Kafka no restaurante
Alguém deve ter distorcido seu pedido, pois assim que Joseph K chegou no restaurante o garçom já lhe trouxe um bife.
Alguém deve ter distorcido seu pedido, pois assim que Joseph K chegou no restaurante o garçom já lhe trouxe um bife. Joseph K mandou voltar o bife e o garçom disse que não tinha autoridade pra devolver o bife, que Joseph K deveria falar com o Gerente-Geral. Joseph K pede que ele pelo menos afaste o bife, pois é vegetariano e tem nojo. O garçom diz que não pode fazer nada, que é apenas uma engrenagem na grande máquina do restaurante, que não sabe como as coisas funcionam, que tem acesso apenas ao 3º cozinheiro, que teria que passar o bife ao 2º cozinheiro, que teria que passar o bife ao 1º cozinheiro, que teria que passar o bife ao cozinheiro-chefe, que nenhum deles nunca tinha visto, não sabiam nem se existia um cozinheiro-chefe. Joseph K pede que o garçom então chame o Gerente-Geral. O garçom avisa que é inútil, que o Gerente-Geral nunca vem ao restaurante, nunca gerencia nada e nunca, nunca fala com os clientes, mas que iria tentar assim mesmo.
Enquanto espera, Joseph K começa a trocar olhares com sua vizinha de mesa, uma certa Fräulein Bürstner, que ele conhecia de vista. Ela se aproxima dele, senta ao seu lado, passa o pé por sua perna e tenta avisá-lo para não devolver o bife, melhor comê-lo e pronto, mas ele se recusa a ceder, e ela se afasta, desiludida, dizendo que então não poderá protegê-lo.
Aparece um novo garçom, dizendo que desde o começo dos tempos, nunca ninguém conseguiu devolver um bife, e aponta um senhor sentado no fundo do restaurante, que estava esperando seu bife há anos e anos, mas que ele, garçom, conhecia o cozinheiro-chefe e poderia interceder em nome de Joseph K.
Os anos se passam. Joseph K está magro pela falta de comida. Não ganha nem sobremesa até acabar seu bife. Um dia, um cozinheiro de outro restaurante senta em sua mesa e lhe conta uma história. Um freguês chega diante da porta da cozinha, protegida por um guarda enorme, e lhe diz que gostaria de entrar. O guarda não deixa e o homem senta pra esperar. Ambos esperam a vida toda. O freguês tenta subornar o guarda, que aceita os presentes mas não o deixa entrar. Muitos anos depois, quando o homem já está morrendo de fome e de velhice, o guarda lhe diz que aquela cozinha tinha sido construída somente para ele e, agora que iria morrer, ela seria fechada pra sempre. Joseph K não entende nada.
Finalmente, dois garçons fortes como dois armários saem da cozinha dispostos a resolver tudo, levantam Joseph K pela gola e arremessam ele e seu bife no chão. Uma bota militar aperta a cabeça de Joseph K contra o bife e o garçom manda: come tudo, agora, assim!
Joseph K obedece. Como um cão.
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Todo mês, na última quarta-feira, dou uma aula avulsa sobre História e/ou Literatura. A aula de novembro, dia 30, às 19h, se chamará Kafka, um autor traído.
Para quem quiser se preparar, a obra de Kafka é pequena e dá pra ler numa única tarde —certamente a tarde mais desesperadora da sua vida.
Aqui vai o mínimo que eu recomendo para uma pessoa poder dizer que "leu" Kafka: A metamorfose, Um médico rural, O veredito/ Na colônia penal e Um artista da fome. Para quem tem pouco tempo e/ou pouco dinheiro, o volume Kafka Essencial da Penguin/Companhia traz de fato o essencial do essencial.
Reparem que (tirando a última antologia) só recomendei textos que Kafka publicou e autorizou em vida. Aliás, um dos temas da aula será justamente esse:
É ético lermos as cartas íntimas de um homem intensamente privado e tímido?
É ético lermos obras de um artista que não queria que lêssemos essas obras?
Qual é o limite da autoridade autoral de um artista?
Qual é o limite da invasibilidade do público?
Temos "direito" a usufruir de uma obra de arte só porque ela existe, ou temos esse direito somente a partir do momento em que a artista libere essa obra ao público?
E se a artista não liberar?
A aula é só para as mecenas dos planos ENCONTROS, CURSOS & MIDAS. Para fazer parte, visite o meu Apoia-se.
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Um pedido às queridas leitoras e alunas hispanófilas
O curso Grande Conversa Espanhola está maravilhoso, mas me obriga a comprar muitos livros espanhóis.
Para quem quiser e puder, para quem acha que esse curso está barato para tudo que oferece (e está mesmo!), depositar alguns euros no meu cartão-presente da Amazon Espanha AJUDA MUITO. E agradeço. ;)
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E muito, muito obrigado.
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Aula de dezembro: Aniquilar, de Houellebecq
Para quem já quiser ir se preparando, a aula de dezembro será sobre o novo romance de Michel Houellebecq, Aniquilar, que eu considero o escritor vivo mais importante (e mais incômodo) do mundo hoje.
Aniquilar será publicado no Brasil no dia 19 de novembro, mas já está em pré-venda. É sensacional, um de seus grandes livros e vale muito a pena.
Ao comprar na Amazon por algum dos meus links, eu ganho uma comissãozinha e você apoia o meu trabalho.
Um textinho meu sobre Houellebecq e sua obra.
Um beijo do Alex