Uma teoria laica da reencarnação
"Nada acaba. Nada se perde. Toda a matéria do meu corpo já esteve encarnada em seres vivos e estará de novo reencarnada em outros seres vivos."
Duas perguntas que sempre me fazem: “Tem reencarnação no zen?” e “Você, Alex, acredita em reencarnação?” E as respostas são: sim e sim, mas não do jeito que você imagina.
(Aliás, acabei de publicar um de meus melhores ensaios lá na área exclusiva para mecenas, sobre os 100 anos da mortre de Kafka e herdeiros literários de modo geral. Lê lá e me conta? Se você é mecenas, e não conseguir acessar, me fala.)
Tudo é contingente
O pensamento zen-budista parte da premissa de que tudo é contingente. Ou seja, nada existe por si só, nada tem uma natureza essencial, mas tudo é fruto de combinações fortuitas, de acidentes inesperados. Nesse contexto, a maior de todas as ignorâncias é acreditar que tenho aqui dentro de mim uma natureza essencial e fixa: esse Eu que tanto busco proteger (páli: atman). Meditamos justamente para desapegarmos desse Eu contingente, dessa identidade que inventamos e que nos gera tanto sofrimento.
A falácia eternalista
A reencarnação budista não tem nada a ver com o nosso conceito ocidental, onde uma essência não-contingente, que chamamos “alma”, pula de corpo em corpo, desencarnando e reencarnando, mas sendo sempre ela mesma, una e indivisível, uma essência eterna em múltiplos corpos mortais. Ou, como dizem por aí, “não somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual, somos seres espirituais vivendo uma experiência humana.” Para o budismo, essa ideia de que teríamos uma “essência não-contingente” seria a “falácia eternalista” (páli: sassatavada).
A falácia aniquilacionista
Por outro lado, o mesmo Buda que afirmava não existir esse “Eu essencial” já falava de reencarnação e vidas passadas. Para o Buda, a postura materialista de “morreu e acabou” seria um exemplo de uma falácia oposta, a “falácia aniquilacionista” (páli: uccheda-vāda).
Afinal, o quê reencarna?
Uma vez excluídas ambas as falácias contra as quais o próprio Buda explicitamente alertou, o que sobra? Se existem reencarnações e múltiplas vidas, mas não um “Eu essencial” ou alma, então, o que exatamente reencarna? O que exatamente é transmitido de uma vida para outra? Sábios budistas vêm debatendo esse dilema há milênios e escrevendo livros muito interessantes a respeito. Quanto a mim, ateu e religioso, só posso oferecer minha humilde contribuição pessoal de alguém que não é mestre nem professor de budismo.
As leis da termodinâmica
O budismo é uma religião empírica e mística, de prática concreta e experiência direta. Nos últimos séculos, a ciência ocidental tem confirmado muitas das intuições budistas milenares. Por exemplo, as tentativas de traçar um caminho do meio entre eternalismo e aniquilacionismo acabaram articulando, intuindo e antecipando algumas das nossas leis da termodinâmica, especialmente as leis de conservação de massa e energia. Assim como o Buda, essas leis também rejeitam tanto o eternalismo (não existe essência) quanto o aniquilacionismo (morreu, acabou). Pelo contrário, se a natureza da realidade é a mudança, se tudo está sempre em fluxo, então, o ciclo do nascer e do morrer é a expressão natural do dinamismo inerente à vida, moldando todos os seres e formando o universo como nós o conhecemos. Em outras palavras, não é necessário acreditarmos na ficção de uma pretensa essência imutável, a “alma”, para nos imaginarmos como parte inerente e integrante de um ciclo de vidas passadas e futuras.
O castelo de blocos de madeira
Digamos que eu construí um castelo com blocos de madeira. Esse castelo está ali concreto e palpável. Ele existe tanto quanto qualquer coisa jamais existiu. Ele é. Tenho acesso a ele com todos os meus sentidos. Posso registrá-lo, filmá-lo, fotografá-lo, desenhá-lo. E também tocá-lo, cheirá-lo, lambê-lo. Se eu chuto o castelo, porém, ele deixa de existir para sempre. Aquele castelo específico, do jeito exatamente que era, por mais que se tente reproduzi-lo, nunca mais existirá de novo nessa terra. Acabou. Não restou nenhuma “essência” do castelo. Mas, por outro lado, nada também deixou de existir, nada foi “aniquilado”. Cada uma das partes constitutivas do castelo continua existindo, e vai continuar existindo para sempre, e pode, e vai, ser utilizada para criar não só novos castelos, mas novas casas, novos animais, novas frutas. Tudo que está em nós já foi encarnado diversas vezes no passado e será reencarnado novamente no futuro.
Somos feitos de poeira das estrelas
Uma amiga uma vez me disse: “Ai, Alex, não sei como você pode ser ateu. Jura que você acha que é só isso? Que não tem nada depois? Morreu, acabou?” E respondi: “Tem tudo depois. Nada acaba. Toda a matéria do meu corpo já esteve encarnada em outros seres vivos, toda a matéria do meu corpo estará de novo reencarnada em outros seres vivos. Nem um pedacinho do meu corpo vai se perder ou deixar de existir. Se isso não é mágico e transcendental, eu não sei o que é.”
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Nota importante
Não sou literalmente ninguém na fila do pão no budismo. Não sou professor. Ninguém me deu permissão de ensinar. Falo somente por mim mesmo, como simples praticamente, compartilhando meu modesto entendimento do Zen. Só isso. Mais nada.
O que posso afirmar é que, por eu ser um ateu materialista, por muito tempo considerei que o budismo não era pra mim. E foi somente quando encontrei o budismo secular, como proposto por Steven Batchelor, que considerei que talvez houvesse um espaço para mim aqui dentro. Recomendo ler tudo do Batchelor, em especial Buddhism without beliefs, que saiu no Brasil como Budismo sem crenças.
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Abelardo e Heloísa
Pedro Abelardo (1079-1142) foi um dos maiores filósofos da Idade Média, chamado de “Descartes do século XII” e visto como um pioneiro do empirismo, mas ficou famoso mesmo por seu trágico caso de amor com a freira Heloísa de Argenteuil (1090-1164) — e por ter sido castrado pela família dela. Sua correspondência pública com Heloísa, onde relembra a “história de suas calamidades”, é considerada como um dos textos pioneiros do gênero autobiográfico, além de precursora não só dos romances epistolares, mas também das autobiografias sensacionalistas de celebridades. No vídeo abaixo, falo um pouco sobre eles.
A correspondência de Abelardo e Heloísa é uma das leituras da nossa aula dessa quarta feira, 5 de junho às 19h, na Grande Conversa Medieval.
Se você ama me ouvir falando de literatura, vem fazer o curso com a gente?
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Série “As Prisões”
Aqui estão os textos já reescritos, revisados e finalizados no último ano:
Felicidade (em breve)
Empatia (em breve)