Ler mais para saber menos, ler menos para saber mais
Por que as pessoas querem tanto “ler mais”?
Quarta, 28 de setembro, vou dar uma aula chamada Como (des)ler literatura. Abaixo, duas das dicas que pretendo ensinar. (Para assistir a aula ao vivo, é só ser mecenas dos planos ENCONTROS ou CURSOS. Mais informações aqui.)
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Sempre que atualizo minhas listas de leituras, várias pessoas me escrevem com uma variação de:
“Aaaah, que inveeeeja, eu queria taaaanto ler mais…”
Mas… por quê?!
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Ler mais para saber menos
De vez em quando, eu me interesso sobre algum assunto e decido me informar mais. Para isso, leio pelo menos dois livros inteiros sobre o tema.
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Se quero me informar sobre como Euclides da Cunha narraria a Guerra de Canudos, quais recortes escolheria, quais aspectos enfatizaria, etc, eu posso ler Os sertões (1903).
Mas, se quero me informar minimamente sobre a Guerra de Canudos em si, eu preciso ler, pelo menos, mais um livro sobre o assunto.
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Ler apenas um livro dá uma falsa sensação de conhecimento. Passamos de não saber nada para saber muita coisa sobre a Guerra de Canudos em poucos dias. Chega a ser intoxicante e tentador pensar que “agora sim conheço a Guerra de Canudos!”
Mas não. Conheço apenas o recorte específico, as perspectivas e as opiniões, daquela pessoa autora sobre a Guerra de Canudos. E olhe lá.
Ler um segundo livro sobre o mesmo assunto quebra esse efeito. Provavelmente, ambos os livros vão dialogar entre si, trocar citações ou trocar refutações, trocar elogios ou trocar farpas.
Aquela interpretação sobre Antônio Conselheiro que me parecia tão sólida e pouco problemática no primeiro livro (até citei, empolgado e inocente, para os amigos na mesa de bar!) é justamente a interpretação que o segundo livro desconstrói impiedosamente. E vice-versa.
De repente, nos damos conta que a história da Guerra de Canudos não é tão simples quanto pensávamos, que existe muita discordância mesmo entre as pessoas que realmente conhecem a Guerra de Canudos, que a história da Guerra de Canudos ainda está sendo escrita e reescrita.
(Um textinho meu sobre porque ler Os sertões.)
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Eu leio mais de um livro sobre o mesmo assunto não para saber mais sobre o assunto.
Eu leio mais de um livro sobre o mesmo assunto para me dar conta da minha enorme ignorância sobre o assunto.
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Ler menos para saber mais
Quando se escreve profissionalmente, pessoas leitoras e jornalistas sempre nos pedem por “recomendações de leitura”.
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Mesmo em um país de poucas pessoas leitoras como o Brasil, o lobby da leitura é fortíssimo.
Não lemos quase nada, mas colocamos a leitura no mesmo altar quase-religioso onde já estão a atividade física e a comida saudável.
Discordamos em tudo, mas concordamos que deveríamos estar todas lendo mais, malhando mais, comendo melhor.
Gastamos fortunas em comidas orgânicas que não gostamos, em academias que não frequentamos, em livros que não lemos, e depois nos martirizamos por fracassar em nosso projeto de sermos pessoas mais lidas, mais saradas, mais saudáveis.
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As pessoas que realmente querem ler leem o tempo todo. Estão lendo agora. Aproveitam cada cinco minutos no metrô ou na fila do banco para ler mais duas pagininhas, como um fumante ansioso que aproveita qualquer oportunidade para ir fumar um cigarrinho lá fora.
Já as pessoas que dizem
“Ah, eu queria tanto ler mais…” (ou fazer mais ginástica, ou comer mais vegetais, etc)
não querem realmente ler mais.
Elas apenas querem querer ler mais.
Elas apenas acreditam sinceramente que essas atividades (ler, malhar, comer melhor, etc) são intrinsecamente boas e indispensáveis para a identidade que estão construindo para si mesmas, de pessoas cultas, saradas, saudáveis, e, por isso, desejam ardentemente querer fazer essas coisas.
Mas não querem. Porque, se quisessem, já estariam fazendo, não querendo fazer.
Como escritor, eu gostaria de poder absolvê-las dessa ansiedade: ninguém precisa ler. Ler não é intrinsecamente bom. Ler é um passatempo como qualquer outro. Existem mil maneiras de aprender os fatos do mundo e de se tornar uma pessoa melhor sem passar pela leitura.
Se gostam de ler, leiam. Se não gostam, não se culpem.
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Então, sempre que me pedem por “recomendações de leitura”, recomendo que não leiam nada.
Pergunto: quanto tempo em média passaria lendo um livro de, digamos, duzentas páginas? Oito, dez horas ao longo de quatro, cinco dias?
Então, economize o valor do livro, encontre um lugar tranquilo em sua casa e ocupe esse tempo fazendo a jardinagem do seu cérebro, podando galhos, arrancando ervas daninhas.
Quantos preconceitos, falsidades, distorções, mentiras, estereótipos, lugares-comuns você não tem aí dentro?
Em vez de absorver mais e mais novas verdades, em um verdadeiro frenesi acumulativo cultural, coloque o lixo para fora.
Em vez de ler, des-leia. Em vez de aprender, desaprenda.
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Como (des)ler literatura
Literatura é diversão para todos. Se você acha que não é diversão, ou que não é pra você, então, está lendo errado. Deixa eu te ensinar a ler melhor?
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Passei toda uma vida lendo e ensinando Literatura. E, agora, percebo que, mais do que a própria Literatura, mais do que as obras em si, o que mais ensinei foi simplesmente a ler.
Quase todas minhas alunas chegavam nas aulas envergadas sob o peso de centenas de “regras de leitura” absurdas e arbitrárias, derrotistas e desnecessárias, que serviam apenas para tornar engessar a leitura:
“Tem que ler um livro de cada vez”, “tem que ler livro até o fim”, “não pode marcar livro”, etc etc.
Arre!
Então, na verdade, não é nem que eu ensinava a LER, assim, em maiúsculas, leitura séria, utilitária, etc.
Mas sim a ler em minúsculas, de forma mais leve e mais gostosa, menos pesada e menos intimidadora, sem aquelas regras que só faziam tornar a leitura mais trabalhosa. Ou seja, eu as ensinava a ler como quem gosta de ler.
Minha tarefa era justamente absolver as minhas alunas de todas as culpas e ansiedades que tinham atrelado à leitura e, assim, liberá-las para somente… ler!
Por isso, percebi que estava faltando, no meio dos meus cursos de História e Literatura, uma simples e singela aula avulsa de “como ler”, ou na verdade, mais importante, “como desler literatura”, reunindo todas as dicas que já dei em todos os meus cursos.
A aula vai acontecer na quarta, 28 de setembro, a partir das 19h, no Zoom, e depois ficará disponível por, no mínimo, dois anos em um grupo no Facebook.
Será uma aula exclusiva para as mecenas dos planos ENCONTROS e CURSOS do meu novíssimo espaço de mecenato na plataforma de financiamento coletivo Apoia-se. Aliás, será a inauguração do espaço.
Cada plano tem recompensas específicas e uma das recompensas dos planos acima é justamente uma aula mensal avulsa sobre os temas da Literatura e da História que estejam me interessando naquele momento. (É uma maneira de compartilhar com vocês as minhas leituras.)
A primeiríssima aula será “Como (des)ler literatura”.
Para participar, basta visitar o meu novo espaço de mecenato e comprar o plano ENCONTROS ou CURSOS.
Conheça o espaço e saiba mais sobre os planos (se você já é mecenas pelo PagSeguro, fale comigo e vamos transferir seu mecenato) ou confira o roteiro da aula.
Um grande beijo do
Alex Castro