O artista nu: Kafka e os abusos dos herdeiros literários
Mais: qual é a relação entre o dramaturgo norueguês Henrik Ibsen e sua peça "O inimigo do povo" e as catástrofes naturais de Porto Alegre e Nova Orleans?
Franz Kafka, falecido há cem anos esse mês, é famoso não somente por sua obra literária, mas pelo fato de boa parte dela ter sido publicada a sua revelia. O que levanta várias questões interessantes e espinhosas:
A quem pertence uma obra literária? O público tem direito à obra, mesmo à revelia do artista? O artista têm direito de destruir sua obra, mesmo à revelia do público? O trabalho de um herdeiro literário, como Brod, é servir à obra, ao artista, à família, à humanidade, ao Estado? A obrigação de um herdeiro é publicar o máximo, deixando o público decidir o que é bom e o que é ruim? Ou publicar o mínimo, respeitando os padrões de qualidade do artista?
Partindo desse gancho e passando por Borges e Clarice, Machado e Graciliano, Cecília Meireles e Gabriel Garcia Márquez, publiquei um ensaio bem legal no caderno Ilustríssima, da Folha de S. Paulo. Como sempre, a Folha precisou diminuir bastante o texto para caber no jornal. Então, você pode ou ler a versão resumida lá no site da Folha (e, por favor, comente e compartilhe, pra eles verem que meus textos bombam) ou, se for mecenas, pode ler o texto completo, com todos os links, em nossa área exclusiva.
Meus agradecimentos mais rasgados ao Gabriel Avelar, advogado especialista em Direitos Autorais, que respondeu todas as minhas dúvidas. Sem ele, esse texto não seria possível. Além disso, ele produz conteúdo muito legal, e recomendo segui-lo no Instagram.
Aliás, se você gosta do que escrevo, por favor, considere se tornar mecenas. Você pode contribuir com o valor que quiser e se torna um possibilitador da minha vida, da minha arte, da minha prática. Além de ganhar inúmeras recompensas, como acesso a textos exclusivos, você também ganha minha gratidão eterna. :)
Curte literatura? Leia todas minhas resenhas para a Folha.
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Um pouco sobre direito autoral
O direito autoral se divide em moral e patrimonial.
O direito moral é como a defesa da integridade da obra. Em vida, a própria pessoa autora faz isso; depois de morrer, suas herdeiras; por fim, depois de setenta anos, o Estado toma para si esse ônus.
Já o direito patrimonial é mais simples: se a autora tinha um carro que usava pra ganhar dinheiro, digamos fazendo entregas, e morre, o carro passa para as herdeiras, que podem continuar usando para ganhar dinheiro, inclusive de outras maneiras, agora levando passageiros, etc.
Precisamos, enquanto sociedade, decidir se a arte é algo intrinsecamente importante para a comunidade como um todo, ou se é apenas um veículo utilitário que troca de dono.
Se as pessoas herdeiras não defendem a integridade da obra, se mantém a obra fora dos livros didáticos para ser descanonizada, se vendem obras que não foram nem escritas pelos autores que representam, se publicam textos inferiores e rejeitados só pra ganhar dinheiro, talvez elas também não devessem, no interesse público, dispor do direito patrimonial sobre a obra.
A reforma da lei do Direito Autoral, especialmente no artigo 52-B, pelo menos oferece ao Estado, representante de todas nós, a oportunidade de tentar remediar os maiores abusos.
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Nós, como sociedade, temos um interesse público em mais doações de órgãos; ainda assim, mesmo em questões de vida ou morte, se não houver autorização expressa do potencial doador, preferimos errar em prol de deixar bons órgãos apodrecerem do que arriscar colher órgãos de quem não queria doar. Reconhecemos uma certa sacralidade no corpo humano que sobrevive à própria morte e que não ousamos conspurcar.
Não seria uma obra de arte parte do corpo de seu criador? Forçar um artista a nos mostrar sua obra é um pouco como abaixar suas calças em público. Pois, sim, artista é quem se desnuda em público. Mas só é arte se for um ato de vontade: o artista desnudado a revelia é vítima.
(Leia o texto completo na Folha ou na área exclusiva das mecenas.)
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O que O inimigo do povo, de Ibsen, tem a ver com as enchentes no sul do Brasil e com o Katrina?
Todo mês, dou uma aula de literatura contemporânea para as minhas mecenas. Em junho, o livro em si não é contemporâneo, mas o tema sim: vamos ler a peça clássica de Ibsen O inimigo do povo à luz da catástrofe climática que se abateu sobre o Sul do Brasil.
Além de valer a pena só a oportunidade de ler e conversar sobre uma das melhores peças de todos os tempos, o mais interessante é trazermos as questões levantadas pelo texto para a nossa vida contemporânea.
Afinal, de que maneira a grande literatura do passado nos ajuda a entender melhor os dilemas do presente?
Além disso, de bônus, vou contar com todos os detalhes sobre a minha experiência de refugiado climático durante o furacão Katrina, em 2005. (A história toda está aqui.)
As aulas são exclusivas para mecenas, mas é super fácil ser mecenas: basta fazer uma contribuição no meu Apoia-se.
(Perdão por tantos conteúdos em áreas exclusivas. Odeio isso por princípio, mas está ficando cada vez mais difícil de ganhar a vida como escritor independente e preciso sinceramente de toda a ajuda que puder das minhas pessoas leitoras.)
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Série “As Prisões”
Aqui estão os textos já reescritos, revisados e finalizados no último ano:
Felicidade (em breve)
Empatia (em breve)
Acredito que aqui seja possível um paralelo entre seus últimos 2 textos: sobre abuso de herdeiros e sobre o aborto.
Há uma discussão entre grupos sobre onde se inicia a vida. Se é no embrião, a partir de X semanas, se é antes, se é no momento do parto, e a resposta a essa pergunta define muito do posicionamento sobre a legalidade ou não do aborto.
Quanto ao outro extremo não há dúvidas. A morte é bem clara, discute-se o início da vida, mas há um consenso sobre onde ela se encerra. Então ao morrer o artista deixa de existir. Não existe mais alguém para desrespeitar ou respeitar. Pode-se desrespeitar alguns vivos ao se desrespeitar a memória que eles têm do falecido, mas não o falecido em si. Assim como não se pode desrespeitar o Mickey Mouse ou o Harry Potter, pois eles não existem em um plano para receber o desrespeito.
O que quer que seja feito com a obra de um artista não é como abaixar as suas calças, ou se é, é como abaixar as calças de um defunto. Enquanto o artista é vivo ele tem um CPF, direitos e pode destruir sua obra à revelia do público e decidir o que mais quiser. Uma vez que morre, suas opiniões e preferências deixam de existir.
Ah, mas se seu filho quiser lutar pela obra do pai ele pode... o filho, enquanto vivo, pode fazer o que qualquer outro vivo pode fazer, e vai ter os direitos de todos os vivos e usá-los como quiser, somado aos direitos de herdeiro sobre o patrimônio das obras.
As questões legais e burocráticas sobre herança e direitos autorais são de e para os vivos, como toda a lei. As leis sobre o que se pode fazer com corpos e orgãos de quem morreu também é sobre e para os vivos. Pois os vivos que se ressentem ou regozijam com o que é feito a um cadáver. Alguns vivos com opiniões mais fortes e lutam mais ferozmente para que suas opiniões sejam traduzidas em leis.
Nesse sentido, na minha visão, não há desrespeito possível à opiniões ou desejos de quem não existe mais.