Faz tempo que venho dando leves espetadas em Constelação Familiar, um embuste que se vende como “terapia” (bota aspas nisso) e que está ganhando cada vez mais espaço no Judiciário Brasileiro. Muita gente pede mais detalhes. Aqui vão eles.
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Vi um Constelador recomendar que uma moça, molestada pelo próprio pai quando criança, não cortasse contato nem o denunciasse à polícia, mas sim tentasse encontrá-lo (tudo o que ela menos queria!) pra resolver com ele o trauma.
Ou seja, a vítima ou seria de alguma maneira cúmplice do crime que sofreu (nem todo Constelador diz isso) ou, no mínimo, e todo Constelador diz isso, cúmplice da manutenção do trauma familiar, caso se recusasse a adotar a solução "consteladora".
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Esse Constelador específico calhou de ser a pior pessoa que já conheci na vida. (Uma competição duríssima que ele ganhou por um nariz, mas ganhou.) Ele também era ordenado no zen como eu, aliás. E pensei: não quero pegar ranço de uma coisa que pode ser legal só porque o primeiro praticante que conheci era um monstro. Então...
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Por muito tempo, ofereci a seguinte situação hipotética a todo Constelador que encontrava:
“Minha amiga foi abusada pelo pai na infância. Você recomenda que ela
1) se afaste, denuncie, corte contato;
2) tente resolver pessoalmente com ele.”
Os mais espertos pressentiam a armadilha e respondiam cheios de "poréns" e "todavias".
Mas a resposta era sempre uma variação da 2.
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Só isso, pra mim, já bastaria pra classificar a Constelação como nociva e perversa, em cuja base aliás está a noção, também nociva e perversa, que família é a base de tudo, célula-mater da sociedade, deve ser defendida a todo custo, etc etc, arre e argh.
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Aliás, minha posição sobre "família":
Se teus pais te amam, então, vão respeitar sua orientação sexual, sua escolha de parceiro, sua carreira. Se não respeitam, você está automaticamente desobrigado de respeitar quem não te respeita. Respeito é sempre uma via de mão dupla.
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Um link recente, de O Globo, sobre a terrível aplicação desses métodos perversos pelo nosso Judiciário:
E um texto mais elaborado, em um maravilhoso blog contra pseudociências em geral, La venganza de Hipatia:
Constelaciones familiares (lo que no se cuenta), de Angelo Fasce (ou traduzido ao português.)
Além disso, e juro que acho quase covardia citar, o criador do “método” era alemão e lutou no exército nazista na Segunda Guerra Mundial. (Acho covardia citar porque, sério, nem precisava e, também, ele tinha 17 e pode-se bem argumentar que não teve escolha.) Mas, enfim, que lutou, lutou, o que suja a biografia de qualquer pessoa.
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Um aviso importante
Esse não é um espaço democrático para o livre debate de ideias.
Não vou dar palco pra quem ganha vida fazendo o perverso e nocivo. Constelador que aparecer vendendo seu peixe e respondendo com "veja só, não é bem assim", etc, terá seu comentário apagado e será bloqueado.
Por favor, quem concorda, me ajude a compartilhar esse texto.
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Baixaram os preços dos cursos
Último aviso: baixei os preços dos meus dois cursos. O de 2020, Introdução à Grande Conversa, está $79 e você assiste às aulas gravadas; o de 2021, em andamento, Grande Conversa Brasileira, está $299: você assiste às aulas passadas gravadas, participa das próximas ao vivo pelo zoom e conversa com a gente sobre literatura todo dia no whatsapp.
A próxima aula, Bandeirantes & Jagunças, acontece dia 7 de outubro e será sobre Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa; Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima; e A Muralha, de Dinah Silveira de Queiroz. Vem com a gente?
Beijo do Alex
Alex, sou sua leitora há anos, trabalho alguns de seus textos em sala de aula e algumas de suas postagens estão citadas em minha Tese de Doutorado, só consultar o Banco de Teses USP. Admiro muito seu trabalho e aprendo muito com você, mas aqui preciso te falar: acho que você não leu Bert Hellinger, certo? Leia "Um lugar para os excluídos" e você vai entender. Vc pode encontrar um pdf facilmente na internet. Infelizmente os reacionários no Brasil tomaram conta da prática, não entendem nada de Fenomenologia e estão mesmo trazendo descrédito para as Constelações. Mas não vamos jogar o bebê com a água do banho. Não entre nessa onda de destruir uma reputação de alguém que você sequer leu a obra. E pior, está morto e não pode se defender. Fale mal à vontade de como estão usando as CFs no Brasil, mas com propriedade. Não se esqueça de que você está falando de um homem nascido em 1925, alguém que leu os filósofos no original, que certamente saiu do "seminário" falando Latim e Grego, fazia exegese bíblica, meditava diariamente, teólogo da tradição da Mística Alemã, cita os trapistas, o taoismo, São João da Cruz; foi missionário porque tinha vergonha de ser alemão e de ter sido obrigado aos 17 anos a servir na guerra, então foi embora da Alemanha para viver anos entre o Povo Zulu e justamente por repudiar as práticas colonialistas - bom lembrar que a teoria decolonial ainda estava em gestação - largou a batina e foi para a Califórnia estudar psicoterapias. Conheceu a Escola de Palo Alto e sua grande inspiração é Gregory Bateson. Quase nem temos traduções deste autor, não é? Então, Hellinger desenvolve as constelações a partir de experiências xamânicas com os Zulu, das terapêuticas da contracultura, do referencial teórico da fenomenologia alemã, do paradigma sistêmico e da sua humanidade e prática meditativa. Por favor, não o reduza àquilo que os brasileiros falam dele, muito poucas pessoas entendem seus referenciais. Ele sempre disse que campos mórficos não influenciaram em nada as constelações e que explicações posteriores não interferem no trabalho dele. Que é apenas uma hipótese. As pessoas que interpretam errado. Veja que o site dele em outras línguas não têm a cara "esotérica" que existe no site brasileiro. Estou à disposição para qq dúvida. Lembra-se das 3 peneiras de Sócrates? Use-as com sinceridade e acho que você vai me dar razão. Evidentemente precisamos urgente regulamentar a profissão, não estou certa se já há massa crítica para tanto, mesmo assim, não embarque no que as pessoas que não leram e já não entenderam estão dizendo. A própria matéria da globo ao final avisa que a mediação era dramatização e não constelação. Um constelador bem formado jamais faria o que está descrito na reportagem. Evidentemente alguns conservadores de plantão não querem que a terapêutica seja acessível. Um recurso desses no SUS, bicho, melhor a gente falar do conceito de alienação outro dia... Não quero me expor, mas tenho muitas histórias incríveis e maravilhosas de como as constelações transformaram minha vida e a de muitas pessoas que conheço. Mas ninguém vai querer defender as constelações fazendo exposição da própria intimidade, das próprias dores. Seria uma pena jogar fora um recurso valioso como esse que articula tradição oral e escrita com maestria. Adoro Odara, mas infelizmente não sou burguesa. Sou apenas uma professora que segue Paulo Freire e prefere usar a palavra para libertar, não para oprimir. Repare que quem fala em constelação como pseudociência ainda não superou o paradigma da ciência moderna. Leia este artigo para se situar epistemologicamente com relação à prática das constelações, se interessar ser justo com a memória de Hellinger, claro. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/penf/v20n2/v20n2a11.pdf
Alex, o método tem muitas questões mesmo, mas acho que realmente a ética e a forma que alguns profissionais aplicam é estarrecedor. Existe muito fanatismo no modo
De praticar. Ao meu ver a constelação é mais uma atitude filosófica que observa como as coisas aconteceram do que uma receita de como solucionar os conflitos. O povo pira. Leia alguns livros do Herllinger, mesmo assim é possível criticar, mas existe muito conforto pra quem busca essa prática.