Guimarães Rosa e Borges, inimitáveis
Às vezes, um grande autor inimitável pode ser uma maldição.
Não é porque um estilo é inimitável que várias pessoas não vão afundar suas carreiras tentando imitá-lo.
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O Brasil acrescentou alguns poucos grandes textos à literatura mundial: além dos contos de Machado, também A hora da estrela e, especialmente, Água viva, de Clarice Lispector, e, na não-ficção, Pedagogia do oprimido, de Paulo Freire, Casa grande & senzala, de Gilberto Freyre, Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, Os sertões, de Euclides da Cunha, Cemitério dos vivos, de Lima Barreto. Todos esses são, em alguma medida, indispensáveis para mim. Cada um, a sua maneira, com seus limites e suas grandezas, é uma obra-prima.
Mas se eu, hoje, tivesse que escolher um, seria Grande Sertão: Veredas.
(Meu texto explicando porque é o nosso maior romance.)
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Guimarães Rosa dedicou dez anos à escrita de Grande Sertão: Veredas. Quase no final, sofreu um pequeno infarto mas se recuperou e ainda viveu uma década. Nunca mais, entretanto, empreendeu outra obra de vulto. Tinha medo de não conseguir terminá-la. Passou seus últimos dez anos escrevendo os textos curtos, às vezes curtíssimos, de Primeiras estórias, Tutaméia, Estas estórias e Ave, palavra.
Esses livros têm a sua importância, naturalmente. Rosa era um grande autor. Mas não consigo deixar de considerá-los um desperdício: eles têm a mesma linguagem única e apaixonante de Grande Sertão: Veredas e nada de sua grandeza épica. Em Grande Sertão: Veredas, Rosa se dispôs a caçar um mamute. Depois, se satisfez caçando codornas com estilingue. Codornas deliciosas, mas codornas.
Quando foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, adiou seu discurso de aceitação por anos, porque tinha um medo irracional de que morreria logo depois. Finalmente, não dava mais pra adiar: fez o discurso. Morreu três dias depois.
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Ontem, publiquei esse texto comparando traduções de Guimarães Rosa e Clarice Lispector.
Naturalmente, os contos de Machado são machadianos, os de Tchecov, tchecovianos, os de Kafka, kafkianos. Todo grande autor cria um gênero em si mesmo. Mas, na prática, muitos outros autores escreviam como Machado, como Tchecov, até mesmo como Kafka. O estilo também poderia ter sido nomeado a partir de qualquer um deles: somente aconteceu de Machado, Tchecov, Kafka terem sido melhores, mais famosos, mais representativos.
Mas, se Borges é borgiano e Guimarães Rosa, rosiano, ninguém nunca mais foi. Pelo menos, não com sucesso. Impossível imaginar qualquer outra pessoa escrevendo com o mesmo mix de ingredientes que caracteriza a prosa borgiana e a prosa rosiana.
(Publiquei uma resenha na Folha de São Paulo defendendo que o melhor continuador de Guimarães Rosa, hoje, é Mia Couto.)
Durante muitos anos, a principal batalha de uma jovem pessoa escritora argentina e brasileira era contra suas próprias pulsões borgianas e rosianas. Tentar copiar esses mestres era tão irresistível quanto fatal: sem superá-los, seria impossível encontrar a própria voz.
(O escritor polonês Witold Gombrowicz, que morou na Argentina por vinte e cinco anos, ao deixar o país definitivamente, já no navio, gritou para os colegas portenhos em terra: "Matem Borges!")
Hoje em dia, no Brasil, ninguém mais imita Guimarães Rosa, mas até a década de oitenta, muitas pessoas ainda cometiam péssimos livros nessa vã tentativa.
Mais bem-sucedidas foram as pessoas que se fizeram escritoras imitando o estilo de Rubem Fonseca – um estilo que, no próprio criador, depois de três ou quatro livros, já tinha virado um pastiche de si mesmo. (Gosto de tudo que escreveu até Feliz Ano Novo, de quase nada depois.)
Felizmente, ambos os pastiches, o rosiano e o fonsequiano, saíram de moda faz tempo.
Se ainda existe algum risco atual na literatura brasileira é imitar Clarice Lispector. Água viva é um dos romances mais brilhantes jamais escritos em qualquer língua, mas só dá para ser escrito uma única vez.
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Gostou?
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Grande Sertão: Veredas
Nossa leitura desse mês do curso A Grande Conversa Brasileira é a obra-prima de Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas.
Até o dia da aula, vamos conversando sobre Grande Sertão: Veredas em nosso grupo do zap e os papos têm sido bem interessantes. Se você quiser se juntar a nós, ainda dá tempo e seria meu enorme prazer. Baixei os preços e tudo. ;)
O curso de 2020, Introdução à Grande Conversa, está $79 e você assiste às aulas gravadas; o de 2021, em andamento, Grande Conversa Brasileira, está $299: você assiste às aulas passadas gravadas, participa das próximas ao vivo pelo zoom e conversa com a gente sobre literatura todo dia no whatsapp.
A próxima aula, Bandeirantes & Jagunças, acontece dia 7 de outubro e será sobre Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa. Vem com a gente?
Beijos rosianos,
do Alex Castro