Teoria dos grandes romances
Porque Os miseráveis talvez seja o melhor romance de todos os tempos
Literatura é como ginástica olímpica. De nada adianta uma nota 10 na Execução de um texto com Dificuldade nota 2. Meus romances preferidos são aqueles que muitas vezes têm gigantescos defeitos, mas sempre compensados por suas belíssimas ambições.
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Os Miseráveis é um dos romances mais longos de todos os tempos. E, em minha opinião, o melhor.
Naturalmente, vários outros romances têm qualidades técnicas e literárias equivalentes. Os meus finalistas seriam Guerra e Paz (Tolstoi, 1867, russo), Moby Dick (Melville, 1850, inglês), Cem anos de solidão (Garcia Márquez, 1967, espanhol), Manuscrito encontrado em Saragoça (Potocki, 1814, francês), Grande Sertão: Veredas (Rosa, 1956, português) e a Tetralogia napolitana (Ferrante, 2015, italiano): todos possuem um interesse profundo, sincero, empático por cada personagem, até os menores — que, na prática, não são menores, pois explodem na página com profundidade e concretude inesquecíveis.
(No meu próximo curso, Grande Conversa Romance, a partir de agosto, leremos todos. Saiba mais.)
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Ah, Os Miseráveis, edição da Penguin/Companhia das Letras, está saindo com 50% de desconto.
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Se o que me faz amar Homero é sua dureza, o que me faz amar Hugo (e colocar Os Miseráveis um nariz à frente de todos os outros romances que já li) é o seu olhar amoroso.
Tolstoi tem interesse por tudo que seus personagens fazem, mas é um interesse um pouco frio, talvez indiferente, algo distante. Garcia Marquez paira sobre seus personagens rurais e ignorantes com a condescendência do intelectual urbano comunista: “olha que pitorescas as crenças desses caipiras”. Potocki enlaça um conto dentro do outro, em um artesanato cada vez mais intrincado e complexo, pelo puro prazer de um mestre contador de histórias em contar histórias de maneiras cada vez mais desafiadoras. Melville consegue escrever em pleno século XIX (ou seja, anteontem) com a rudeza e com a força de uma Ilíada, de uma Bíblia. (Moby Dick é, antes de tudo, um livro religioso.)
Nenhum tem a generosidade, o amor de Hugo para com seus personagens. Ao longo das infinitas páginas de Os Miseráveis, ele nunca é duro ou distante, frio ou condescendente. Sua esperança, seu otimismo, sua fé na capacidade de superação humana, são ilimitados, comoventes, inspiradores. Em um século onde já era moda ser cínico em literatura (no século XX, tornou-se obrigatório), Victor Hugo, em Os Miseráveis, nunca é. Nem uma única vez.
Afinal, Hugo escreve Os Miseráveis para denunciar a sociedade, não as pessoas dessa sociedade: é um romance sobre a maldade, mas sem malvados; sobre a opressão, mas sem opressores. Seu profundo amor por cada personagem é inseparável de seu projeto de denunciar a estrutura como um todo. O Inspetor Javert, por exemplo, implacável perseguidor do herói Jean Valjean, é o mais duro de todos os homens, um verdadeiro Aquiles francês, mas Hugo nos transmite a dureza de Javert sem nunca ser duro com ele. Seu amor por Javert é igual ao seu amor por Valjean, que é igual ao seu amor por cada um de seus os personagens: dotado de transbordante empatia, Hugo entende porque eles são como são e os absolve a todos, sem nunca perdoar a sociedade que os criou, deformou, oprimiu.
Daí um autor tão anticlerical abrir sua obra-prima nos apresentando ao padre mais simpático da literatura. (O romance tem tantas digressões que já começa no meio de uma. Depois de nos apresentar longamente o Bispo de Myriel, ao longo de dezenas de páginas, ele simplesmente some do romance, que somente então efetivamente começa.) Outros autores, para denunciar os crimes da religião institucional, teriam criado um padre demoníaco e antiético — a bem da verdade, em O corcunda de Notre-Dame, Hugo faz exatamente isso. Em Os Miseráveis, pelo contrário, ele cria um padre angelical: um padre que se comporta como deveriam se comportar todos os padres que realmente acreditassem na mensagem de amor dos Evangelhos. Aliás, talvez por isso o romance tenha sido colocado no índex de livros proibidos do Vaticano: o Bispo de Myriel fazia todos os padres de verdade parecerem ainda piores do que já eram.
Não é um romance perfeito. Romances perfeitos são curtos. Quase sempre, quanto mais curto, maiores as chances de ser perfeito. Minha lista de romances perfeitos existe na interseção entre romance e noveleta: A hora da estrela e Bartleby, o escrivão, O grande Gatsby e O estrangeiro, A princesa de Cleves e Dom Casmurro, A morte de Ivan Ilich e O enteado. Mas, talvez por isso, por serem bem fechadinhos demais, romances perfeitos não me chamam de volta para repetidas e reiteradas visitas ao longo dos anos e das décadas.
Meus livros indispensáveis são justamente aqueles para os quais mais quero voltar, sobre os quais penso frequentemente, que não posso viver sem.
Henry Miller me ensinou a amar meus romances preferidos não pela qualidade de seu resultado, mas pela ambição de suas intenções. Nos cem metros rasos, a única coisa que importa é quem cruza a linha de chegada em primeiro lugar. Na ginástica olímpica, entretanto, os critérios são dificuldade e execução: pouco adianta executar sua coreografia perfeitamente… se era uma coreografia que qualquer pessoa poderia executar. E, por outro lado, menos mal você levar um tombo ou dois… se estava tentando o impossível.
Para mim, mais juiz de Ginástica Olímpica, menos de cem metros rasos, Os Miseráveis, apesar de todas as suas gigantescas imperfeições e por suas belíssimas ambições, é o maior romance de todos os tempos, um livro que está sempre me chamando para novas leituras.
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Prime Day
Está rolando um mês de grandes descontos na Amazon BR. E o dia principal é HOJE. Abaixo, alguns livros que recomendo muito com descontos grandes. Aqui, todas as ofertas.
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Todas as leituras da Grande Conversa Romance estão com grandes descontos:
Moby Dick: Zahar (recomendada): saindo por R$13,97 // Antofagica: de graça, pra assinantes do Kindle Unlimited // 34: 50% de desconto
Os miseráveis: Penguin: 50% de desconto
Guerra e paz: Companhia das Letras: 30% de desconto
Grande Sertão Veredas: Companhia das Letras: 50% de desconto
Cem anos de solidão: Record: 50% de desconto
Tetralogia napolitana: Biblioteca azul: 45% de desconto
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Outras ofertas em livros que recomendo:
Meu romance brasileiro preferido do século está com 55% de desconto.
Meu preferido da Aline Bei (minha grande descoberta literária do ano) está com 50% de desconto, recomendo demais.
Coleção completa Dostoievski, nas edições da 34 (as melhores do mercado) com 45% de desconto.
Box com 4 livros do Camus, com 50% de desconto.
Box com 3 livros do Garcia Marquez, inclusive Cem anos de solidão, leitura do curso Grande Conversa Romance.
Excelente edição do Conde de Monte Cristo, na coleção Clássicos Comentados da Zahar (adoro!) com 45% de desconto.
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(Visitei a página de super promoções da Amazon pra vocês não terem esse trabalho. Só livros físicos que li e recomendo, com descontos enormes, em ordem do maior para menor desconto. Clicando nos links e comprando qualquer coisa na Amazon -- não precisa ter sido o item no qual clicou -- eu ganho uma comissão, você apoia meu trabalho e fico muito grato. Sintam-se à vontade para comentar as obras: já leu? gostou? etc. Todas as promoções são, por sua própria natureza, por tempo limitado e não sei quando terminam. Se você chegar lá e o desconto não estiver valendo, é porque acabou. Puff. Perdeu. Não adianta vir falar comigo, não tem nada que eu possa fazer. Não mando na Amazon. Da próxima vez, corra!)
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Grande conversa romance: um ano para ler seis romances perfeitos
O curso Grande conversa romance: um ano para ler seis romances perfeitos vai começar em agosto de 2025. Um mergulho profundo em alguns dos maiores e mais perfeitos romances da literatura mundial.
Dois meses para cada livro (três para Guerra e paz): um encontro livre para conversar sobre a leitura no primeiro domingo de cada mês e uma aula expositiva ao final dos dois meses, ambos no Zoom, e muito bate-papo literário todo dia no Whatsapp.
Ninguém precisa de ajuda para ler os livros fáceis e curtos. A ideia do curso é ajudar vocês a lerem aqueles livrões que, talvez, estavam adiando ler a vida inteira e, quem sabe, ajudá-los também a encontrar novos livrões legais.
Leremos só grandes livros, um romance em cada uma das principais línguas literárias ocidentais. Abaixo, a lista completa, em ordem cronológica. Os links já levam à edição recomendada.
1 Moby Dick, inglês, 1851 (agosto & setembro 2025)
2 Os miseráveis, francês, 1862 (outubro & novembro 2025)
3 Guerra e paz, russo, 1867 (dezembro 2025, janeiro & fevereiro 2026)
4 Grande sertão: veredas, português, 1956 (março & abril 2026)
5 Cem anos de solidão, espanhol, 1967 (maio & junho 2026)
6 Tetralogia napolitana, italiano, 2015 (julho & agosto 2026)
O precursor polonês Manuscrito encontrado em Saragoça (1815) só não abriu o curso por não ter tradução em catálogo no Brasil, mas eu recomendo enfaticamente, seja no original em francês, em inglês, em espanhol, ou em português de Portugal. Para quem quiser, teremos uma aula zero sobre esse livro em julho.
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Grande Conversa: Romance, Calendário
Qua, 23jul25, 19h: aula zero, História do Romance e Manuscrito encontrado em Saragoça
Dom, 10ago25, 16h: Conversa livre, Moby Dick
Dom, 14set25, 16h: Conversa livre, Moby Dick
Qua, 24set25, 19h: aula 1, Moby Dick
Dom, 5out25, 16h: Conversa livre, Os miseráveis
Dom, 9nov25, 16h: Conversa livre, Os miseráveis
Qua, 26nov25, 19h: aula 2, Os miseráveis
Dom, 7dez25, 16h: Conversa livre, Guerra e paz
Dom, 1fev26, 16h: Conversa livre, Guerra e paz
Qua, 25fev26, 19h: aula 3, Guerra e paz
Dom, 1mar26, 16h: Conversa livre, Grande sertão: veredas
Dom, 12abr26, 16h: Conversa livre, Grande sertão: veredas
Qua, 29abr26, 19h: aula 4, Grande sertão: veredas
Dom, 10mai26, 16h: Conversa livre, Cem anos de solidão
Dom, 14jun26, 16h: Conversa livre, Cem anos de solidão
Qua, 24jun26, 19h: aula 5, Cem anos de solidão
Dom, 5jul26, 16h: Conversa livre, Tetralogia napolitana
Dom, 2ago26, 16h: Conversa livre, Tetralogia napolitana
Qua, 26ago26, 19h: aula 6, Tetralogia napolitana