Devemos doar dinheiro ou objetos? (Reflexões da Prisão Empatia)
Nossa empatia pode ser tanta que nem sempre ajudamos da maneira mais útil.
Em uma matemática simples, é melhor e mais eficiente, para todas as pessoas, injetar dinheiro em qualquer comunidade atingida por um desastre, do que enviar objetos, que necessitam uma logística complexa e, quase sempre, mais cara que os objetos sendo enviados em si.
Qualquer comunidade só existe se houver comércio local funcionando. Sem isso, as pessoas não voltam. Mas se as pessoas não têm poder de compra, o comércio não reabre. Por isso é que a doação de objetos até ajuda no primeiro momento emergencial mas pode ser contraproducente no médio e longo prazo.
(O tema do Curso das Prisões para o mês de maio é a Prisão Empatia. Nossa aula, que já foi várias vezes adiada, acontece HOJE, quarta 22 de maio, às 19h. Ao entrar no curso, você tem acesso total às aulas anteriores. Compre o curso completo.)
No começo de maio de 2024, o sul do Brasil foi atingido por enchentes devastadoras. Alguns dias depois, no dia 14, diante de uma enorme quantidade de doações vindas do Brasil inteiro, o governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite, político de centro-direita do PSDB, fez a seguinte declaração à Band News:
“Quando você tem um volume tão grande de doações físicas chegando ao Estado, há um receio, pelo que já observamos em outras situações, sobre o impacto que isso terá no comércio local. Quando você tem uma cidade que foi impactada, um comércio local que foi impactado também, o reerguimento desse comércio fica impactado na medida que você tem uma série de itens que estão vindo de outros lugares do país."
A declaração foi tão mal recebida que, já no dia seguinte, o governador foi forçado a se retratar:
"Antes de mais nada, meu agradecimento a todos pela gigantesca mobilização e solidariedade a favor do povo gaúcho. Em nenhum momento eu tive a menor intenção de inibir ou desprezar as inúmeras doações que o Brasil e o mundo estão fazendo para ajudar nosso Rio Grande do Sul numa grande reconstrução. Entre tantas preocupações que a tragédia nos traz, traz também a situação dos nossos pequenos comerciantes. As últimas semanas têm sido brutais para todos nós, e ninguém está livre de errar. Portanto, meu mais sincero pedido de desculpas pela confusão que possa ter causado no entendimento de algumas pessoas."
O governador é do PSDB, o que significa que ele é de direita para a esquerda e de esquerda para a direita. Além disso, é gay, o que atrai mais preconceito. Mais importante, seu desempenho durante a tragédia foi péssimo. Pior ainda, articulou sua fala da pior maneira possível, parecendo mais preocupado com o comércio do que com as pessoas. Certamente todos esses fatores influenciaram na avalanche de críticas que recebeu.
O triste da história toda é que, pelo menos nesse ponto, o governador estava certo. Na verdade, o que ele disse é um truísmo que todo mundo que trabalha com auxílio humanitário sabe.
Quando uma região é afetada por uma tragédia, para que ela se reerga e volte ao normal é preciso reestabelecer o ciclo econômico. Se as pessoas de outras regiões doam objetos (roupas, calçados, enlatados, etc), isso cria dois problemas:
1) Quase sempre, a logística e a mão-de-obra necessárias para receber, separar, organizar, transportar, entregar esses objetos custa muito mais dinheiro do que o valor desses objetos em si, ou seja, cria um desperdício não só de dinheiro, mas também das valiosas homens-hora dos voluntários, que poderiam estar empregando melhor seu tempo em outras tarefas.
2) Enviar os objetos de outras regiões faz com que objetos equivalentes não sejam comprados na região afetada, atrapalhando portanto sua retomada econômica. (Se perdi meus sapatos e ganho um voucher, vou comprar novos sapatos na loja mais próxima que estiver aberta; se recebo os sapatos em si, não vou comprar nada, etc.)
O governador foi infeliz em sua escolha de palavras, falando só no comércio e não nas pessoas, mas a verdade é que o comércio local, por óbvio, é feito de pessoas. Reativar e reaquecer a economia local paralisada pelo desastre é importante demais, porque, afinal, para que as pessoas continuem vivendo lá, os comércios precisam sobreviver. Injetar dinheiro na região afetada, dinheiro que as pessoas afetadas vão gastar nos comércios afetados, logo, reaquecendo a economia e trazendo de volta empregos, é fundamental para o bem-estar das pessoas como um todo, além de ser economicamente mais racional.
Algumas pessoas respondem que "não tem comércio local", "está tudo destruído", etc, mas o comércio local só vai ter como voltar se houver pessoas com dinheiro fazendo compras.
Outras pessoas dizem que não doam dinheiro porque ele é facilmente desviado. Bem, latas velhas de leite em pó também seriam facilmente desviadas, só não são desviadas porque, na prática, não têm valor de mercado.
A falta de organizações confiáveis para doar nosso dinheiro é uma outra questão. Recomendo pesquisarmos por organizações filantrópicas confiáveis antes da tragédia bater. Só faz sentido doar dinheiro pata organizações que são transparentes sobre como gerenciarão o dinheiro recebido. Uma consideração importante é, por exemplo, de cada 100 reais q eu der, quantos vão para as pessoas afetadas e quantos vão pra organização? Tem organizações filantrópicas famosas que gastam 75% em folha. Ou seja, de 100 reais arrecadados, 75 pagam os salários de seus funcionários e só 25 vão para as pessoas necessitadas, etc. (Os nomes e números e detalhes estão nesse livro aqui, que recomendo às interessadas, em inglês ou português.)
A questão é outra, mas a matemática é a mesma. Em relação às organizações que confiamos, é melhor doar dinheiro do que objetos. O fato de não podermos confiar em qualquer organização não tem a ver com os custos benefícios de doar dinheiro vs objetos.
Em uma matemática simples, é melhor e mais eficiente, para todas as pessoas, injetar dinheiro em qualquer comunidade atingida por um desastre, do que enviar objetos, que necessitam uma logística complexa e, quase sempre, mais cara que os objetos sendo enviados em si.
Qualquer comunidade só existe se houver comércio local funcionando. Sem isso, as pessoas não voltam. Mas se as pessoas não têm poder de compra, o comércio não reabre. Por isso é que a doação de objetos até ajuda no primeiro momento emergencial mas pode ser contraproducente no médio e longo prazo.
Vários e vários estudos comprovam essa afirmação. Para as pessoas interessadas em discussões sobre o custo-benefício de ações filantrópicas, recomendo ler O maior bem que podemos fazer: como o altruísmo eficaz está a mudar as ideias sobre viver eticamente (em inglês ou em português), de Peter Singer.
Pois esse é justamente o tema da Prisão Empatia: como ajudar de maneira mais eficiente?
Nossa empatia com as pobres pessoas afetadas gera aquela ansiedade de querermos correr para ajudar. E isso é ótimo. Mas nunca paramos pra pensar sobre quais são as formas mais eficientes de fazer isso. E quando alguém antipático como o Leite fala o óbvio ululante, ainda jogamos pedra:
"Proteger o comércio??!! E as pessoas??!! Quando vamos proteger as pessoas??!!"
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Essa foi uma prévia da Prisão Empatia. Ao longo dos próximos dias, vou postando mais textos. (Amanhã tem outro.) Mas hoje, quarta, 22 de maio, já é a aula. Você vem?
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Série “As Prisões”
Aqui estão os textos já reescritos, revisados e finalizados em 2023:
Felicidade (em breve)
Empatia (em breve)
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O Curso das Prisões
Um curso para nos libertar até mesmo da busca pela liberdade. O que está em jogo é nossa vida.
Curso em resumo
Curso de filosofia prática, com ênfase em liberdade pessoal e consciência política: como viver uma vida mais livre e significativa sem virar o rosto ao sofrimento do mundo. // As Prisões: Verdade, Religião, Classe, Patriotismo, Respeito, Trabalho, Autossuficiência, Monogamia, Liberdade, Felicidade, Empatia // Sem leituras, com muita conversa, debate, polêmica. // Encontros e aulas ao vivo via Zoom; aulas gravadas via Facebook; grupo de discussão no Whatsapp. // R$88 mensais, no Apoia-se, por todos os meus cursos. Compre agora.
O que são As Prisões
As Prisões são as bolas de ferro mentais e emocionais que arrastamos pela vida: as ideias pré-concebidas, as tradições mal explicadas, os costumes sem sentido: Verdade, Religião, Classe, Patriotismo, Respeito, Trabalho, Autossuficiência, Monogamia, Liberdade, Felicidade, Empatia.
O que chamo de As Prisões são sempre prisões cognitivas: armadilhas mentais que construímos para nós mesmas, mentiras gigantescas que nunca questionamos, escolhas hegemônicas que ofuscam possíveis alternativas.
A Monogamia, por exemplo, é uma prisão não porque seja ruim ou desaconselhável em si, mas porque se apresenta como sendo a única opção concebível de organizar nossos relacionamentos, consignando todas as outras alternativas à imoralidade, à falta de sentimentos, ao fracasso: “relacionamento aberto não funciona, é coisa de quem não ama de verdade”.
A Felicidade é uma prisão não porque seja ruim ou desaconselhável em si, mas porque se apresenta como sendo a única opção de fim último para nossas vidas, consignando todas as outras alternativas à condição de suas coadjuvantes e dependentes: “não é que o seu fim último seja ser virtuosa, mas você quer ser virtuosa para ser feliz, logo o seu fim último é ser feliz”.
Quem está “presa” na Prisão Monogamia não é a pessoa que fez a escolha livre e consciente de viver relacionamentos monogâmicos, mas sim aquela que, por ignorar a opção de não fazer isso, por nunca ter percebido a verdadeira gama de diferentes alternativas que lhe estavam abertas, vive relacionamentos monogâmicos por default, como se essa fosse a única possibilidade concebível. Sua prisão (cognitiva) não é viver a Monogamia, mas ignorar a realidade que existe além dela.
Quem está “presa” na Prisão Felicidade não é a pessoa que fez a escolha livre e consciente de colocar sua própria felicidade individual como fim último de sua vida, mas sim aquela que, por ignorar a opção de não fazer isso, por nunca ter percebido a verdadeira gama de diferentes alternativas que lhe estavam abertas, busca sua própria felicidade por default, como se essa fosse a única possibilidade concebível. Sua prisão (cognitiva) não é buscar a Felicidade, mas ignorar a realidade que existe além dela.
Cada uma das Prisões, da Verdade à Empatia, do Trabalho à Felicidade, é sempre, antes de mais nada, uma prisão cognitiva, uma percepção incompleta da realidade. Por trás de todas as Prisões está sempre a mesma inimiga: a ignorância.
Aulas gravadas indefinidamente
A gravação em vídeo das aulas expositivas fica disponível em um grupo fechado do Facebook. (É preciso se inscrever no Facebook para ter acesso ao grupo) Mas, juridicamente falando, como não posso garantir “indefinidamente”, garanto que as aulas estarão acessíveis às compradoras do curso, se não no Facebook em outro lugar, no mínimo até 31 de dezembro de 2027. As conversas livres, por serem mais pessoais, não ficam gravadas: são só para quem vier ao vivo. As aulas gravadas só estarão disponíveis para as mecenas do plano CURSOS enquanto durar o apoio. Você pode cancelar seu plano de mecenato a qualquer momento, mas aí perde acesso aos cursos.
Sem leituras
O Curso As Prisões não é um curso de leituras: nenhuma leitura é obrigatória ou recomendada. É um curso de conversas livres e de trocas de experiências, de escutatória e de debates, de reflexão sobre nossas vidas e sobre como viver.
Para cada Prisão, eu listo uma pequena bibliografia, para que vocês saibam quais livros eu utilizei na preparação da aula e para que possam correr atrás das leituras que mais lhes interessem.
Mas não precisa ler nada para participar das aulas, das conversas, das trocas, das discussões.
Sejam as primeiras leitoras do Livro das Prisões
O Livro das Prisões foi contratado pela Rocco em 2017 e eu ainda não consegui escrever. Um de meus objetivos para esse curso é, com a inestimável ajuda da interlocução de vocês, finalmente terminar o livro. Então, junto com a aula, também pretendo disponibilizar o texto dessa Prisão em sua versão final, já pronta para publicar. Todas as alunas do curso serão citadas nos agradecimentos do livro, pois ele certamente nunca teria sido escrito sem a participação de vocês. Já de antemão, agradeço.
Professor
Alex Castro é formado em História pela UFRJ com mestrado em Letras por Tulane University (Nova Orleans, EUA), onde também ensinou Literatura e Cultura Brasileira. Atualmente, é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da UFRJ. Tem oito livros publicados, no Brasil e no exterior, entre eles A autobiografia do poeta-escravo (Hedra, 2015), Atenção. (Rocco, 2019) e Mentiras Reunidas (Oficina Raquel, 2023). Escreve para a Folha de São Paulo, Suplemento Pernambuco, Quatro Cinco Um, Rascunho.
Meus votos zen-budistas
Pratico zen budismo há dez anos. Todo dia, pela manhã, refaço meus votos: os quatro votos do Bodisatva e os três votos dos pacificadores zen.
Basicamente, eu me comprometo a ajudar as pessoas a 1) se libertarem, 2) enxergarem as ilusões que as limitam, 3) perceberem a realidade em sua plenitude e, assim, 4) agirem no mundo de acordo com essa percepção. E me proponho a fazer isso a partir de 1) uma posição de não-saber, me abrindo às novas situações sem certezas prévias, 2) estando presente de forma plena a cada interação humana, sem virar o rosto nem à dor nem à alegria, e 3) agindo amorosamente.
Esse curso é minha humilde tentativa de agir no mundo de acordo com meus votos. De ajudar as pessoas, minhas alunas e minhas leitoras, a enxergarem suas prisões, se libertarem delas, perceberem a realidade e agirem amorosamente no mundo, questionando suas certezas e nunca virando o rosto nem à dor nem à alegria das outras pessoas.
Dar esse curso, portanto, é minha prática religiosa. Se eu tiver algum sucesso em caminhar ao lado de vocês nesse percurso, minha vida terá sido uma vida bem vivida, e sou grato por tê-la vivido.
Os Quatro Votos do Bodisatva: As criações são inumeráveis, faço o voto de libertá-las; As ilusões são inexauríveis, faço o voto de transformá-las; A realidade é ilimitada, faço o voto de percebê-la; O caminho do despertar é insuperável, faço o voto de corporificá-lo.
Os três votos da Ordem dos Pacificadores Zen: Praticar o não saber, abrindo mão de certezas prévias; Estar presente na alegria e no sofrimento, não virando o rosto à dor alheia; Agir amorosamente, de acordo com essas duas posturas.
Compre
O Curso das Prisões é exclusivo para as mecenas dos planos CURSOS ou MIDAS do meu Apoia-se.
Para fazer o curso completo (11 aulas expositivas + 11 encontros livres + grupo no Facebook + grupo de Whatsapp):
R$88 mensais, via Apoia-se: comprando o plano Mecenas CURSOS (ou superior), você tem acesso a todos os meus cursos enquanto durar o seu apoio, além de ganhar muitas outras recompensas, como textos e aulas avulsas exclusivas. Como bônus, coloco seu nome na lista das mecenas. Você pode cancelar o seu plano a qualquer momento, mas aí perde acesso aos cursos. (O Apoia-se aceita todos os cartões de crédito e boleto).
Não são vendidas aulas individuais. Não existem outras formas de pagamento. Quem estiver no estrangeiro e não tiver cartão de crédito ou conta bancária brasileira, fale comigo: eu@alexcastro.com.br
Dúvidas
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Aulas em resumo
Links levam para a descrição de cada aula na ementa do curso.
Verdade (fevereiro)
Religião (março)
Classe (abril)
Patriotismo (maio)
Respeito (junho)
Trabalho (julho)
Autossuficiência (agosto)
Monogamia (setembro)
Liberdade (outubro)
Felicidade (novembro)
Empatia (maio)
As inscrições para o Curso das Prisões estão abertas: é só fazer o plano CURSOS no meu Apoia-se.
como sempre uma excelente reflexão para cada um de nós, Abraços - luz e amor