Alex Castro

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Toda interação humana é de vida ou morte
alexcastro.substack.com

Toda interação humana é de vida ou morte

“Vou andar até a ponte. Se alguém sorrir, não pulo.” Pulou.

Alex Castro
Sep 10, 2021
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Toda interação humana é de vida ou morte
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Sabe a frase-feita

“toda pessoa está enfrentando

uma batalha que não sabemos”?

    

Ela tem uma consequência

que não nos damos conta:

    

toda interação humana

é de vida ou morte.

(Ilustração por uma das pessoas que mais amo e admiro na vida, meu irmão no darma Fábio Rodrigues. Te convido a conhecer o trabalho dele.)

* * *

Já ouvi:

“Sabe aquele dia?

Aquela conversa?

Me salvou a vida.

Eu tava indo morrer.”

      

E eu

eu que não fazia ideia

eu que não tinha noção

eu que estava só papeando

     

estremeço ao lembrar

de algumas pessoas

com quem nunca mais falei.

* * *

Bilhete em casa de suicida:

“Vou andar até a ponte.

Se alguém sorrir, não pulo.”

Pulou.

Penso muito nessa pessoa.

Queria salvá-la, acolhê-la,

ensinar um segredo, um truque:

as ruas são cheias de sorrisos,

a começar pelos meus próprios.

Sorrio para todas as pessoas,

quase todas sorriem de volta.

De sorrisos, escolho ser vetor,

não hospedeiro.

Não mereço sorrisos,

forneço sorrisos.

* * *

Meu texto sobre suicídio

* * *

Ontem,

republiquei meu texto

sobre suicídio.

      

Como sempre,

passei o dia conversando

com pessoas incríveis

que precisavam de alguém

que falasse com elas

de igual pra igual,

sem mentiras,

sem condescendência.

            

Então, exausto

depois desse longo dia,

deitei na rede com a esposa,

pra curtir,

pra descansar,

pra namorar.

               

E caímos.

* * *

Batemos ambos

a cabeça no chão:

a dela,

no meu ombro,

girou.

             

Ainda bem.

             

A rede caiu

porque o reboco cedeu.

                

Cedeu e voou.

                  

E caiu no meu ombro.

                  

Bem onde estava

(onde tinha estado)

a cabeça dela.

* * *

Demos sorte.

             

Batidas fracas,

tomografias feitas,

cabeças ok.

            

E o reboco

(que podia cegar,

quebrar dentes,

até matar)

caiu num ombro.

                 

Mas talvez

demos azar.

              

Ontem foi dia

de tanto carma bom

que seria morrer

e já ir direto

pro céu, nirvana

ou afins.

                   

Se morremos

no domingo

com certeza

contaremos

novas merdas.

* * *

Uma das lições da pandemia,

para quem ficou isolado,

foi nos lembrar da verdade:

temos medo da violência

mas se contabilizar

morre mais gente

de acidente em casa

do que de tiro na rua.

* * *

Passo a vida

                 

lendo

quase sempre na rede

ou nadando no mar

ou brincando com cachorros.

               

É o que mais faço

o que mais amo.

                     

Dado que vou morrer

que seja neles

com eles

por eles.

                    

Mar, cachorros, livros

já tentaram me matar.

(E tudo bem!)

                   

Estava na vez da rede.

* * *

“Como livros podem tentar te matar?”,

pergunta a pessoa inocente

que nunca caiu de escada

alcançando livros lá de cima.

* * *

Alguns links relacionados

Um texto fascinante tentando descobrir a fonte da frase: “toda pessoa está enfrentando uma batalha que não sabemos”.

Um conto de Machado de Assis que fala tanto de bilhetes de suicídio quanto de pessoas que caem da rede e um pedaço de telha também lhes cai no rosto.

O embaixador que morreu pegando a biografia de Getúlio da estante.

A citação que me inspirou o poema dos sorrisos e suicídios:

“One of the most often-told stories about Golden Gate Bridge suicides concerns a visit Motto made in the 1970s to the apartment of a recent bridge jumper. ‘The guy was in his 30s,’ Motto related, ‘lived alone. Pretty bare apartment. He’d written a note and left it on his bureau. It said, ‘I’m going to walk to the bridge. If one person smiles at me on the way, I won’t jump.'” Apparently, no one did.”

Do livro The Final Leap: Suicide on the Golden Gate Bridge (2012), John Bateson, pp.140-1.

* * *

* * *

O melhor texto sobre suicídio

Por fim, eu pratico zen-budismo há mais de dez anos e todo o meu modo de pensar, de agir, de responder aos desafios da vida é zen-budista, assim como é zen-budista o meu livro Atenção., apesar de não ter sido escrito para ser um livro zen-budista.

Então, não é por acaso que o melhor texto que já li sobre suicídio foi justamente escrito por um professor zen-budista da linhagem que pratico — a mesma da Monja Coen, Soto Zen:

  • Why I Didn’t Attempt Suicide (original em inglês)

  • O jeito certo de se matar (tradução ao português)

Recomendo nos mais enfáticos termos.

* * *

* * *

Um beijo em todas as pessoas lendo esse texto

e que a vida lhes seja leve, mas significativa,

Alex

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