Devemos jogar fora Vargas Llosa?
E outras conversas literárias: Elena Ferrante & Agatha Christie, Dostoievski & Coleção Vagalume
Essa semana, morreu Mario Vargas Llosa. Foi um escritor perfeito, um dos homens mais importantes da minha vida.
Nunca se prendeu a nenhum gênero ou estilo. Arriscou sempre. Cada um de seus romances é totalmente diferente do outro.
Durante meus anos formativos, dos meus cinco, dez livros favoritos, dois eram dele.
Quando eu tinha 14 anos, acabara de me decidir escritor e estava de rolo com uma moça de 28, ela me deu de presente Tia Júlia e o Escrevinhador, romance perfeito onde um jovem Vargas Llosa de 18 anos vivia um caso de amor com sua tia de 32 — também 14 anos de diferença. Esse presente foi o começo de um relacionamento lindo, que moldou o homem que sou até hoje, com uma moça que foi minha mentora intelectual por muitos e muitos anos.
Pouco depois, quando eu tinha 18, foi o seu excelente A guerra do fim do mundo que firmou minha decisão de estudar História. (Falo mais sobre esse livro na quinta aula, Civilizados & bárbaros, do meu curso Grande Conversa Brasileira.)
Além disso, li vários e vários de seus livros e nenhum, nenhum nunca foi ruim.
Atualmente, estou escrevendo um romance sobre a pré-história e meu novo Vargas Llosa favorito é o muito subestimado Os filhotes, narrado coletivamente por um grupo de meninos. (O que ele faz com essa narração coletiva é de tirar o fôlego. Recomendo essa edição com fotos.)
Também amo seus livros sobre livros. Tínhamos muitos dos mesmos favoritos. Ele escreveu Carta de batalla por Tirant lo Blanc, sobre Tirant Lo Blanc, recentemente traduzido ao português e relançado pela Ateliê Editorial (estou escrevendo uma resenha para o caderno Pensar, do Estado de Minas); A tentação do impossível, sobre Os miseráveis, talvez meu romance preferido; Los cuentos de la peste, uma releitura do Decamerão, de Boccaccio, etc.
Quem fica se importando com suas opiniões políticas ao invés de ler sua ficção não sabe o que está perdendo. É o tipo de gente embotada que se nega grandes prazeres por pequenez moral.
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Faz alguns dias, abri uma caixinha de perguntas no Instagram. Vou compartilhar aqui com vocês algumas das melhores respostas. Sintam-se à vontade para perguntar mais nos comentários.
Todos os meus cursos são livres para as pessoas mecenas: para tornar-se mecenas, é só ir no meu Apoia-se e fazer uma contribuição.
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O que te faz gostar de um livro?
O que me faz gostar de um livro é se ele me diverte, me faz pensar, abre meus olhos para enxergar o que eu antes não via.
Mas, em ficção, tenho uma regra pessoal que é a seguinte: os personagens têm que ser interessantes, sedutores, eu preciso querer conviver com eles.
Por exemplo, não gosto de Dostoievski. É um grande escritor? Claro. Os Irmãos Karamazov, Crime e Castigo, Memórias do Subsolo são obras-primas indiscutíveis.
Mas eu nunca acordei e pensei:
“Poxa, o que eu mais quero hoje é passar algumas horas com Raskolnikov ou com o incel do subsolo!”
Porque todo protagonista de Dostoievski é chato. Não dá pra ter tesão nem por eles, e, por isso, nem pelos livros que narram suas vidas.
Por outro lado, eu super dividiria um apartamento com Eugenio Onegin, de Puchkin, jantaria todo dia com o Pierre, de Guerra e paz, amaria e seria feito de gato e sapato por todas as mulheres fortes e dominantes de Turgueniev.
(Notas: As melhores edições da obra de Dostoievski são da editora 34. Dá pra comprar a obra completa em um box belíssimo, presente ideal para qualquer adolescente angustiado. // Falei mais sobre a obra de Turgueniev, inclusive comparando-o à Tolstoi e Dostoievski, nesse texto sobre as Memórias de um caçador. // Eugenio Oneguin, de Puchkin, foi tema da última aula do meu curso Grande Conversa Fundadora. // Guerra e paz será uma das leituras do meu próximo curso, Grande conversa romance: um ano para ler seis romances perfeitos, que começa em agosto de 2025.)
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Você faz leitura crítica?
Nunca fiz leitura crítica porque nunca ninguém me deu nenhum texto pra fazer leitura crítica. Mas sou fácil, fácil: é só falar comigo. Tanto autores quanto editoras.
O que faço muito é aula particular sobre demanda.
A última, por exemplo, foi sobre o cangaço. O aluno disse que queria saber mais sobre cangaço. Li três livros sobre cangaço e dei uma aula de cangaço pra ele. Pronto.
É só me procurar, me dizer o que você quer, combinar preço e data.
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O que faz um poema ser bom?
Para um poema ser bom, ele precisa ser a mistura perfeita entre forma e conteúdo.
Ele precisa ter algo a dizer, estar comunicando algo, por óbvio, como toda obra de ficção.
Mas, por ser poesia, esse algo precisa estar sendo dito também através da forma, da língua em seus aspectos mais básicos, do formato das letras, da sonoridade dos fonemas.
Por isso, todo bom poema é intraduzível: dá pra traduzir somente a primeira parte, o seu conteúdo; mas tudo aquilo que ele está comunicando com a forma específica daquela língua se perde quando o poema é vertido para outra.
Por isso, todos os meus poetas preferidos são poetas que consigo ler no original. Então, esses são meus dez poetas favoritos, e esses são oito poetas que talvez fossem favoritos… se eu conseguisse lê-los no original!
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Quais são seus historiadores preferidos?
Os ingleses Edward Gibbon, E. P. Thompson e Hobsbawm
Os brasileiros Gilberto Freyre e Sergio Buarque de Holanda
Os cubanos Moreno Fraginals e Fernando Ortiz
E o trindadiano C.L.R. James
(Notas: A terceira aula, Romanos: seu declínio & sua queda, do curso Introdução à Grande Conversa, é sobre Declínio e queda do Império Romano, do Gibbon. // A segunda aula, Escravistas & escravizados, do curso Grande Conversa Brasileira, é sobre Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre. // Para os interessados em História, recomendo meu curso História do mundo enquanto fofoca.)
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Você leu coisas tipo Coleção Vagalume ou foi direto para os clássicos?
Sempre li de tudo. Li toda a coleção Vagalume, todo Monteiro Lobato, A Inspetora, O gênio do crime (que ainda é uma das melhores coisas que já li, reli há pouco e é surpreendentemente bom), Harry Potter, O pequeno Nicolau, O medico e o monstro, O homem invisível, Dracula, Beleza Negra, Ilha do Tesouro, Emilio Salgari e Zane Grey, Lovecraft e Stephen King, Arsene Lupin e Sherlock Holmes. Fui formado por muitas leituras.
Qualquer um que diga que só lê clássicos ou é uma pessoa mentirosa ou bitolada, provavelmente ambas.
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Curte Agatha Christie?
Agatha Christie é maravilhosa.
Gosto especialmente da série Tommy e Tuppence, sobre um casal apaixonado, que acompanha a vida deles a medida em que envelhecem junto com a autora, desde o primeiro caso logo antes de casarem no primeiro livro, um recém-casados, dois na meia idade, e o último quando estão idosos.
Meus livros preferidos são O assassinato de Roger Ackroyd e E não sobrou nenhum.
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Por que você gosta tanto da Tetralogia Napolitana da Ferrante?
A Tetralogia Napolitana é um romance perfeito.
Ao mesmo tempo é um novelão hipnotizante, impossível de parar de ler, com personagens inesquecíveis.
Ao mesmo tempo, é um romance total, retrato de toda uma geração, de toda uma época, repleto de camadas de leitura.
É, na minha opinião, o melhor romance do século XXI até hoje.
Em agosto, começa o meu curso Grande conversa romance: um ano para ler seis romances perfeitos. A Tetralogia Napolitana será o último.
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Grande conversa romance: um ano para ler seis romances perfeitos
O curso Grande conversa romance: um ano para ler seis romances perfeitos vai começar em agosto de 2025. Um mergulho profundo em alguns dos maiores e mais perfeitos romances da literatura mundial.
Dois meses para cada livro (três para Guerra e paz): um encontro livre para conversar sobre a leitura no primeiro domingo de cada mês e uma aula expositiva ao final dos dois meses, ambos no Zoom, e muito bate-papo literário todo dia no Whatsapp.
Ninguém precisa de ajuda para ler os livros fáceis e curtos. A ideia do curso é ajudar vocês a lerem aqueles livrões que, talvez, estavam adiando ler a vida inteira e, quem sabe, ajudá-los também a encontrar novos livrões legais.
Leremos só grandes livros, um romance em cada uma das principais línguas literárias ocidentais. Abaixo, a lista completa, em ordem cronológica. Os links já levam à edição recomendada.
1 Moby Dick, inglês, 1851 (agosto & setembro 2025)
2 Os miseráveis, francês, 1862 (outubro & novembro 2025)
3 Guerra e paz, russo, 1867 (dezembro 2025, janeiro & fevereiro 2026)
4 Grande sertão: veredas, português, 1956 (março & abril 2026)
5 Cem anos de solidão, espanhol, 1967 (maio & junho 2026)
6 Tetralogia napolitana, italiano, 2015 (julho & agosto 2026)
O precursor polonês Manuscrito encontrado em Saragoça (1815) só não abriu o curso por não ter tradução em catálogo no Brasil, mas eu recomendo enfaticamente, seja no original em francês, em inglês, em espanhol, ou em português de Portugal. (Se houver pessoas alunas interessadas o suficiente em ler, podemos fazer uma aula zero sobre ele em junho & julho. Falem comigo. No mínimo, dez.)
O que pensam?
Já podem ir comprando, já podem ir começando. ;)
Para ter acesso a todos os meus cursos, passados, presentes e futuros, é só tornar-se mecenas. É assim que ganho a vida, e fico muito, muito grato a todas vocês.
Obrigado. Vocês me possibilitam.
Um beijo do Alex
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Grande Conversa: Romance, Calendário
Dom, 6jul25, 16h: Conversa livre, Manuscrito encontrado em Saragoça, Abertura do curso (opcional, se houver interessados)
Qua, 23jul25, 19h: aula zero, Manuscrito encontrado em Saragoça (opcional, se houver interessados)
Dom, 10ago25, 16h: Conversa livre, Moby Dick
Dom, 7set25, 16h: Conversa livre, Moby Dick
Qua, 24set25, 19h: aula 1, Moby Dick
Dom, 5out25, 16h: Conversa livre, Os miseráveis
Dom, 2nov25, 16h: Conversa livre, Os miseráveis
Qua, 26nov25, 19h: aula 2, Os miseráveis
Dom, 7dez25, 16h: Conversa livre, Guerra e paz
Dom, 1fev26, 16h: Conversa livre, Guerra e paz
Qua, 25fev26, 19h: aula 3, Guerra e paz
Dom, 1mar26, 16h: Conversa livre, Grande sertão: veredas
Dom, 5abr26, 16h: Conversa livre, Grande sertão: veredas
Qua, 29abr26, 19h: aula 4, Grande sertão: veredas
Dom, 3mai26, 16h: Conversa livre, Cem anos de solidão
Dom, 7jun26, 16h: Conversa livre, Cem anos de solidão
Qua, 24jun26, 19h: aula 5, Cem anos de solidão
Dom, 5jul26, 16h: Conversa livre, Tetralogia napolitana
Dom, 2ago26, 16h: Conversa livre, Tetralogia napolitana
Qua, 26ago26, 19h: aula 6, Tetralogia napolitana
Fiquei feliz em saber que vc leu a Inspetora. Eu comprava pela Ediouro. Um dia desses encontrei um exemplar numa banca de livros na carioca. A inspetora fez parte da minha adolescência. Obrigada por desbloquear essa memória.
Realmente leu tudo!! Ganymédes José. 🥰 Só para quem é raiz!! Bravo!! E viva Llosa!! A Festa do Bode é para sempre!!