Meus 5 livros do ano
De qualquer assunto, desde que lançados pela primeira vez no Brasil em 2023
Nesse final de ano, a Folha de São Paulo me pediu para listar os 5 melhores lançamentos editoriais de 2023. Podia ser qualquer livro, de qualquer assunto, desde que a primeira edição, ou tradução, do texto no Brasil tivesse sido esse ano. Não deixem de ir lá conferir as outras recomendações, todas sensacionais: as minhas vão abaixo, bastante expandidas em relação ao que saiu no espaço reduzido do jornal.
(Aliás, posso pedir um favor? Vão lá no texto da Folha, e comentem, compartilhem, retuítem? Quero muito saber o que pensaram, sintam-se à vontade para comentar. Aliás, aqui estão todas minhas resenhas para a Folha. Enquanto isso, clicando nos links de livros aqui da newsletter e comprando qualquer coisa na Amazon BR, eu ganho uma comissão e te agradeço por apoiar meu trabalho.)
Menções honrosas
Quase entrou o Eugênio Oneguin, de Aleksander Puchkin, na tradução de Rubens Figueiredo, tema da última aula da Grande Conversa Fundadora, mas o texto já havia saído no Brasil em uma outra tradução, de editora pequena, que ninguém leu. Era um absurdo as pessoas brasileiras terem tantas edições dos grandes russos, como Dostoievski e Tolstoi, e não do homem que eles, e todos os outros, consideravam seu grande mestre!
Talvez o maior lançamento do ano mesmo mesmo tenha sido Dívida: os primeiros 5 mil anos, do David Graeber, que está saindo pela Zahar... mas o livro já tinha sido publicado em tiragem mínima por outra editora menor. Não tenho palavras pra articular o quanto amo esse livro, mas vou tentar, pois vai sair resenha em breve!
Então, com esses dois mamutes fora do caminho, os cinco melhores lançamentos de 2023, na minha humilde opinião, em ordem aleatória, são:
Os perigos de fumar na cama
Mariana Enríquez, Intrínseca, trad. Elisa Menezes, R$49,90 (144 págs.)
Os últimos anos estão vendo um florescer de uma certa literatura bruta, que flerta com o fantástico por um lado e com a crítica social por outro, escrita por jovens mulheres latino-americanas que, naturalmente, têm uma concepção bem diferente de “horror” do que os velhos homens brancos mortos. Dentre muitos nomes que se destacam (gosto bastante da equatoriana Maria Fernanda Ampuero), a melhor, mais poderosa, mais impactante certamente é a argentina Mariana Enriquez. Depois de publicar seus sucessos mais recentes, a Intrínseca lançou esse ano no Brasil sua primeira antologia de contos, “Os perigos de fumar na cama”, de 2009, onde ela já se mostra uma autora plenamente formada. Sua primeira antologia não deve nada ao resto de sua obra e é igualmente imperdível.
O áudiolivro narrado por Mara Brenner é simplesmente sensacional. Ouvi toda a obra de Enríquez na voz de Brenner e não consigo imaginá-la de outra maneira. Esse livro, por enquanto, só tem em espanhol, mas já tem áudiolivro em português do maravilhoso As coisas que perdemos no fogo, e de seus dois romances, que ainda não li mas estão na fila: Nossa parte de noite, que parece ser sua obra-prima, e Este é o mar. Em 2024, as aulas avulsas para mecenas vão passar a ser marcadas com menos antecedência, e vão ser mais contemporâneas. A primeira, na quarta, 17 de janeiro, será sobre esse livro, Os perigos de fumar na cama.
O deserto e sua semente
Jorge Baron Biza, Companhia das Letras, trad. Sergio Molina, R$74,90 (232 págs.)
O outro grande lançamento ficcional do ano também é da Argentina, somente mais antigo: o primeiro e único romance de Jorge Baron Biza foi originalmente lançado em 1998. O pai do autor desfigurou o rosto da mãe com ácido e, na sequência, se matou. A mãe, depois de anos de tratamento, também se matou. O filho conseguiu costurar essas tragédias reais em uma das obras de ficção mais poderosas de todos os tempos e, enfim, também se matou. Poucos livros têm a coragem de encarar tão de frente a dor, a morte, o desespero. Fortíssimo.
Minha resenha completa desse livro está aqui. Será o tema de nossa aula avulsa de quarta, 14 de fevereiro. :)
Latim em pó
Caetano W. Galindo, Companhia das Letras, R$59,90 (232 págs.)
É um daqueles livros que se você lê ainda quente da gráfica e sabe que vai virar um clássico das próximas décadas. Pequeno, curto, despretensioso, “Latim em pó” maneja uma quantidade gigantesca dos mais recentes estudos linguísticos sobre a história da língua portuguesa e consegue comunicar esses resultados de maneira tanto rigorosa, quanto fluida, tanto para estudantes e acadêmicos, quanto para qualquer pessoa interessada em nossa língua. Um prazer de leitura, um excelente presente de natal.
Em março, publiquei uma resenha mais extensa desse livro na Folha. Meu curso de literatura para os próximos dois anos, que espero muito que vocês venham fazer comigo!, será a Grande Conversa Medieval, já à venda, por preço especial, só até 20dez. A última aula, Vernáculo, será especificamente sobre essas novas línguas românicas que surgiram na Idade Média e como elas se criaram e se legitimaram em comparação ao latim. Para quem qusier ler textos da época, vou recomendar uns "elogios da língua" como esse, mas a leitura mesmo será esse Latim em pó, que conta de forma deliciosa e acessível como esse processo se deu na nossa língua portuguesa.
Orlando Furioso, volume II
Ludovico Ariosto, Ateliê Editorial/Editora da Unicamp, trad. Pedro Garcez Ghirardi, R$260 (720 págs.)
Na opinião insuspeita de Erich Auerbach, que não era dado a elogios efusivos, “todo o espírito da sociedade renascentista está contido nesse livro, cuja leitura é um dos prazeres mais perfeitos que a literatura europeia nos oferece”. O “Orlando Furioso”, essa aventura divertida e deliciosa, é um dos maiores best-sellers da literatura ocidental, imbatível em sua capacidade de nos maravilhar e de nos seduzir desde o século XVI. A primeira parte da tradução já tinha ganho o Jabuti de 2002 e, agora, finalmente, pela primeira vez no Brasil, temos a obra completa, em edição caprichada, anotada e ilustrada.
Esse é um dos meus livros favoritos da vida. Como obra que perfeitamente simboliza o ethos do renascimento, será a penúltima aula, Renascimento, do meu curso Grande Conversa Medieval: é o "Orlando Furioso" que resume e empacota tudo de melhor do velho mundo medieval e que aponta, melhor que nenhuma outra, para o novo mundo que vai surgindo. Tudo que o "Dom Quixote" fez para o romance eu considero que o "Orlando Furioso" fez para a literatura em geral. (Eu já avisei que a Grande Conversa Medieval já está à venda, por preço especial, só até 20dez?)
O contrato racial
Charles W. Mills, Zahar, trad. Téofilo Reis e Breno Santos, R$74,90 (232 págs.)
Estudo raça e escravidão há mais de vinte anos e esse livro, publicado originalmente em 1997, é o melhor que já li sobre o tema, uma análise brilhante do nosso racismo estrutural. Tomando como mote o Contrato Social de Rousseau, o filósofo Charles W. Mills demonstra que nossa sociedade (para ele a estadunidense, para nós a brasileira) é na verdade regida por um Contrato Racial, onde as pessoas brancas e negras “pactuam” quem estará sempre por cima ou sempre por baixo. Era completamente inexplicável essa obra ainda não ter saído no Brasil: antes 25 anos mais tarde do que nunca.
Descobri Mills no meu doutorado, por volta de 2007, e foi tão impactante que escrevi bastante sobre ele em meu velho blog, LLL. O tradutor Teófilo era meu leitor e soube da existência do livro por mim. Entrou em contato com o autor, Mills, se tornou orientando dele em seu próprio doutorado e acabou traduzindo o livro ao português. Nunca sabemos onde vão germinar as sementes que jogamos ao vento. :)
E você? Quais foram os 5 maiores lançamentos do ano na sua opinião? Comenta aí. :)
Seja Mecenas
Como vocês viram, ser mecenas dá uma tonelada de vantagens, desde aulas avulsas até acesso todos os meus cursos, pra não falar nos encontros livres, botecos e piqueniques. Esse final de ano está especialmente difícil de grana pra mim.
Se meus textos tiveram impacto em você, se minhas palavras te ajudaram em momentos difíceis, se usa meus argumentos para ganhar discussões, se minhas ideias adicionaram valor à sua vida, por favor, considere fazer uma contribuição do tamanho desse valor.
Assim, você estará me dando a possibilidade de criar novos textos, produzir novos argumentos, inventar novas ideias.
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Grande Conversa Medieval: quando as línguas eram jovens e tudo estava em aberto
Meu curso para 2024 será a Grande Conversa Medieval. O curso será somente para mecenas mas, para quem quiser, estou vendendo o curso completo, à vista, no pix, só até 20 de dezembro de 2023.
Um vídeo apresentando o curso
Curso em resumo
Curso de literatura e história, com foco na experiência estética de alteridade radical dos textos medievais, como também nas continuidades e rupturas históricas e literárias com a cultura contemporânea. // Leituras não obrigatórias. 24 aulas, 2h cada, última quarta-feira do mês às 19h, de janeiro de 2024 a dezembro de 2025. Encontros e aulas ao vivo via Zoom; aulas gravadas via Facebook; grupo de discussão no Whatsapp. // R$799 à vista no pix até 20dez23, ou R$88 mensais, no Apoia-se, por todos os meus cursos. (Recomendo fortemente o Apoia-se, pois dá direito a muitas outras recompensas.) Compre agora.
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Grande Conversa Medieval
O curso Grande Conversa Medieval não é apenas para pessoas interessadas em história e cultura medieval, mas para qualquer leitora apaixonada por literatura. Os objetivos mais óbvios do curso são dois:
— Apresentar às pessoas alunas algumas das autoras e obras, conceitos e fatos, mais conhecidos da Idade Média, aquelas que talvez já tenham até ouvido falar mas não saibam bem quem são, de Tristão e Isolda a Abelardo e Heloisa, das Cruzadas ao Graal, de Marco Polo ao Rei Arthur, das Mil e uma noites ao Orlando Furioso, de Chaucer a Petrarca;
— Suprir uma lacuna nas histórias literárias que sempre tratam esse período como um grande buraco escuro entre a Antiguidade e o Renascimento. Como me perguntou uma aluna, “Por que tem tão poucas obras-primas literárias na Idade Média?” Pois o curso é para mostrar que tem muitas.
Mas existe um terceiro objetivo, talvez surpreendente e bem mais importante, que será o nosso foco principal.
A Idade Média europeia foi um dos períodos mais ricos em inventividade linguística e criatividade literária da história do mundo. Quando o latim já estava engessado pela idade e pela obsolescência, e as línguas modernas ainda não estavam engessadas pelas gramáticas e pelas convenções, houve um mágico intervalo de tempo onde todas as possibilidades estavam em aberto, tudo ainda era possível, qualquer experimento literário parecia factível.
Por isso, o grande objetivo do curso será não uma busca pela tradição ou pela essência do Ocidente, como tantas pessoas conservadoras idealizam na Idade Média (Deus me livre, que curso chato seria esse!), mas sim uma busca, a partir de uma perspectiva de esquerda, pelo novo e pelo estranho, pelo inesperado e pelo subversivo.
Hoje, em larga medida, nossos cânones, estilos e gêneros literários mais caretas ainda são aqueles da Antiguidade greco-romana, como foram “recuperados” pelos homens renascentistas que tentavam superar as “trevas” dessa “idade média” que acabavam de inventar.
Por isso, quando nossas vanguardas literárias mais experimentais decidem atacar toda essa caretice institucional, onde mais buscar inspiração que não nessa Idade Média tão rejeitada, tão escondida, tão surpreendente?
Paradoxalmente, portanto, e essa é a premissa no cerne do nosso curso, a literatura medieval hoje é mais subversiva, experimental e, por que não?, inovadora do que as literatura antiga ou moderna, realista ou modernista.
Guerra e paz e Os miseráveis, A montanha mágica e Os maias, Vidas secas e O estrangeiro, Dom Quixote e Dom Casmurro são maravilhosos (amo todos de paixão mesmo!), mas também são diferentes variações do mesmo molde novelesco realista.
Já Cantar do meu Cid não tem nada a ver com nossa ideia de uma poesia épica medieval. Abelardo e Heloísa, Tristão e Isolda, um casal real e outro ficcional, também não correspondem às nossas ideias de como seriam os casos de amor medievais. As sagas islandesas tem o vigor e a frescura da literatura contemporânea. François Villon, bandido e assassino, poderia ser um poeta trash em qualquer grande cidade atual. Tomás de Aquino, concordando ou não com suas premissas, é um verdadeiro professor de como pensar e desenvolver um argumento logicamente. Marco Polo era um mercador prático que descreveu suas viagens como um guia sóbrio para futuros homens de negócios. Alcassino e Nicoleta é único ao ponto de ser um gênero literário composto de uma só obra. As cantigas de amigo que aprendemos na escola são muito mais complexas e picantes do que nos ensinaram. Petrarca só parece lugar-comum porque inventou nosso conceito de “Eu” e passou 700 anos sendo imitado à exaustão. O Orlando Furioso talvez seja o clássico canônico mais puramente divertido de todos. Por fim, até hoje, não existe nada na literatura parecido à Celestina. (O Cid, o Orlando, a Celestina estão entre minhas obras preferidas da vida e quero muito compartilhá-las com vocês.)
Então, se te perguntarem por que está fazendo um curso de literatura medieval (!) em pleno 2024 (!!), responda:
“Pra ler uma literatura tão radicalmente nova que eu nem imaginava que pudesse existir (!!!) e que eu nunca teria encontrado por conta própria sem esse curso.” (!!!!)