Prisão Empatia, introdução
Como transformar nossa emoção empática em ação altruísta? (Reflexões sobre empatia.)
Cultivar a empatia é como juntar os ingredientes para fazer um bolo: se queremos que o bolo exista, é imprescindível termos os ovos e o leite, o açúcar e a manteiga. Mas, uma vez comprados os ingredientes, ainda falta fazer o bolo. Comprar os ingredientes e nunca fazer o bolo é pior que nada: é desperdício.
A questão prática é como transcender o paroquialismo imediatista da empatia e convertê-la em ações políticas concretas que modifiquem a realidade. Ou seja, como transformar nossa emoção empática em ação altruísta.
(O tema do Curso das Prisões para o mês de novembro é a Prisão Empatia. Nossa aula, que já foi várias vezes adiada, acontece na quarta agora, 22 de maio, às 19h. Ao entrar no curso, você tem acesso total às aulas anteriores. Compre o curso completo.)
Introdução
Durante toda a longa, longa redação desse livro, entre 2002 e 2024, sempre esteve claro pra mim que a maior de todas as Prisões era, como não poderia deixar de ser, nós mesmas, ou seja, nosso próprio autocentramento, nosso próprio narcisismo. Como se para confirmar, em 2006, a Revista Time colocou um espelho na capa e disse que a Pessoa do Ano era... VOCÊ.
Mas, naturalmente, de acordo com minha própria definição de “Prisão”, o narcisismo e autocentramento não poderiam ser prisões. Afinal, ninguém é pró-narcisismo, ninguém defende mais autocentramento. Todas nós já somos, em alguma medida, "contra" o narcisismo. O que chamo de As Prisões são sempre prisões cognitivas: armadilhas mentais que construímos para nós mesmas, mentiras gigantescas que nunca questionamos, escolhas hegemônicas que ofuscam possíveis alternativas. Ou seja, toda Prisão é sempre uma coisa boa, ou, no mínimo, que parece boa. E fiquei pensando: qual seria a coisa aparentemente boa que jogaria as pessoas nos braços do narcisismo? Autocuidado? Mindfulness?
Em 2008, apenas dois anos depois da capa da Time, o presidente eleito Barack Obama respondeu assim à carta de uma menina:
“Caso você ainda não conheça a palavra, te sugiro que procure no dicionário o significado de ‘empatia’. Não temos empatia o suficiente no mundo de hoje, e cabe a sua geração mudar esse cenário.”*
O mais interessante da citação é registrar o momento histórico dessa virada semântica: a resposta de Obama, ao mesmo tempo em que sugere que “empatia” ainda não era uma palavra conhecida, também torna a palavra automaticamente conhecida e mainstream, por estar sendo promovida pelo homem mais poderoso do mundo.
Então, quase que ao mesmo tempo em que explodiam as preocupações com o narcisismo, também começa a surgir a solução: empatia. Nas estantes, surgiam cada vez mais livros contra o narcisismo e a favor de mais empatia, muitos dos quais eu li, sublinhei, adorei e vou citar nas próximas páginas, como O narcisista na porta ao lado: entendendo o monstro na sua família, no seu escritório, na sua cama, no seu mundo (2015) e Porque empatia importa: a ciência e a psicologia do discernimento (2010); A epidemia do narcisismo: vivendo na era da Geração Mimada (2009) e A era da Empatia: lições da natureza para uma sociedade mais gentil (2009).**
Eu mesmo embarquei no trem da empatia e cometi dezenas de artigos nessa mesma chave “narcisismo ruim, empatia bom”. Em 2009, por exemplo, comecei a escrever uma série de ensaios chamada “Exercícios de Empatia”. Hoje, “empatia” é o novo buzzword do momento: de repente, pipocam livros e artigos, webinars de lifestylecoaches e palestras no TEDx, sobre empatia.
Ao longo das décadas de redação desse livro, empatia passou da palavras obscura de 2008 (“olhe no dicionário” etc.) para a quase unanimidade de 2024, o uber-conceito autoevidentemente ótimo (como não?) e em relação ao qual não existiriam contranarrativas, como se não fosse possível se colocar em oposição a ele. Afinal, como ser contra empatia? Quem teria a cara-de-pau de se posicionar anti-empatia?
Estava na cara que era uma Prisão.
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Em 2011, meu amigo Noel Struchiner, professor de Direito e Filosofia na PUC-RJ, apresentou uma conferência chamada “Sem empatia para com a empatia: em defesa de um processo decisório autista”*** que colocou em palavras muitas das minhas reservas em relação à empatia.
Pouco depois, em 2013, o psicólogo Paul Bloom publicou um artigo na revista New Yorker que também me ajudou a desembarcar desse modismo.**** Finalmente, em 2016, ele expandiu essas ideias em uma livro que não deixava dúvidas quanto ao seu posicionamento: Contra a empatia: uma defesa da compaixão racional.*****
Graças a Bloom e Struchiner, os “exercícios de empatia” que comecei a escrever em 2009 foram completamente reescritos e publicados, dez anos depois, como “práticas de atenção” em meu livro Atenção. Sem eles, a última Prisão do Livro das Prisões não seria Empatia. Obrigado.
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Sim, cultivar a empatia é uma habilidade fundamental, que pode e deve ser exercitada, mas, por outro lado, ela não é a panaceia que pregam os manuais de autoajuda: a empatia tem limitações severas, entre elas ser imediatista, passiva, seletiva, condescendente, bairrista.
Quando a empatia se torna um fim em si mesma, quando simplesmente trocamos nossa antiga e egoísta "busca pela felicidade" por uma nova e bondosa "busca pela empatia", quando nos satisfazemos pela complacência de um sentimento sem ação, de uma empatia sem altruísmo, então, sim, a empatia pode se tornar uma prisão.
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Cultivar a empatia é como juntar os ingredientes para fazer um bolo: se queremos que o bolo exista, é imprescindível termos os ovos e o leite, o açúcar e a manteiga. Mas, uma vez comprados os ingredientes, ainda falta fazer o bolo. Comprar os ingredientes e nunca fazer o bolo é pior que nada: é desperdício.
A questão prática é como transcender o paroquialismo imediatista da empatia e convertê-la em ações políticas concretas que modifiquem a realidade. Ou seja, como transformar nossa emoção empática em ação altruísta.
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Altruísmo versus empatia
Existem muitas definições possíveis de empatia. Antes de entrar nos méritos de cada uma, quero enfatizar o que todas têm em comum. O que quer que empatia seja, ela é uma emoção, uma percepção, uma cognição. Ou seja, ela é interna.
Quando falamos que uma pessoa é "empática", ela não necessariamente faz alguma coisa. Vai ver só fica no alto da sua torre, olhando para a multidão lá de cima, e sofrendo atrozes dores de empatia pelos nossos sofrimentos aqui em baixo.
Quando falamos que uma pessoa é “altruísta”, estamos falando sobre as coisas que ela de fato faz. Um altruísta que não age altruisticamente seria um non-sequitur. Não tem como uma pessoa ser altruísta só em sua própria cabeça, ou só em teoria. Ou seja, dizer que alguém é altruísta é afirmar que essa pessoa age no mundo de forma altruísta.
Se referir a alguém como “empática” é um comentário sobre o que ela sente. Se referir a alguém como “altruísta” é um comentário sobre o que ela faz.
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Notas
[*A citação, presente em vários e vários dos primeiros livros e artigos defendendo, ou, mais tarde, atacando a empatia, abre o ensaio "The Baby in the Well", de Paul Bloom, publicado na revista New Yorker em 13 de maio de 2013, e que ainda será muito citado nas próximas páginas.]
[**The Narcissist Next Door: Understanding the Monster in Your Family, in Your Office, in Your Bed, in Your World, de Jeffrey Kluger; Why Empathy Matters: The Science and Psychology of Better Judgment, de J. D. Trout; Narcissism epidemic: living in the Era of Entitlement, de Jean Twenge e Keith Campbell; The Age of Empathy: Nature's Lessons for a Kinder Society, de Frans de Waal. Nenhum publicado no Brasil.]
[***“No empathy towards empathy: making the case for autistic decision-making”, apresentado na conferência The Nature of Law: Contemporary Perspectives, na McMaster University em 2011.]
[****O já citado “The baby in the well”.]
[*****Against Empathy: The Case for Rational Compassion. Curiosamente, Bloom tem vários títulos traduzidos no Brasil, mas nesse nenhuma editora quis encostar.]
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Essa foi uma prévia da Prisão Empatia, só a introdução mesmo. Ao longo dos próximos dias, vou postando mais textos. Na quarta, 22 de maio, é a aula. Você vem?
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Série “As Prisões”
Aqui estão os textos já reescritos, revisados e finalizados em 2023:
Felicidade (em breve)
Empatia (em breve)
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O Curso das Prisões
Um curso para nos libertar até mesmo da busca pela liberdade. O que está em jogo é nossa vida.
Curso em resumo
Curso de filosofia prática, com ênfase em liberdade pessoal e consciência política: como viver uma vida mais livre e significativa sem virar o rosto ao sofrimento do mundo. // As Prisões: Verdade, Religião, Classe, Patriotismo, Respeito, Trabalho, Autossuficiência, Monogamia, Liberdade, Felicidade, Empatia // Sem leituras, com muita conversa, debate, polêmica. // Encontros e aulas ao vivo via Zoom; aulas gravadas via Facebook; grupo de discussão no Whatsapp. // R$88 mensais, no Apoia-se, por todos os meus cursos. Compre agora.
O que são As Prisões
As Prisões são as bolas de ferro mentais e emocionais que arrastamos pela vida: as ideias pré-concebidas, as tradições mal explicadas, os costumes sem sentido: Verdade, Religião, Classe, Patriotismo, Respeito, Trabalho, Autossuficiência, Monogamia, Liberdade, Felicidade, Empatia.
O que chamo de As Prisões são sempre prisões cognitivas: armadilhas mentais que construímos para nós mesmas, mentiras gigantescas que nunca questionamos, escolhas hegemônicas que ofuscam possíveis alternativas.
A Monogamia, por exemplo, é uma prisão não porque seja ruim ou desaconselhável em si, mas porque se apresenta como sendo a única opção concebível de organizar nossos relacionamentos, consignando todas as outras alternativas à imoralidade, à falta de sentimentos, ao fracasso: “relacionamento aberto não funciona, é coisa de quem não ama de verdade”.
A Felicidade é uma prisão não porque seja ruim ou desaconselhável em si, mas porque se apresenta como sendo a única opção de fim último para nossas vidas, consignando todas as outras alternativas à condição de suas coadjuvantes e dependentes: “não é que o seu fim último seja ser virtuosa, mas você quer ser virtuosa para ser feliz, logo o seu fim último é ser feliz”.
Quem está “presa” na Prisão Monogamia não é a pessoa que fez a escolha livre e consciente de viver relacionamentos monogâmicos, mas sim aquela que, por ignorar a opção de não fazer isso, por nunca ter percebido a verdadeira gama de diferentes alternativas que lhe estavam abertas, vive relacionamentos monogâmicos por default, como se essa fosse a única possibilidade concebível. Sua prisão (cognitiva) não é viver a Monogamia, mas ignorar a realidade que existe além dela.
Quem está “presa” na Prisão Felicidade não é a pessoa que fez a escolha livre e consciente de colocar sua própria felicidade individual como fim último de sua vida, mas sim aquela que, por ignorar a opção de não fazer isso, por nunca ter percebido a verdadeira gama de diferentes alternativas que lhe estavam abertas, busca sua própria felicidade por default, como se essa fosse a única possibilidade concebível. Sua prisão (cognitiva) não é buscar a Felicidade, mas ignorar a realidade que existe além dela.
Cada uma das Prisões, da Verdade à Empatia, do Trabalho à Felicidade, é sempre, antes de mais nada, uma prisão cognitiva, uma percepção incompleta da realidade. Por trás de todas as Prisões está sempre a mesma inimiga: a ignorância.
Aulas gravadas indefinidamente
A gravação em vídeo das aulas expositivas fica disponível em um grupo fechado do Facebook. (É preciso se inscrever no Facebook para ter acesso ao grupo) Mas, juridicamente falando, como não posso garantir “indefinidamente”, garanto que as aulas estarão acessíveis às compradoras do curso, se não no Facebook em outro lugar, no mínimo até 31 de dezembro de 2027. As conversas livres, por serem mais pessoais, não ficam gravadas: são só para quem vier ao vivo. As aulas gravadas só estarão disponíveis para as mecenas do plano CURSOS enquanto durar o apoio. Você pode cancelar seu plano de mecenato a qualquer momento, mas aí perde acesso aos cursos.
Sem leituras
O Curso As Prisões não é um curso de leituras: nenhuma leitura é obrigatória ou recomendada. É um curso de conversas livres e de trocas de experiências, de escutatória e de debates, de reflexão sobre nossas vidas e sobre como viver.
Para cada Prisão, eu listo uma pequena bibliografia, para que vocês saibam quais livros eu utilizei na preparação da aula e para que possam correr atrás das leituras que mais lhes interessem.
Mas não precisa ler nada para participar das aulas, das conversas, das trocas, das discussões.
Sejam as primeiras leitoras do Livro das Prisões
O Livro das Prisões foi contratado pela Rocco em 2017 e eu ainda não consegui escrever. Um de meus objetivos para esse curso é, com a inestimável ajuda da interlocução de vocês, finalmente terminar o livro. Então, junto com a aula, também pretendo disponibilizar o texto dessa Prisão em sua versão final, já pronta para publicar. Todas as alunas do curso serão citadas nos agradecimentos do livro, pois ele certamente nunca teria sido escrito sem a participação de vocês. Já de antemão, agradeço.
Professor
Alex Castro é formado em História pela UFRJ com mestrado em Letras por Tulane University (Nova Orleans, EUA), onde também ensinou Literatura e Cultura Brasileira. Atualmente, é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da UFRJ. Tem oito livros publicados, no Brasil e no exterior, entre eles A autobiografia do poeta-escravo (Hedra, 2015), Atenção. (Rocco, 2019) e Mentiras Reunidas (Oficina Raquel, 2023). Escreve para a Folha de São Paulo, Suplemento Pernambuco, Quatro Cinco Um, Rascunho.
Meus votos zen-budistas
Pratico zen budismo há dez anos. Todo dia, pela manhã, refaço meus votos: os quatro votos do Bodisatva e os três votos dos pacificadores zen.
Basicamente, eu me comprometo a ajudar as pessoas a 1) se libertarem, 2) enxergarem as ilusões que as limitam, 3) perceberem a realidade em sua plenitude e, assim, 4) agirem no mundo de acordo com essa percepção. E me proponho a fazer isso a partir de 1) uma posição de não-saber, me abrindo às novas situações sem certezas prévias, 2) estando presente de forma plena a cada interação humana, sem virar o rosto nem à dor nem à alegria, e 3) agindo amorosamente.
Esse curso é minha humilde tentativa de agir no mundo de acordo com meus votos. De ajudar as pessoas, minhas alunas e minhas leitoras, a enxergarem suas prisões, se libertarem delas, perceberem a realidade e agirem amorosamente no mundo, questionando suas certezas e nunca virando o rosto nem à dor nem à alegria das outras pessoas.
Dar esse curso, portanto, é minha prática religiosa. Se eu tiver algum sucesso em caminhar ao lado de vocês nesse percurso, minha vida terá sido uma vida bem vivida, e sou grato por tê-la vivido.
Os Quatro Votos do Bodisatva: As criações são inumeráveis, faço o voto de libertá-las; As ilusões são inexauríveis, faço o voto de transformá-las; A realidade é ilimitada, faço o voto de percebê-la; O caminho do despertar é insuperável, faço o voto de corporificá-lo.
Os três votos da Ordem dos Pacificadores Zen: Praticar o não saber, abrindo mão de certezas prévias; Estar presente na alegria e no sofrimento, não virando o rosto à dor alheia; Agir amorosamente, de acordo com essas duas posturas.
Compre
O Curso das Prisões é exclusivo para as mecenas dos planos CURSOS ou MIDAS do meu Apoia-se.
Para fazer o curso completo (11 aulas expositivas + 11 encontros livres + grupo no Facebook + grupo de Whatsapp):
R$88 mensais, via Apoia-se: comprando o plano Mecenas CURSOS (ou superior), você tem acesso a todos os meus cursos enquanto durar o seu apoio, além de ganhar muitas outras recompensas, como textos e aulas avulsas exclusivas. Como bônus, coloco seu nome na lista das mecenas. Você pode cancelar o seu plano a qualquer momento, mas aí perde acesso aos cursos. (O Apoia-se aceita todos os cartões de crédito e boleto).
Não são vendidas aulas individuais. Não existem outras formas de pagamento. Quem estiver no estrangeiro e não tiver cartão de crédito ou conta bancária brasileira, fale comigo: eu@alexcastro.com.br
Dúvidas
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Aulas em resumo
Links levam para a descrição de cada aula na ementa do curso.
Verdade (fevereiro)
Religião (março)
Classe (abril)
Patriotismo (maio)
Respeito (junho)
Trabalho (julho)
Autossuficiência (agosto)
Monogamia (setembro)
Liberdade (outubro)
Felicidade (novembro)
Empatia (dezembro)
As inscrições para o Curso das Prisões estão abertas: é só fazer o plano CURSOS no meu Apoia-se.