Foi bom enquanto durou. Tudo é bom enquanto dura. Nada dura.
Em minha casa, tenho canecas de porcelana de todos os cantos do mundo. Ao mesmo tempo em que me recordam de belos lugares por onde passei, são objetos eminentemente práticos, nos quais eu e minhas visitas bebemos água, chá, café. Por outro lado, são também eminentemente quebráveis, ainda mais quando a bebida é vinho e minhas amigas solícitas (porra, Milene!) tentam lavá-las sob a influência do mesmo. Já tive época de ficar muito irritado:
— Porra, olha o que você fez! Você sabe por quantos continentes eu trouxe essa caralha dessa caneca na mochila??!!!
Era como se um pedaço da minha vida tivesse sido destruído. Agora, como eu lembraria daquela vendedora simpática e de sua barraquinha em frente ao Parlamento do Timor-Leste? Agora, como eu lembraria do meu colega de casa Roberto, há muito falecido em outro país, que tanto gostava dessa caneca? Agora, o que seria da minha trajetória de vida, assim, destruída e destroçada, jazendo aos cacos no chão?
Mas toda caneca já está quebrada. Ela só nos parece momentaneamente inteira porque temos uma visão muito mesquinha da realidade, porque enxergamos a gigantesca continuidade temporal-histórica do universo a partir de um ponto de vista que é ridiculamente minúsculo sob qualquer parâmetro que não seja a nossa brevíssima expectativa de vida.
Pois, mais cedo ou mais tarde, aquela caneca se quebrará. Isso é tão inevitável que podemos até considerar que seu estado natural é estar quebrada. Essa sua inteireza é apenas um rápido interlúdio, um pequeno milagre, um empréstimo ao tempo, a ser corrigido em breve.
Quando eu era criança, a casa vizinha era uma produtora de vídeo com um segurança mal-encarado na porta e uma deliciosa goiabeira no quintal. Eu e as outras crianças da rua sabíamos que sua ronda pelo terreno durava cerca de dez minutos. Assim que passava, pulávamos a cerca, contando que teríamos somente dez minutos para comer o máximo de goiabas possível e, depois, pluft, acabou.
É assim que uso minhas canecas. Elas são um empréstimo ao tempo: não pertencem a mim, não pertencem a ninguém. Elas já são lixo e eu, aliás, já estou morto. Mas, antes disso (rápido, o segurança está voltando!), temos tempo de beber vinho e fumar charutos, de cantar e dançar.
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Várias amigas ficam horrorizadas com esse meu modo de ver a vida:
— Que horror! Quanto niilismo! Então, você não dá valor a nada? Tanto faz se quebrou ou não? Foda-se? É isso?
Não exatamente. Dou o mesmo valor às canecas que sempre dei, talvez até um pouco mais. Como sei que a caneca em breve voltará ao seu estado natural de estar quebrada, valorizo ao máximo os instantes que temos juntos. (Não passei a quebrar as canecas depois de beber vinho pois “afinal, já estão quebradas mesmo!”.)
A única mudança prática foi que, hoje, quando a caneca inevitavelmente quebra, como todas inevitavelmente quebrarão, não fico irritado, triste, irascível. Mais importante, não brigo com a amiga querida que deixou cair no chão minha caneca de Barcelona '92. (Perdão, Lícia!) Pelo contrário, agradeço à caneca pelos momentos que tivemos juntos, pelo tempo compartilhado que roubamos da entropia do universo, pelas viagens, pelas festas, pelos jantares. Foi bom enquanto durou. Tudo é bom enquanto dura. Nada dura.
Porque, afinal, se o tempo é uma miragem criada por nossa percepção limitada de macaquinhas peladas, então, a próxima eleição presidencial já aconteceu; meu relacionamento já terminou; o cometa Halley já voltou; todas as pessoas que conheço já estão mortas; o Brasil já não existe mais enquanto entidade política; a língua portuguesa já se diluiu em outras línguas; os continentes já voltaram a se encaixar; o Sol já se expandiu até engolir a Terra. Tudo isso já aconteceu, ainda está acontecendo, vai acontecer.
Então, por que se irritar com uma caneca quebrada?
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Trechinho do meu livro Atenção., que você pode comprar aqui.
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Me paga um café?
Se meus textos tiveram impacto em você, se minhas palavras te ajudaram em momentos difíceis, se usa meus argumentos para ganhar discussões, se minhas ideias adicionaram valor à sua vida, por favor, considere fazer uma contribuição do tamanho desse valor.
Assim, você estará me dando a possibilidade de criar novos textos, produzir novos argumentos, inventar novas ideias.
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Mecenato no Apoia-se
Meu espaço de mecenato no Apoia-se tem como objetivo:
Criar uma comunidade mais próxima, de encontros, de conversas, de vídeos;
Publicar textos mais pessoais, rascunhados, incipientes;
Testar primeiras versões de contos e romances;
Promover bate-papos mais livres no Whatsapp e no Zoom;
Compartilhar minhas leituras e meus interesses nas formas de aulas mensais;
Proporcionar um ambiente único onde estejam todos os meus cursos.
Vem comigo?
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Planos de mecenato
O plano básico, Mecenas TEXTOS (R$19), oferece textos exclusivos, mais pessoais, às vezes rascunhados, e também uma participação maior no meu processo de escritura, com acesso às primeiras versões dos meus textos ficcionais. Além disso, para quem gosta, rola um grupão de Whatsapp para conversarmos livremente todo dia, sobre qualquer coisa. Seu nome vai pra lista de mecenas (se quiser, claro) e você ganha descontos em tudo que eu fizer, cursos, eventos, etc.
O plano Mecenas NÃO-MONOGAMIA (R$39) é bem específico para as pessoas que vinham me pedindo por uma interlocução maior nesse assunto. Ele oferece, além de todas as vantagens do plano anterior, também um grupo de Whatsapp separado somente sobre não-monogamia, para que as pessoas interessadas possam fazer amizades e tirar dúvidas. Uma vez por mês (1º domingo, 17h), teremos um encontrão no Zoom para conversar mais e trocar experiências.
Recomendo o plano intermediário, Mecenas ENCONTROS (R$47), que tenta criar ainda mais espaços de intimidade e interação. Além das vantagens dos planos anteriores, ele inclui um encontro mensal (2ª quarta-feira do mês, 19h), uma conversa de boteco sem assunto definido, só para bater-papo, e também uma aula mensal (última quarta-feira do mês, 19h), sobre literatura ou história, cujo tema será avisado com antecedência, ambos pelo Zoom. É uma maneira de eu compartilhar os meus interesses e minhas leituras de cada mês.
Por fim, o plano mais abrangente, Mecenas CURSOS (R$88), dá acesso completo a todos os meus cursos online, passados e futuros, enquanto durar o seu apoio: Introdução à Grande Conversa: Um passeio pela história do Ocidente através da literatura (2020), Grande Conversa Brasileira: a ideia de Brasil na literatura (2021) e História do Mundo Enquanto Fofoca (2022), já completos, e os dois cursos ainda em andamento: Grande Conversa Espanhola: do El Cid ao Dom Quixote, a invenção da literatura moderna e Grande Conversa Fundadora: as obras que inventaram as línguas literárias modernas.
Para as pessoas que gostariam de ajudar um pouco mais, o plano Mecenas MIDAS (R$199) oferece literalmente tudo, por um preço um pouco mais generoso, com os meus eternos agradecimentos.
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Um grande beijo, e muito, muito obrigado,
Alex Castro
entropia...
pumba que paliu! esse texto explodiu minha mente. ou ela já tinha explodido antes, e continua explodindo, e ainda vai explodir! muito obrigado por isso!