Como (des)ler literatura, uma aula
Literatura é diversão para todos. Se você acha que não é diversão, ou que não é pra você, então, está lendo errado. Deixa eu te ensinar a ler melhor?
Passei toda uma vida lendo e ensinando Literatura. E, agora, percebo que, mais do que a própria Literatura, mais do que as obras em si, o que mais ensinei foi simplesmente a ler.
Quase todas minhas alunas chegavam nas aulas envergadas sob o peso de centenas de “regras de leitura” absurdas e arbitrárias, derrotistas e desnecessárias, que serviam apenas para tornar engessar a leitura:
“Tem que ler um livro de cada vez”, “tem que ler livro até o fim”, “não pode marcar livro”, etc etc.
Arre!
Então, na verdade, não é nem que eu ensinava a LER, assim, em maiúsculas, leitura séria, utilitária, etc.
Mas sim a ler em minúsculas, de forma mais leve e mais gostosa, menos pesada e menos intimidadora, sem aquelas regras que só faziam tornar a leitura mais trabalhosa. Ou seja, eu as ensinava a ler como quem gosta de ler.
Minha tarefa era justamente absolver as minhas alunas de todas as culpas e ansiedades que tinham atrelado à leitura e, assim, liberá-las para somente… ler!
Por isso, percebi que estava faltando, no meio dos meus cursos de História e Literatura, uma simples e singela aula avulsa de “como ler”, ou na verdade, mais importantre, “como desler literatura”, reunindo todas as dicas que já dei em todos os meus cursos.
Mais abaixo, nesse texto mesmo, eu compartilho com vocês o roteiro completo da aula, mas, antes, queria contar uma novidade.
A aula vai acontecer na quarta, 28 de setembro, a partir das 19h, no Zoom, e depois ficará disponível por, no mínimo, dois anos em um grupo no Facebook.
Como participar?
Bem, essa é a novidade.
Será uma aula exclusiva para as mecenas dos planos ENCONTROS e CURSOS do meu novíssimo espaço de mecenato na plataforma de financiamento coletivo Apoia-se. Aliás, será a inauguração do espaço.
Cada plano tem recompensas específicas e uma das recompensas dos planos acima é justamente uma aula mensal avulsa sobre os temas da Literatura e da História que estejam me interessando naquele momento. (É uma maneira de compartilhar com vocês as minhas leituras.)
A primeiríssima aula será “Como (des)ler literatura”.
Para participar, basta visitar o meu novo espaço de mecenato e comprar o plano ENCONTROS ou superior.
Clique aqui para conhecer o espaço e saber mais sobre os planos. (Se você já é mecenas pelo PagSeguro, fale comigo e vamos transferir seu mecenato.)
Ou continue lendo, para conferir o roteiro da aula.
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Como ler literatura, roteiro da aula
I O cânone
A importância de ler o cânone e, mais importante, de ler o cânone a contrapelo: ler quem foi incluído, ler quem foi excluído.
Cânone vs clássico: o que significa usar uma ou outra palavra. Clássico é critério de valor; cânone é um processo histórico. Falar em “clássico” é acreditar que existe um ranking de valor artístico e buscar por essa hierarquia de mérito na cultura caótica. Falar em “cânone” é querer entender o processo histórico através do qual alguns livros se tornam “clássicos”. Ou seja, estudar o mesmo livro como clássico e como cânone significa abordá-lo de maneira completamente diferente.
Todo livro está no cânone por um motivo, mas não necessariamente qualidade: ninguém tem obrigação de gostar nem do cânone nem dos livros canônicos, mas é sempre instrutivo se perguntar: por que estão no cânone? Pensar o processo de canonização nos ensina mais sobre a sociedade que os canoniza (suas prioridades, seus interesses, seus preconceitos) do que sobre as obras em si.
II. Língua, edição, versão
A importância de ler no original: mesmo se ler mal, pois só temos como chegar no ponto de ler bem uma língua estrangeira depois de anos e anos lendo mal.
A importância de uma boa tradução: diferentes teorias de tradução, como escolher uma tradução pra você.
A importância de uma boa edição: prefácio, introdução, posfácio, notas, aparato crítico, explicações.
III. Como ler não-ficção
Ler no mínimo dois livros sobre qualquer assunto que queria se informar: o primeiro para se informar (e se autoiludir que sabe) e o segundo para se dar conta de o quão pouco realmente sabe.
IV. Como ler ficção
Na não-ficção, lemos para saber qual é a mensagem da autora: vidro transparente, para ver o outro lado. Ficção não tem mensagem: o meio é a mensagem: o vidro é um mosaico, o próprio vidro é uma arte.
Todo grande livro nos ensina a lê-lo, ele é uma linguagem por si só e só pode ser julgado em função de si mesmo.
Abrir se para a experiência da ficção: qual é a experiência que essa artista criou para nós? Se entregar à obra. Não julgar a autora, nem as personagens.
Só dá pra saber o que achamos de um livro de ficção depois que acabamos de ler.
Não ler tentando decodificar uma única mensagem que a autora teve intenção de passar. Ou: não presumir que existe essa mensagem. Não colocar palavras na boca da autora. Aceitar ambiguidades. Presumir que possa existir mais de uma mensagem, inclusive contraditórias.
Começar pela obra prima, pela obra mais representativa daquela autora.
V. Poesia
Ler poesia em voz alta: poesia é som. Importância e o valor dos audiolivros para apreciarmos a sonoridade da língua.
Na ficção, o meio é a mensagem: toda autora que escreve em verso poderia ter escolhido escrever em prosa. Então, devemos ler em verso o que foi escrito em verso, etc.
VI. Como ler livros antigos
Todo livro é escrito com algum tipo de leitora ideal em mente. Nos livros escritos em nossa cultura e em nossa época, em nosso país e em nossa língua, quase sempre somos nós. Só ler esses livros pode nos tornar leitoras complacentes e preguiçosas. A melhor coisa de ler livros antigos é exercitar nossa alteridade: esses livros não foram escritos para nós, eles não vêm até nos, mas exigem que façamos o movimento de ir até eles
A importância de uma boa tradução, de uma boa edição, de boas notas, de um bom professor, é diminuir essa distância entre o texto antigo e suas expectativas de leitora ideal, e nós, leitoras de hoje com expectativas de hoje.
O papel do professor de literatura é garantir que alunas saibam aquelas coisas que a pessoa autora nem se deu ao trabalho de explicar porque presumia que seu público soubesse: Machado de Assis, Paulo e Virgínia.
A autora sempre escreve presumindo que o público sabe X coisas, pois não é possível falar tudo: mas o tempo passa, o público muda, e às vezes, quase sempre, muito se perde. O texto nasce do contexto histórico e vocabular da autora, que não conhece nem tem como conhecer o contexto histórico e vocabular de quem está lendo, décadas, séculos, milênios no futuro.
VII. O livro e você
Nem todo livro é pra todo mundo, e nosso gosto pessoal não é critério de qualidade literária: não é porque eu pessoalmente não gostei de um livro que ele é ruim, e vice-versa
Mantra: "Meu gosto pessoal sobre uma obra de arte é sempre 100% válido e nunca tem nenhuma relação com o valor ou falta de valor artístico dessa obra." O fato de eu não ter gostado não quer dizer q o livro é ruim ou fraco justamente porque dizer isso equivaleria colocar o meu gosto pessoal idiossincrático como juiz da boa literatura mundial.
A leitura é um espaço virtual, fora da obra, fora de mim, onde se encontram o texto da obra e o meu olhar. Como o meu olhar sempre muda, a leitura sempre é diferente, mesmo que a obra permaneça igual. A obra se completa no leitor: o significado será diferente para cada pessoa.
Podemos nos dar ao direito de não gostar, mesmo que a maioria goste. E vice-versa.
Se permitir começar, largar, parar, desgostar, retomar livros à vontade: não tem regras, ninguém está olhando, fazemos o que quisermos. Leitura é diversão.
VIII. O cânone ocidental mínimo
Sugestão de cânone ocidental mínimo para uma pessoa brasileira, somente ficção. O critério é serem obras importantes, influentes, representativas, muito referenciadas e citadas.
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Ficou interessada? Vem comigo!
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Apoia-se, novo espaço de mecenato
Lá em 2009, muito antes de existirem sites de financiamento coletivo (o Patreon é de 2013!), eu fiz um financiamento coletivo no braço para meu romance Mulher de Um Homem Só, inspirado nas práticas editoriais do século XIX e usando o PagSeguro – que, na época, era o único jeito de receber pagamentos. Fez tanto sucesso que comecei a pedir contribuições para as Mecenas e, assim, ganhei a vida nos últimos dez anos. Vi surgirem uma a uma todas as plataformas brasileiras, considerei migrar para todas elas, mas sempre pensei: já tenho todas as minhas Mecenas fazendo pagamentos recorrentes pelo PagSeguro, não vale a pena mudar.
Mas quem mudou foi o Brasil mudou: com o aumento da crise, as 800 mecenas foram sumindo aos poucos, até que o Pix deu o golpe de misericórdia no PagSeguro. Não tinha mais porque alguém fazer um pagamento pelo PagSeguro quando o Pix era mais fácil e mais rápido. E o Pix não tem pagamento recorrente: as pessoas fazem uma vez e esquecem. Assim, a crise me pegou também: em setembro de 2022, pela primeira vez desde dezembro de 2012, raspei o tacho das minhas economias e minha conta bancária foi a zero. (Antes disso, a última vez que eu tinha ido a zero tinha sido 2002: claramente, anos terminados em 2 são meus resets financeiros.)
E, enfim, aqui estou eu buscando por novas maneiras de ganhar a vida com a minha arte, da maneira menos capitalista e canalha possível.
A ideia do novo espaço de mecenato no Apoia-se é:
Criar uma comunidade mais próxima, de encontros, de conversas, de vídeos;
Publicar textos mais pessoais, rascunhados, incipientes;
Testar primeiras versões de contos e romances;
Promover bate-papos mais livres no Whatsapp e no Zoom;
Compartilhar minhas leituras e meus interesses nas formas de aulas mensais;
Proporcionar um ambiente único onde estejam todos os meus cursos.
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Os planos de mecenato
O plano básico, Mecenas TEXTOS (R$19), oferece textos exclusivos, mais pessoais, às vezes rascunhados, e também uma participação maior no meu processo de escritura, com acesso às primeiras versões dos meus textos ficcionais. Além disso, para quem gosta, rola um grupão de Whatsapp para conversarmos livremente todo dia, sobre qualquer coisa. Seu nome vai pra lista de mecenas (se quiser, claro) e você ganha descontos em tudo que eu fizer, cursos, eventos, etc.
O plano Mecenas NÃO-MONOGAMIA (R$39) é bem específico para as pessoas que vinham me pedindo por uma interlocução maior nesse assunto. Ele oferece, além de todas as vantagens do plano anterior, também um grupo de Whatsapp separado somente sobre não-monogamia, para que as pessoas interessadas possam fazer amizades e tirar dúvidas. Uma vez por mês (1º sábado, 15h), teremos um encontrão no Zoom para conversar mais e trocar experiências.
Recomendo o plano intermediário, Mecenas ENCONTROS (R$47), que tenta criar ainda mais espaços de intimidade e interação. Além das vantagens dos planos anteriores, ele inclui um encontro mensal (2ª quarta-feira do mês, 19h), uma conversa de boteco sem assunto definido, só para bater-papo, e também uma aula mensal (última quarta-feira do mês, 19h), sobre literatura ou história, cujo tema será avisado com antecedência, ambos pelo Zoom. É uma maneira de eu compartilhar os meus interesses e minhas leituras de cada mês. (A primeiríssima aula será “Como (des)ler literatura”, no dia 28 de setembro de 2022.)
Por fim, o plano mais abrangente, Mecenas CURSOS (R$88), dá acesso completo a todos os meus cursos online, passados e futuros, enquanto durar o seu apoio: Introdução à Grande Conversa: Um passeio pela história do Ocidente através da literatura (2020), Grande Conversa Brasileira: a ideia de Brasil na literatura (2021) e História do Mundo Enquanto Fofoca (2022), já completos, e os dois cursos ainda em andamento: Grande Conversa Espanhola: do El Cid ao Dom Quixote, a invenção da literatura moderna e Grande Conversa Fundadora: as obras que inventaram as línguas literárias modernas.
Para as pessoas que gostariam de ajudar um pouco mais, o plano Mecenas MIDAS (R$199) oferece literalmente tudo, por um preço um pouco mais generoso, com os meus eternos agradecimentos.
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Dá uma olhada na página de mecenato e me diz o que acha? Eu mudei tudo!
Um grande, grande beijo e muito obrigado,
Alex