Toda interação humana é de vida ou morte
“Vou andar até a ponte. Se alguém sorrir, não pulo.” Pulou.
Sabe a frase-feita
“toda pessoa está enfrentando
uma batalha que não sabemos”?
Ela tem uma consequência
que não nos damos conta:
toda interação humana
é de vida ou morte.
(Ilustração por uma das pessoas que mais amo e admiro na vida, meu irmão no darma Fábio Rodrigues. Te convido a conhecer o trabalho dele.)
* * *
Já ouvi:
“Sabe aquele dia?
Aquela conversa?
Me salvou a vida.
Eu tava indo morrer.”
E eu
eu que não fazia ideia
eu que não tinha noção
eu que estava só papeando
estremeço ao lembrar
de algumas pessoas
com quem nunca mais falei.
* * *
Bilhete em casa de suicida:
“Vou andar até a ponte.
Se alguém sorrir, não pulo.”
Pulou.
Penso muito nessa pessoa.
Queria salvá-la, acolhê-la,
ensinar um segredo, um truque:
as ruas são cheias de sorrisos,
a começar pelos meus próprios.
Sorrio para todas as pessoas,
quase todas sorriem de volta.
De sorrisos, escolho ser vetor,
não hospedeiro.
Não mereço sorrisos,
forneço sorrisos.
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Meu texto sobre suicídio
* * *
Ontem,
republiquei meu texto
Como sempre,
passei o dia conversando
com pessoas incríveis
que precisavam de alguém
que falasse com elas
de igual pra igual,
sem mentiras,
sem condescendência.
Então, exausto
depois desse longo dia,
deitei na rede com a esposa,
pra curtir,
pra descansar,
pra namorar.
E caímos.
* * *
Batemos ambos
a cabeça no chão:
a dela,
no meu ombro,
girou.
Ainda bem.
A rede caiu
porque o reboco cedeu.
Cedeu e voou.
E caiu no meu ombro.
Bem onde estava
(onde tinha estado)
a cabeça dela.
* * *
Demos sorte.
Batidas fracas,
tomografias feitas,
cabeças ok.
E o reboco
(que podia cegar,
quebrar dentes,
até matar)
caiu num ombro.
Mas talvez
demos azar.
Ontem foi dia
de tanto carma bom
que seria morrer
e já ir direto
pro céu, nirvana
ou afins.
Se morremos
no domingo
com certeza
contaremos
novas merdas.
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Uma das lições da pandemia,
para quem ficou isolado,
foi nos lembrar da verdade:
temos medo da violência
mas se contabilizar
morre mais gente
de acidente em casa
do que de tiro na rua.
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Passo a vida
lendo
quase sempre na rede
ou nadando no mar
ou brincando com cachorros.
É o que mais faço
o que mais amo.
Dado que vou morrer
que seja neles
com eles
por eles.
Mar, cachorros, livros
já tentaram me matar.
(E tudo bem!)
Estava na vez da rede.
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“Como livros podem tentar te matar?”,
pergunta a pessoa inocente
que nunca caiu de escada
alcançando livros lá de cima.
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Alguns links relacionados
Um texto fascinante tentando descobrir a fonte da frase: “toda pessoa está enfrentando uma batalha que não sabemos”.
Um conto de Machado de Assis que fala tanto de bilhetes de suicídio quanto de pessoas que caem da rede e um pedaço de telha também lhes cai no rosto.
O embaixador que morreu pegando a biografia de Getúlio da estante.
A citação que me inspirou o poema dos sorrisos e suicídios:
“One of the most often-told stories about Golden Gate Bridge suicides concerns a visit Motto made in the 1970s to the apartment of a recent bridge jumper. ‘The guy was in his 30s,’ Motto related, ‘lived alone. Pretty bare apartment. He’d written a note and left it on his bureau. It said, ‘I’m going to walk to the bridge. If one person smiles at me on the way, I won’t jump.'” Apparently, no one did.”
Do livro The Final Leap: Suicide on the Golden Gate Bridge (2012), John Bateson, pp.140-1.
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O melhor texto sobre suicídio
Por fim, eu pratico zen-budismo há mais de dez anos e todo o meu modo de pensar, de agir, de responder aos desafios da vida é zen-budista, assim como é zen-budista o meu livro Atenção., apesar de não ter sido escrito para ser um livro zen-budista.
Então, não é por acaso que o melhor texto que já li sobre suicídio foi justamente escrito por um professor zen-budista da linhagem que pratico — a mesma da Monja Coen, Soto Zen:
Why I Didn’t Attempt Suicide (original em inglês)
O jeito certo de se matar (tradução ao português)
Recomendo nos mais enfáticos termos.
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Um beijo em todas as pessoas lendo esse texto
e que a vida lhes seja leve, mas significativa,
Alex