parece um objetivo prosaico, menor: concluir uma obra que nem era tão boa assim, reciclando personagens lá da época do imperador Carlos Magno. Mas, talvez por isso, por essa leveza de propósito, esse novo poema é tão absurdamente genial. Como escreveu esse outro italiano genial: “No princípio, só há uma moça que foge por um bosque montada em seu cavalo. Saber quem é ela só importa até certo ponto: protagonista de um poema que ficou incompleto, ela corre para entrar em um poema que acaba de começar.” A partir do momento em que Angélica entra correndo, perseguida por diversos cavaleiros, o poema não para mais. Uma cena interrompe a outra, sem nunca diminuir o ritmo, criando conexões que poderíamos ficar a vida deliciosamente desatando. Mas não de forma complexa, difícil, cerebral, intelectual, elitista: esse poema é divertido como é divertida uma telenovela sem fim, muito bem escrita, com infinitos personagens e situações. De novo, independente de qualidade literária, é impossível exagerar o quão simplesmente gostoso de ler é esse poema.
Mas não é só isso: o poema é muito maior que o seu enredo. O italiano poético do autor é belíssimo, sonoro, as palavras se encaixam umas nas outras com graça e humor. (Ah, eu não falei que é muito, muito engraçado.)
Do canto I, vemos Angélica manipulando um dos cavaleiros, Sacripante, para ajudá-la:
Stato era in campo, e inteso avea di quella rotta crudel che dianzi ebbe re Carlo: cercò vestigio d’Angelica bella, né potuto avea ancora ritrovarlo. Questa è dunque la trista e ria novella che d’amorosa doglia fa penarlo, affligger, lamentare e dir parole che di pietá potrian fermare il sole. Mentre costui cosí s’affligge e duole, e fa degli occhi suoi tepida fonte, e dice queste e molte altre parole, che non mi par bisogno esser racconte; l’aventurosa sua fortuna vuole ch’alle orecchie d’Angelica sian conte: e cosí quel ne viene a un’ora, a un punto, ch’in mille anni o mai piú non è raggiunto. Con molta attenzion la bella donna al pianto, alle parole, al modo attende di colui ch’in amarla non assonna; né questo è il primo dí ch’ella l’intende: ma dura e fredda piú d’una colonna, ad averne pietá non però scende, come colei c’ha tutto il mondo a sdegno, e non le par ch’alcun sia di lei degno. Pur tra quei boschi il ritrovarsi sola le fa pensar di tor costui per guida; che chi ne l’acqua sta fin alla gola, ben è ostinato se mercé non grida. Se questa occasïone or se l’invola, non troverá mai piú scorta sí fida; ch’a lunga prova conosciuto inante s’avea quel re fedel sopra ogni amante. Ma non però disegna de l’affanno che lo distrugge alleggierir chi l’ama, e ristorar d’ogni passato danno con quel piacer ch’ogni amator piú brama: ma alcuna finzione, alcuno inganno di tenerlo in speranza ordisce e trama; tanto ch’a quel bisogno se ne serva, poi torni all’uso suo dura e proterva. (I, 47-51)
Depois, ela lhe conta histórias mentirosas, e tudo o idiota apaixonado acredita:
Forse era ver, ma non però credibile a chi del senso suo fosse signore; ma parve facilmente a lui possibile, ch’era perduto in via piú grave errore. Quel che l’uom vede, Amor gli fa invisibile, e l’invisibil fa vedere Amore. Questo creduto fu; che ’l miser suole dar facile credenza a quel che vuole. (I, 56)
Temos sorte de dispor de uma recém-publicada tradução completa ao português brasileiro, simplesmente excelente, bilíngue, com excelentes notas.
* * *
O merecido príncipe dos poetas espanhóis
Nenhum outro poeta hispânico têm um espanhol tão belo, tão puro, tão límpido. Eu leio, releio, leio de novo, não canso. Saboreio a doçura, a calma, a paz, a tranquilidade em cada verso. Reparem nesse trechinho da Écloga I:
Corrientes aguas, puras, cristalinas; árboles que os estáis mirando en ellas, verde prado de fresca sombra lleno, aves que aquí sembrais vuestras querellas, yedra que por los árboles caminas, torciendo el paso por su verde seno; yo me ví tan ajeno del grave mal que siento, que de puro contento con vuestra soledad me recreaba, donde con dulce sueño reposaba, o con el pensamiento discurría por donde no hallaba sino memorias llenas de alegría.
Também tenho uma queda especial pelo soneto sem-vergonha abaixo, onde o poeta basicamente pede para a sua musa… bem… pagar peitinho. Foi um dos momentos mais felizes da minha vida de leitor de poesias mandar esse soneto para a moça que eu gostava e receber de volta o presente tão ansiado. ;) Quinhentos anos depois e o soneto ainda funciona!
Con ansia extrema de mirar qué tiene vuestro pecho escondido allá en su centro, y ver si a lo de fuera lo de dentro en apariencia y ser igual conviene, en él puse la vista; mas detiene de vuestra hermosura el duro encuentro mis ojos, y no pasan tan adentro, que miren lo que el alma en sí contiene. Y así se quedan tristes en la puerta hecha, por mi dolor, con esa mano, que aun a su mismo pecho no perdona; donde vi claro mi esperanza muerta, y el golpe, que en vos hizo amor en vano ''non esservi passato oltra la gona''.
Ele é um dos primeiros poetas a trazer uma certa dignidade, um verdadeiro prestígio literário ao espanhol. Em poesia, ele representa essa virada renascentista para dentro, a criação de uma nova ideia de interioridade individual. Surge o conceito de pessoa como temos hoje, uma certa introspecção que antes não tinha nem vocabulário para ser articulada. Quem inventa esse movimento é esse italiano. Na nossa língua, quem simboliza essa ruptura é esse português. Mas, confesso, por um nariz, prefiro esse espanhol.
Em português, só gosto mesmo dessa tradução. Como é uma edição bonita, capa dura, bilíngue e anotada, vale a pena.
* * *
Um velho revolucionário cego e rabugento
Imaginem se o revolucionário mais famoso de sua época, Robespierre ou Che, depois de triunfar e, na sequência, perder sua revolução, por um milagre não fosse executado e pudesse, na sua velhice, escrever um dos maiores poemas de todos os tempos, o mais denso e complexo, o poema onde demonstravelmente tem mais coisa acontecendo, sendo feita, sendo dita, um poema que tematiza, problematiza, alegoriza todas as maiores questões de sua época, Deus e o diabo, liberdade e tirania, reforma e contra-reforma. Talvez hoje seja possível ler esse poema e ver apenas o poeta canônico, mas, para seus primeiros leitores, devia ser impossível. E ele, safado, turrão, ainda dá indiretas por toda a obra:
I sing… unchanged To hoarse or mute, though fallen on evil days, On evil days though fallen and evil tongues, In darkness, and with dangers compassed round, And solitude. (VII, 24-8)
Com incrível economia narrativa, já nos primeiros 26 versos de sua obra-prima, nosso poeta-revolucionário indica o seu tema: a desobediência e queda da humanidade; que sua fonte básica será o livro do Gênese; que essa falta será redimida por um Homem maior (Jesus); que está escrevendo um épico à moda clássica mas que pretende, com a ajuda de sua musa, que não é apenas grega, mas cristã, transcender essa fonte; que, autoconfiante, pretende escrever algo que nunca antes tinha sido escrito; que estava cego e precisava de luz; que seu fim último é pedagógico e teológico, explicar as maneiras de Deus aos homens:
Of Man’s first disobedience and the fruit Of that forbidden tree whose mortal taste Brought death into the world and all our woe With loss of Eden till one greater Man Restore us and regain the blissful seat Sing Heav’nly Muse, that on the secret top Of Oreb or of Sinai didst inspire That shepherd who first taught the chosen seed, In the beginning, how the heav’ns and earth Rose out of chaos. Or if Sion hill Delight thee more and Siloa’s brook that flowed Fast by the oracle of God, I thence Invoke thy aid to my advent’rous song That with no middle flight intends to soar Above th’ Aonian mount while it pursues Things unattempted yet in prose or rhyme. And chiefly thou, O Spirit, that dost prefer Before all temples th’ upright heart and pure Instruct me, for thou know’st, thou from the first Wast present and with mighty wings outspread Dove-like sat’st brooding on the vast abyss And mad’st it pregnant. What in me is dark Illumine, what is low raise and support, That to the heighth of this great argument I may assert Eternal Providence And justify the ways of God to men. (I, 1-26)
O final, belíssimo, é um forte chamado contra a passividade, tanto em termos morais, espirituais e até políticos. Um anjo aponta que, em todas as eras, apesar de ser impossível qualquer tipo de vitória decisiva na guerra contra o Mal, um punhado de justos é chamado por Deus para lutar contra os Faraós e Nimrods — ou contra os situacionistas que perseguiam revolucionários. O poeta parece estar apontando o dedo para nós, leitoras: o que vamos fazer? Como vamos nos engajar? De que lado estamos? Os últimos versos são maravilhosamente evocativos e comoventes, dos mais belos da literatura. Está tudo aí, desde a trágica perda até a delicada consolação. E, em tudo que passou e em tudo que passará, Adão e Eva estão juntos, de mãos dadas, mas também, paradoxalmente, num caminho “solitário”:
They, looking back, all th’ eastern side beheld Of Paradise, so late their happy seat, Waved over by that flaming brand. The gate With dreadful faces thronged and fiery arms. Some natural tears they dropped but wiped them soon. 645 The world was all before them, where to choose Their place of rest, and Providence their guide. They hand in hand with wand’ring steps and slow Through Eden took their solitary way. (XII, 641-649)
O poema é tão, mas tão poderoso que, depois dele, o épico está efetivamente encerrado, esgotado como gênero literário viável. Daí em diante, ele só será possível como sátira ou como pastiche.
Escrevi esse textão aqui emocionado sobre o poema.
Intraduzível como só os grandes poemas podem ser, essa obra-prima tem em português a melhor edição possível, bilíngue, anotada. Recomendo.
* * *
Um burguês apaixonado e também revolucionário
Esse poema, publicado em 1792, provavelmente é o segundo livro de poesia mais lido, mais vendido, mais querido da língua portuguesa, perdendo apenas para esse aqui. (Muita gente repete essa afirmação, sem referências nem provas, mas a verdade é: quem mais seria? Nenhum outro livro chega nem perto.) Obra fundadora da literatura brasileira, primeira a ser escrita aqui, por nós, para nós, dentro do nosso sistema literário local, também foi a primeira a ser traduzida para várias línguas (o próprio pai da literatura russa traduziu um trecho) e é a única a ter uma cidade batizada em sua homenagem, em São Paulo. Até hoje, continua lida, popular, importante.
Dentre a poesia setecentista, em minha humilde opinião, só esse poema se salva, obra que exemplifica o melhor e o pior da arte desse século de transição. É o ponto ótimo de equilíbrio, único e inédito, nunca mais atingido, de convergência das correntes setecentistas e de antecipação das oitocentistas. É uma obra tão leve e tão simples, tão bela e tão singela, que o poeta faz parecer fácil ter sido o único que conseguiu fugir de todos esses exageros e singrar um belíssimo caminho do meio.
O poeta também um revolucionário, preso, degredado. Como conciliar esse homem de carne e osso, preso por três anos em uma sinistra fortaleza e que escreveu essas liras provavelmente enquanto era repetidas vezes interrogado, com o estilizado pastor superficial e rococó, ou com o bom burguês sonhando com seu casamento real com sua noiva real, com seu emprego de desembargador na Bahia e com as delícias da futura vida doméstica? Um verdadeiro revolucionário escreveria um poema tão bem comportado? Um verdadeiro burguês se envolveria em uma conspiração para derrubar o governo? São paradoxos sobre paradoxos.
Eu adoro voltar infinitas nesses a esses poemas tão límpidos, plácidos, tranquilos, tão belos e tão iluminados:
Topei um dia Ao Deus vendado, Que descuidado Não tinha as setas Na impia mão. Mal o conheço, Me sobe logo Ao rosto o fogo, Que a raiva acende No coração. “Morre, tirano; Morre, inimigo.” Mal isto digo, Raivoso o aperto Nos braços meus. Tanto que o moço Sente apertar-se, Para salvar-se Também me aperta Nos braços seus. O leve corpo Ao ar levanto; Ah! e com quanto Impulso o trago Do ar ao chão! Pôde suster-se A vez primeira; Mas à terceira Nos pés, que alarga, Se firma em vão. Mal o derrubo, Ferro aguçado No já cansado Peito, que arqueja, Mil golpes deu. Suou seu rosto; Tremeu, gemendo; E a cor perdendo, Bateu as asas; Enfim, morreu. Qual bravo Alcides, Que a hirsuta pele Vestiu daquele Grenhoso bruto, A quem matou, Para que prove A empresa honrada, Coa mão manchada Recolho as setas Que me deixou. Ouviu Marília Que Amor gritava, E como estava Vizinha ao sítio Valer-lhe vem; Mas quando chega Espavorida, Nem já de vida O fero monstro Indício tem. Então Marília, Que o vê de perto De pó coberto, E todo envolto No sangue seu, As mãos aperta No peito brando, E aflita dando Um ai, os olhos Levanta ao céu. Chega-se a ele, Compadecida; Lava a ferida Co pranto amargo, Que derramou. Então o monstro Dando um suspiro, Fazendo um giro Coa baça vista, Ressuscitou. Respira a deusa; E vem o gosto Fazer no rosto O mesmo efeito, Que fez a dor. Que louca idéia Foi a que tive! Enquanto vive Marília bela, Não morre Amor. (I, XII)
Esse meu texto, com aula em vídeo, sobre esse poema é um dos meus preferidos que já escrevi.
* * *
O poeta do horror gótico
Sou apaixonado por essa virada do século XVIII pro XIX, a loucura da revolução francesa, o primeiro romantismo alemão alucinado, o gótico que surgia na Inglaterra. Esse poema, absurdamente apavorante e hipnótico, uma história de terror passada num navio mal-assombrado no polo sul, simboliza, resume, representa tudo o que esse período produziu de melhor. De todos os poemas aqui, certamente é o que eu mais li e reli nos últimos meses. Percebam a atmosfera, as imagens, o ritmo das palavras:
One after one, by the star-dogged Moon, Too quick for groan or sigh, Each turned his face with a ghastly pang, And cursed me with his eye. Four times fifty living men, (And I heard nor sigh nor groan) With heavy thump, a lifeless lump, They dropped down one by one. The souls did from their bodies fly,— They fled to bliss or woe! And every soul, it passed me by, Like the whizz of my cross-bow! 'I fear thee, ancient Mariner! I fear thy skinny hand! And thou art long, and lank, and brown, As is the ribbed sea-sand. I fear thee and thy glittering eye, And thy skinny hand, so brown.'— Fear not, fear not, thou Wedding-Guest! This body dropt not down. Alone, alone, all, all alone, Alone on a wide wide sea! And never a saint took pity on My soul in agony. The many men, so beautiful! And they all dead did lie: And a thousand thousand slimy things Lived on; and so did I. I looked upon the rotting sea, And drew my eyes away; I looked upon the rotting deck, And there the dead men lay.
* * *
Um medievalista indianista nacionalista
Tivemos sorte de, já de cara, encontrar nosso maior poeta. Em suas famosas poesias indianistas, não aparece tanto o seu forte catolicismo, mas estão em destaque tanto seu enaltecimento dos valores cavalheirescos medievais (projetados inteiros nos povos originários) quanto sua busca por uma poética portuguesa ao mesmo tempo castiça mas também popular e cantável – como era a poesia medieval, quase sempre oral. Suas poesias líricas são excelentes, mas são tão excelentes quanto as outras poesias líricas de grandes autores românticos da mesma época, como esse, aquele, ou esse outro, etc. O que eleva sua poesia indianista acima de tudo que seus contemporâneos produziam e a coloca no ápice da poesia oitocentista brasileira não é apenas a temática — que foi o motivo ideológico de sua canonização — mas também a linguagem: ou seja, o fato de serem escritas em um português muito mais acessível, muito mais oral, muito mais popular do que a poesia lírica romântica que então se escrevia. Suas poesias medievais e indianistas criam seu efeito poético usando palavras acessíveis e simples; já suas poesias líricas e sentimentais usam e abusam de palavras rebuscadas e empoladas.
Quando ele acerta, quando é sonoro e exaltado, como não se arrepiar?
Um velho Timbira, coberto de glória, Guardou a memória Do moço guerreiro, do velho Tupi! E à noite, nas tabas, se alguém duvidava Do que ele contava, Dizia prudente: — "Meninos, eu vi! "Eu vi o brioso no largo terreiro Cantar prisioneiro Seu canto de morte, que nunca esqueci: Valente, como era, chorou sem ter pejo; Parece que o vejo, Que o tenho nest'hora diante de mi. "Eu disse comigo: Que infâmia d'escravo! Pois não, era um bravo; Valente e brioso, como ele, não vi! E à fé que vos digo: parece-me encanto Que quem chorou tanto, Tivesse a coragem que tinha o Tupi!" Assim o Timbira, coberto de glória, Guardava a memória Do moço guerreiro, do velho Tupi. E à noite nas tabas, se alguém duvidava Do que ele contava, Tornava prudente: "Meninos, eu vi!".
Mas suas poesias indianistas todo mundo conhece. Confesso que gosto ainda mais de suas poesias medievalistas:
Bom tempo foi d’outrora Quando o reino era cristão Quando nas guerras de mouros Era o rei nosso pendão, Quando as donas consumiam Seus teres em devação. Dava o rei uma batalha Deus lhe acudia do céu; Quantas terras que ganhava, Dava o Senhor que lhas deu, E só em fazer mosteiros Gastava muito do seu. … Bom tempo foi o d’outrora Quando o reino era cristão; Os moços davão-se à guerra, As moças à devação: Aquela terra de mouros Vivia em muita aflição. Deu-nos Deus tantas vitórias, E tanto pêra louvar, Que os padres de Sam Domingos Já não sabiam rezar; Todo-lo tempo era pouco Pêra louvores cantar!
Um textão meu sobre esse poeta maravilhoso.
* * *
Um ianque autocentrado e universalista
Por duas décadas, quando me perguntavam meus três poetas preferidos, eu simplesmente dizia o nome dele três vezes. Pra mim, sem exagero, esse homem representa a própria poesia. Quando estou triste, desanimado, pra baixo, ler suas poesias é como enfiar o dedo na tomado: eu saio sacudido, energizado. Talvez tenha sido meu melhor amigo. No momento em que mais precisei, quando a minha vida estava pronta para uma reviravolta, foi ele quem me deu o último pontapé na direção desejada. Sei que não me conhece, sei que morreu há mais de cem anos, mas é difícil não imaginar que escreveu sua obra-prima diretamente pra mim, só pra mim, pra mais ninguém, e que todas as outras pessoas leram de enxeridas. Seu paradoxo é atingir uma total e absoluta universalidade — ao mergulhar total e absolutamente no seu Eu. A grande mágica desse poeta, o motivo de ele ser pra mim uma figura quase mitológica, mística, religiosa, é que ele escreve como se não houvesse literatura. Como se estivesse fazendo poesia pela primeira vez.
I CELEBRATE myself; And what I assume you shall assume; For every atom belonging to me, as good belongs to you. I loafe and invite my Soul; I lean and loafe at my ease, observing a spear of summer grass. ... This is the meal equally set—this is the meat for natural hunger; It is for the wicked just the same as the righteous—I make appointments with all; I will not have a single person slighted or left away;... The insignificant is as big to me as any;... Logic and sermons never convince; The damp of the night drives deeper into my soul.... And a mouse is miracle enough to stagger sextillions of infidels,... I am a free companion—I bivouac by invading watchfires. I turn the bridegroom out of bed, and stay with the bride myself; I tighten her all night to my thighs and lips.... Do I contradict myself? Very well, then, I contradict myself; (I am large—I contain multitudes.)... I bequeathe myself to the dirt, to grow from the grass I love; If you want me again, look for me under your boot-soles. You will hardly know who I am, or what I mean; But I shall be good health to you nevertheless, And filter and fibre your blood. Failing to fetch me at first, keep encouraged; Missing me one place, search another; I stop somewhere, waiting for you.
Um textinho meu sobre esse homem maravilhoso.
Essa é minha tradução preferida. O poeta só escreveu um livro, mas que foi reescrevendo ao longo da vida. Como eu prefiro a energia do jovem à sabedoria do velho, minha favorta é a primeira edição. As melhores edições, como essa da Penguin e essa da Norton, contém sua obra-prima em duas versões diferentes.
* * *
Um sinhôzinho pacato e brilhante
Esse poeta viveu por anos em uma pequena aldeia onde todos se conheciam e não deixou nenhuma anedota, era só um pacato senhorzinho: “Não fez nada de memorável, com exceção de algo que ignorava”, escreveu esse outro gênio: “Sem nem saber, havia dedicado toda sua vida a se preparar para escrever sua obra-prima.” E foi um tempo bem investido. Enquanto policiais militares empobrecidos continuarem invadindo favelas para executar outras pessoas mais pobres ainda, esse poema continuará relevante: é o grande poema americano, o que nos canta, o que nos define, o que nos acusa.
Esse poema é basicamente um gigantesco Faroeste Caboclo que foi canonizado como obra literária máxima dos nossos hermanos. Ou seja, é uma música. Foi feita pra ser ouvida, declamada, cantada. Ela nasce das pajadas, que são o equivalente gaucho das batalhas de repentistas. No trecho abaixo, um dos mais emocionantes e violentos, a batalha do personagem homônimo com um índio:
De ella fueron los lamentos
Que en mi soledá escuché.
En cuanto al punto llegué,
Quedé enterado de todo.
Al mirarla de aquel modo
Ni un istante tutubié.
Toda cubierta de sangre
Aquella infeliz cautiva
Tenía dende abajo arriba
La marca de los lazazos;
Sus trapos hechos pedazos
Mostraban la carne viva.
Alzó los Ojos al cielo,
En sus lágrimas bañada;
Tenía las manos atadas;
Su tormento estaba claro;
Y me clavó una mirada
Como pidiéndome amparo.
Yo no sé lo que pasó
En mi pecho en ese istante;
Estaba el indio arrogante
Con una cara feroz;
Para entendernos los dos
La mirada fue bastante.
Pegó un brinco como gato
Y me ganó la distancia;
Aprovechó esa ganancia
Como fiera cazadora;
Desató las boliadoras
Y aguardó con vigilancia. (II, 9)
Um textinho meu sobre esse poema sensacional.
Existem boas traduções ao português, mas todas de editoras pequenas e difíceis de encontrar. Gosto dessa versão livre aqui. Nesse texto, eu comparo as traduções e dou algumas alternativas.
* * *
Uma nacionalista cristã límpida e cristalina
“Romance” era uma poesia medieval narrativa (ou seja, que conta uma historinha, com começo, meio e fim) feita para ser cantada e, consequentemente, “romanceiro” era uma coleção de romances, sobre um mesmo tema ou sobre temas afins. Quando essa minha poetisa preferida decide escrever um “romanceiro” sobre a Inconfidência Mineira ela está, conscientemente, em pleno século XX, escolhendo contar a história dos inconfidentes do século XVIII (ou seja, homens letrados, iluminados, classicistas, anti-medievais, árcades) em um estilo tão antigo que teria soado arcaico até para esses homens. Ao amarrar todos esses fios de história, cultura, estilo, pensamento, está praticamente criando sua própria versão da Grande Conversa em um único poema: partindo dos sons e dos ritmos dos romanceiros medievais, que são nossa mais profunda herança literária portuguesa, recria a epopéia de nossos inconfidentes, homens iluministas do século XVIII, a partir das preocupações políticas e prioridades estéticas dos séculos XIX e XX, ou seja, o projeto republicano de construir novos heróis nacionais não-vinculados à monarquia. Não por acaso, muitos críticos consideram que esse poema é a grande epopéia poética brasileira, nosso maior poema e um dos maiores da língua portuguesa, abaixo somente desse português. Eu concordo.
O ponto alto desse poema são as histórias das mulheres, Maria, Marília, Bárbara, finalmente vistas! O romance 74 é o que mais me comove, sobre a loucura da Rainha Maria, uma loucura que é um tipo de prisão:
Ai, a filha da Marianinha! Ai, a neta do Rei Dom João! - suave princesa de mãos postas, resplandecente de coração... Que lindas letras desenhava a sua delicada mão: grandes verticais majestosas, curvas de tanta mansidão! MARIA - nome de esperança, MARIA - nome de perdão, - a melancólica princesa livre de toda ostentação, que há de subir a um trono amargo como todos os tronos são!... Ei-la, sem pai, marido, filhos, confessor, - ninguém - acordada em seu Palácio, à densa noite erguendo voz desesperada, perguntando pelos seus mortos, pela sua ardente morada.. Ei-la a sentir o Inferno vivo, a família toda abrasada, e os Demônios com rubros garfos, esperando a sua chegada. E seu corpo já transparente, e já dentro dele mais nada. E os corcéis da Morte e da Guerra a escumarem na sua escada. Ei-la a estender pelas paredes sua desvairada figura... A que, embora piedosa e meiga, pelo poder da desventura degredava e matava - longe - com sua clara assinatura.. Ei-la aos gritos, à sombra verde dos jardins de aquosa frescura. Clamam por ela Inconfidentes que a funda masmorra tortura. E ela clama aos ares esparsos... E a Liberdade que procura é por flutuantes horizontes, no fusco império da loucura. Ai, a neta de Dom João Quinto, filha de Dom José Primeiro, presa em muros de fúria brava, mais do que qualquer prisioneiro! - Terras de Angola e Moçambique, mais doce é o vosso cativeiro! - Transparentes, vossas paredes, prisões do Rio de Janeiro! Ai, que a filha da Marianinha jaz em cárcere verdadeiro, sem grade por onde se aviste esperança, tempo, luzeiro... Prisão perpétua, exílio estranho, sem juiz, sentença ou carcereiro... (74)
* * *
Menções honrosas
Espanhol: o maior poeta místico de todos os tempos, o maior poeta barroco de todos os tempos, a melhor poetisa do sexo e do desejo
Inglês: um criador de fantasias, o dândi mais famoso de sua época, o marido da grande escritora, um imperialista na cara dura, um homossexual enrustido e melancólico
Português: o grande pai da nossa poesia, um atormentado criador de pesadelos, um apaixonado pela Espanha e por Pernambuco, uma moça contemporânea maravilhosa escrevendo poesia que só seria possível no século XXI
Italiano: um homem do povo que ganhou um inesperado Nobel, um ex-fascista que foi professor da USP
* * *
Esses foram minhas 10 pessoas poetas preferidas de todos os tempos. Espero que tenham gostado dessa rápida viagem pela literatura. Por favor, sintam-se à vontade para compartilhar esse texto e, por favor, me contem nos comentários quais são as suas. Sou um fofoqueiro curioso e quero muito saber. :)
* * *
Se meus textos tiveram impacto em você, se minhas palavras te ajudaram em momentos difíceis, se usa meus argumentos para ganhar discussões, se minhas ideias adicionaram valor à sua vida, por favor, considere fazer uma contribuição do tamanho desse valor.
Assim, você estará me dando a possibilidade de criar novos textos, produzir novos argumentos, inventar novas ideias.
* * *
Me ajuda a comprar livros?
Para quem está no exterior, a maior e melhor ajuda é depositar alguns dólares ou euros via cartão de presente ou na Amazon EUA (Amazon gift card) ou na Amazon Espanha (Amazon cheque-regalo) para o email eu@alexcastro.com.br (Só serve se for na Amazon EUA ou Espanha: nas outras, não tenho conta.)
E muito, muito obrigado. :)