Os livros do ano de 2024 (Menções honrosas)
11 livros sensacionais que recomendo sem reservas
Em 2024, mais uma vez, a Folha de S.Paulo me pediu para escolher os 5 livros do ano. (Aqui minha lista de 2023.) A única regra: tinham que ser livros de ficcão publicados pela primeira vez no Brasil em 2024.
Como resultado, passei meu mês de dezembro deliciosamente lendo, ou, pelo menos, lendo as primeiras páginas, de dezenas de lançamentos literários. Meu método era simples: abrir o livro, começar a ler e ver o que acontecia.
Algumas vezes eu até gostava, mas não o suficiente para querer continuar a ler até o final: por exemplo, esses dois romances italianos; um, do marido da (talvez?) mais famosa autora italiana e, outro, da mais famosa escritora afroitaliana da atualidade. Gostei de ambos? Sim, gostei. Estão separados aqui, quero terminar de ler.
Mas, não, não foram daquelas leituras que me pegam pelo pescoço e dizem:
“Você vai me ler inteiro, seu filho da puta, ou não vou sair da sua cabeça nunca mais!”
Então, os 16 livros que escolhi são aquelas que simplesmente não me deram sossego até terminá-los. Os 5 primeiros eu divulgo assim que a Folha publicar. Aqui, nessa newsletter de hoje, vão as 11 menções honrosas.
(Antes disso, um obrigado grande a vocês que estão aqui me lendo; aos veículos que insistem em encomendar meus textos, Folha e 451; e às editoras que publicam essas livros incríveis e mandam eles aqui pra casa. Gosta dos meus textos? Assina a newsletter.)
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Leia também: Minhas pessoas autoras favoritas // 40 livros escritos por mulheres, escolhidos por Elena Ferrante e comentados por mim // Minhas autoras mulheres favoritas.
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Os livros do ano de 2024 — Menções honrosas
1 Um lembrete que mulheres também são agentes da História
Essa ítalo-francesa (1360-1430), filha do astrólogo do Rei da França, foi a primeira escritora profissional, a primeira mulher pensadora a viver do conteúdo que produzia. Dentre suas diversas obras, a mais famosa é esse livro, uma polêmica contra os comentários misóginos do livro O romance da rosa, um dos maiores best-sellers da Idade Média e, infelizmente, ainda sem tradução ao português. Em resposta, a autora vai listando, de forma lógica, sistemática e inexorável, reminiscente do método escolástico de Tomás de Aquino, todos os argumentos em prol da autonomia das mulheres, em capítulos como “porque mulheres podem ser inventoras”, “porque mulheres podem ser juízas”, “porque mulheres sabem guardar segredos”, ao mesmo tempo em que traça uma verdadeira História das Mulheres. Tristemente, sua militância ainda é necessária até hoje. Será nossa leitura na 18ª aula do curso Grande Conversa Medieval.
2 Um olhar surpreendentemente empático para o Terror
Confesso não ter uma boa impressão desse autor: não me parece ser uma pessoa boa ou empática. Um de seus últimos livros teve que ser reescrito pois a ex-mulher ameaçou processá-lo se não retirasse os trechos onde a intimidade dela e da filha eram expostas sem consentimento. São os percalços da autoficção, esse mais autocentrado dos gêneros. Quando volta seu olhar para longe de seu umbigo, porém, ele é capaz de cometer verdadeiras obras-primas, como esse livro inclassificável: romance? crônica? reportagem? Durante um ano inteiro, ele acompanhou o julgamento dos atentados parisienses de 2015 e nos oferece, com um olhar surpreendentemente empático e humano, todos os seus personagens, dos maiores aos menores. Eu chorei, ri, me emocionei, foi uma montanha russa emocional. Agora estou curioso para ler esse e, especialmente, esse aqui.
3 Uma história hipnotizante de mulheres fortes, duras, terríveis
Em uma linguagem belíssima e sinistra, costurando diversas lendas do folclore catalão, a autora nos conta a história de várias gerações de mulheres que habitam uma propriedade rural na Catalunha. Gostei especialmente na narração desse áudiolivro, que fui ouvindo enquanto lia e só acrescentou à atmosfera de pesadelo. Esse livro não é uma história fofa de sororidade feminina, mas de mulheres terríveis e tenazes, fortes e feias, rudes e raivosas. Outra coisa boa: a tradução foi feita diretamente do catalão. Agora, quero ler o outro livro da autora publicado pela mesma editora, que está com um catálogo sensacional.
4 Uma narrativa brilhante, mas de final meio frouxo
Só duas pessoas ganharam duas vezes o Strega, maior prêmio literário italiano, e esse autor é um deles: a última vez por esse romance. As editoras me mandam muitos livros e leio as primeiras páginas de todos, só pra sentir o clima. Esse foi daqueles poucos que me capturou de tal maneira que, mal pisquei, e já tinha lido quase metade. É um romanção à moda antiga, contando a vida inteira do protagonista desde seu nascimento em 1959 até sua morte em 2030, e, também, de todas as pessoas que atravessam sua vida, seus pais, seus melhores amigos, sua irmã, sua esposa, sua amante, sua filha e sua neta. A primeira cena é brilhante, e a história é costurada com maestria e profissionalismo. Impossível não se enredar. O final, porém, ambientado no futuro próximo, não se sustenta e impede o livro de se tornar uma obra-prima, mas, quem sabe?, pode ser implicância minha. Vale a pena ler e formar sua própria opinião.
5 Uma ficção científica travesti
O primeiro e excelente romance dessa autora foi inspirado por sua vivência em um grupo de mulheres trans que se prostituíam em um parque. Esse seu segundo e ainda melhor romance seria “uma obra de ficção científica”, ao mostrar uma protagonista que ainda não existe: uma mulher trans poderosa e bem-sucedida, atriz celebrada por seu ofício e que enriqueceu praticando sua arte — uma diva que conquistou para si o direito de agir como bem entender e não dar satisfação a ninguém. Só que não. Até mesmo essa pessoa sente a necessidade de se conformar, de se adaptar, de se diminuir: buscando se domesticar para caber em um mundo que a admira, mas que também a rejeita, ela se vê casando com um homem cis e adotando um filho. Um romance excelente sobre os custos de nos domesticarmos para cabermos no mundo. (Escrevi mais sobre ela para a Folha de S.Paulo. Ou, para quem é mecenas, em versão expandida aqui.)
6 Uma saga multigeracional de mulheres fortes
O romance anterior dessa escritora foi tão sensacional que eu leria qualquer coisa que ela escrevesse. Agora, ela está de volta com uma saga multigeneracional de mulheres fortes no Marrocos da independência e pós-independência. É a história de seus avós, de seus pais, de seus tios. Esse excelente primeiro volume se passa entre 1946 e 1955, e é daqueles livros que você começa a ler e, quando vai ver, leu quase tudo. Não tenho nenhum reparo, é perfeito. No caminho, ela fala de machismo, colonialismo, classe, guerra. O segundo volume já saiu na França, com traduções já publicadas em inglês e espanhol. Vou ler na sequência.
7 Um romance sobre amizade feminina em tempos fascistas
O título original desse romance italiano é A malnascida, obra de estréia de uma jovem autora nascida em 1995. Ao traduzi-lo como A amiga maldita, porém, a editora brasileira força uma ingrata comparação com A amiga genial, da Elena Ferrante, que, por melhor que esse romance seja − e é − ele só pode perder. (A Tetralogia Napolitana, do qual A amiga genial é o primeiro livro, é, na minha humilde opinião, o melhor romance do século até agora.) Enfim, assim como A amiga genial, A amiga maldita é a história de duas meninas italianas que se tornam melhores amigas: não em Nápoles mas em Monza, não na década de 1950 mas na de 1935, auge do fascismo italiano. No processo, elas se conhecem, se irmanam, se juntam e, basicamente, enfrentam juntas o machismo e fascismo. O livro é surpreendente pela maneira bela, interessante, poética, dura na qual Salvioni conta sua história. Também foi daqueles que fui ler a primeira página e, quando vi, tinha lido quase tudo. Vai virar filme.
8 A poesia reunida de uma de nossas maiores poetisas
Como não amar a poesia subversiva dessa velha maravilhosa? Ao lado de Cora Coralina e Wisława Szymborska, essa autora agora está firme no meu panteão de “velhas poetisas subversivas maravilhosas”. Ela publicou poesias incríveis entre as décadas de 1950 e 1990 – eu amo, amo, amo esse aqui, de 1979 – e, depois, silenciou. Nesse meio tempo, casou com um homem analfabeto e viveram uma longa e poética história de amor. Quando ele morreu, e já no fim da vida, ela relançou um de seus livros antigos. Morreu de Covid, em 2021. Agora, em 2024, a Relicário publicou uma edição preciosa, imperdível de toda a sua poesia. É tão, tão difícil fazer poesia em 2024: o que ainda se pode dizer que já não tenha sido dito, ou que não seja lugar comum, ou que não seja impraticável? Escrever poesia se torna, a cada ano, mais heróico. Confesso que não dou de conta de gostar de quase nenhum poeta contemporâneo. Ela é um deles.
9 Um dos grandes romances existencialistas sobre racismo de todos os tempos
Escrito em 1940, é um dos grandes romances filosóficos da literatura. O fato de ser raramente pensado assim é sintoma do nosso racismo estrutural. Quando um homem branco como Camus fala de si mesmo, consideramos que está falando da condição humana de modo geral. Já a pessoa subalterna, seja negra, mulher, gay, etc, recebe sempre o rótulo de "identitária". Por isso, O estrangeiro é lido como um romance existencialista e esse aqui, que elaborou os mesmos temas de forma ainda mais potente, como "apenas" um romance sobre a condição negra. (Escrevi mais sobre esse livro aqui. Só não entrou no meu Top5 da Folha porque já havia saído em outra tradução.)
10 É raro uma obra de arte tão boa ser tão panfletária
O protagonista desse romance é um pícaro à moda antiga, na tradição do Lazarilho de Tormes e do nosso Sargento de Milícias, malandro e sofrido, irônico e ácido, narrando em suas próprias palavras a luta para sobreviver em um mundo hostil. Aqui, o pícaro é marinheiro e circula no mesmo cenário da melhor literatura de Herman Melville ou Joseph Conrad. Mas não estamos mais no século dos baleeiros à vela. Se toda grande obra é sempre uma crítica à literatura anterior, esse romance é a resposta brutal do século XX à literatura marítima do 19. Sim, nosso conhecido pícaro está em um familiar navio conradiano, mas dessa vez o roteiro parece escrito por Franz Kafka e os diálogos, por Samuel Beckett, se ambos fossem militantes anarquistas. A grande literatura raramente é tão panfletária, mas esse livro consegue cavar uma exceção.
11 O melhor por último: talvez o Grande Romance Latino-Americano
Essa obra-prima absoluta acabou de sair no Brasil em nova tradução, por um de nossos melhores tradutores, publicada por uma novíssima editora com um catálogo focado em música. Por mim, esse livraço de 1953 estaria no cocoruto do meu Top5, mas, como já havia sido publicado no Brasil em outra tradução (em 1985, com escandalosas três décadas de atraso!), não podia ser escolhido para o Top5 da Folha. Obra máxima da literatura cubana e injustamente colocado no saco de gatos do Realismo Mágico, esse livro é a epopéia de um homem latino-americano, ocidentalizado e arrogante, urbano e sofisticado, que se embrenha selva adentro em uma busca meramente intelectual (coletar instrumentos musicais indígenas) e acaba entrando em contato com as raízes de quem somos, de como pensamos, de como sentimos na América Latina. Nenhum resumo consegue dar conta da enormidade desse romance. Assim como em Grande Sertão: Veredas (que esse romance é quase tão bom quanto), aqui o estilo barroco e espiralado também pode ser um entrave, mas é preciso se entregar a ele: a forma é conteúdo e o conteúdo é a forma. Esse estilo faz parte da tentativa do autor de representar como a América Latina pensa e fala de si mesma. Um dia, darei a Grande Conversa Latino-Americana e esse romance estará no centro do curso.
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Muito, muito obrigado por ler até aqui. Daqui a pouco, publico o Top5 de 2024.
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@alex, poderia opinar se a amiga genial é melhor na tradução portuguesa ou em inglês?
Incrível a sua lista, bonita a maneira que você escreve sobre as leituras. Deu vontade de ler alguns. A propósito, será que só eu achei "a amiga genial" uma bobagem? (sei que não)