Aos 50, descobri que ainda havia sonhos a realizar
Vocês não vão acreditar o que aconteceu na minha vida em 2024
Enfim, 50.
Hoje, no meu aniversário, gostaria de contar para vocês sobre um dos poucos sonhos de vida que já tive, completamente impraticável e impossível de realizar, e de como ele se realizou nas últimas semanas como o mais inesperado presente de 50 anos que um homem poderia receber.
(Aviso rápido: meu curso para 2024 é a Grande Conversa Medieval e, não, não é só pra quem tem interesse em Idade Média. Saiba mais aqui.)
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Sonhos esquecidos
Sempre que pessoas me perguntam “qual é meu sonho” respondo que “não tenho sonhos”. E é verdade. Não tenho sonhos, essas coisas etéreas e oníricas, blá blá blá, mas, pelo contrário, tenho planos, concretos e práticos, em prol dos quais estou sempre ativamente trabalhando. Senão, não faria sentido.
Mas, 13 anos atrás, pasmem!, tive um sonho. Era janeiro de 2011, eu ainda morava nos Estados Unidos, mas já estava de passagem marcada para voltar definitivamente ao Brasil em julho. E, influenciado por minha vivência no Templo Zen de Nova Orleans, eu joguei no papel metafórico algumas linhas sobre qual seria minha vida ideal, minha vida de sonho, chegando no Rio de Janeiro.
Era um sonho tão impraticável que logo esqueci. Não saberia nem como começar a implementar uma ideia tão fora da caixinha. Foi dos poucos, raríssimos textos que escrevi e, por ser tão pessoal, nunca mostrei pra ninguém. (Pra mim, só faz sentido escrever se for para o Outro. Escrever pra mim mesmo sempre me pareceu um contrassenso e uma perda de tempo: quando quero falar comigo ou articular melhor meus próprios problemas... eu penso!)
Pois o meu tal sonho, meu sonho louco e impraticável, era criar um centro de acolhimento que eu administraria, onde moraria e que seria um porto seguro para pessoas de todos os tipos.
O sonho durou apenas o tempo de escrevê-lo. Logo, me dei conta que não era psicólogo, nem assistente social, nem padre, que não sabia como operacionalizar nada disso. Quem era eu (logo, eu!, tão egoísta e narcissista!) pra achar que poderia cuidar dos outros? Provavelmente, o sonho era só meu ego falando. Esquece, esquece.
Esqueci.
Voltei para o Brasil. Comecei a viver de escrever. Passei a praticar zen em Eininji, uma casa linda em Copacabana, a uma quadra da praia, do lado do metrô. Aos poucos, fui me envolvendo, acumulando responsabilidades: dormia lá algumas noites, cozinhava o almoço, cuidava das mídias sociais, escrevia as newsletters, recebia as pessoas iniciantes nas noites de terça. Durante dez anos, o templo foi minha segunda casa.
Partes do sonho esquecido se mantinham vivas e latentes aqui e ali em minha vida. Por exemplo, na iniciativa de me abrir para visitas de quaisquer pessoas todos os fins de tarde, para ouvi-las e acolhe-las no que fosse preciso.
E, claro, nos encontros Prisões: Atenção que comecei a realizar por todo Brasil e que me moldaram no homem que sou hoje. Meu livro Atenção., publicado em 2019, tenta resumir na forma estática de um livro todo o dinamismo poderoso desses encontros. (Estou retomando os encontros em 2024, mais sobre isso em breve.)
Mas o sonho, o sonho mesmo, o sonho de fato tinha sido esquecido. Só lembrei dele faz poucos dias, graças a novos acontecimentos que fizeram de 2024, já no primeiro mês, um dos anos mais movimentados da minha vida.
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Sonhos manifestados
A casa na Rua Saint Roman, em Copacabana, onde por dez anos funcionou o centro budista Eininji, ficou subitamente vazia. (Em uma próxima newsletter, conto as circunstâncias da saída de Eininji.) Essa casa pertence ao Mestre Tokuda Roshi, que veio do Japão na década de 1960 como missionário do darma. Também é uma casa fundamental na minha vida: foi onde trabalhei e pratiquei por dez anos, onde tive o meu primeiro encontro com minha futura esposa Marina e onde casamos, logo antes da pandemia.
Então, foi uma gigantesca surpresa, uma imensa honra e um enorme prazer termos sido convidados para morar na casa da Saint Roman e administrarmos um novo templo zen, que caberia a nós criar e operacionalizar, agora diretamente sob a direção religiosa do Mestre Tokuda. (Aliás, mais a Marina do que eu: as decisões finais são dela.)
O novo templo se chamará Noninji. Nosso instagram ainda está vazio (instagram.com/templozendecopacabana) e nosso site ainda não está no ar (templozendecopacabana.com.br), mas já convido vocês a ficarem de olho nesses espaços.
Morar e administrar um templo zen será o mergulho súbito, profundo, compromissado na vida religiosa que estou me preparando para dar há quinze anos. Escrever Atenção., praticar escutatória, fazer retiro em Auschwitz, todos os meus passos me trouxeram a esse momento. Suspeito que nada, nada mais será como antes.
Em um primeiro momento, nossa prioridade absoluta é trazer de volta a prática do zazen, ou seja, meditação zen, que tinha sido quase abandonada. A casa foi doada ao Mestre Tokuda para ser um centro de prática de zazen e ela absolutamente não pode ser outra coisa.
Depois, quem sabe, quando a prática do zazen já estiver firme e forte, quando já estivermos cumprindo nossa função, então veremos de que outras maneiras poderemos servir nossa comunidade e acolher nossos aflitos.
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Sonhos relembrados
Então, me lembrei do meu sonho. Daquele velho sonho, escrito em janeiro de 2011 e prontamente esquecido. Do sonho de morar e administrar um espaço aberto, público, de acolhimento. E, de repente, foi como se tudo tivesse se encaixado.
Compartilho com vocês alguns trechos do textinho que escrevi em janeiro de 2011, antes de ouvir falar de Eininji, quando eu mal tinha praticado o zen. O nome do arquivo é um singelo meusonho.doc:
“As pessoas têm cada sonho estranho, né? Me arriscando a parecer tolo, deixa eu compartilhar com vocês o meu sonho. Uma vez que eu termine meus estudos e, finalmente, volte pra minha terra, eu gostaria de montar uma casa, uma ONG, um templo ecumênico, um centro comunitário, uma academia livre (vocês me digam o nome!) no Rio de Janeiro - de preferência na Lapa ou perto do Centro.
Seria uma casinha simples, talvez até de um só andar, com um pequeno quarto para mim nos fundos.
O ambiente seria acolhedor, pronto para receber qualquer um que procurasse refúgio ou ajuda, mas também estóico e espartano: pouquíssima mobília, e nada de poltronas, sofás, almofadas, mas somente cadeiras, mesas e bancos de madeira. Eu daria o exemplo sentando sempre no chão.
Haveria uma biblioteca, com todos os meus antigos livros e quantos outros mais fossem doados, e mais algumas mesas e cadeiras de madeira - nada muito confortável. Qualquer um poderia pegar e levar qualquer livro, devolvendo-o ou não, por sua conta. Não seria necessário cadastro nem inscrição.
Haveria uma cozinha, onde se cozinharia um almoço diário, gratuito, para quem quisesse compartilhar da mesa conosco, servido em uma sala de jantar ampla, sempre com comidas simples, como macarrão a bolonhesa, feijão, arroz e carne moída, salada, gelatina e frutas. Na cozinha, fora dos horários de refeições, seriam dadas aulas gratuitas de culinária, economia doméstica, confeitaria, etc.
Haveria uma ou duas salas de aula, muito simples, somente com carteiras e quadro negro, onde seriam dadas aulas gratuitas para quem quisesse participar, conduzidas por professores voluntários. O foco principal seriam aulas preparatórias para o vestibular para alunos carentes (eu adoraria ensinar história, inglês, literatura) mas também cursos livres sobre temas específicos (eu ensinaria tanto literatura cubana quanto história da escravidão, economia doméstica ou primeiros-socorros).
Haveria um ou dois salões amplos, onde seriam conduzidas duas sessões diárias de meditação, ao nascer e ao pôr-do-sol. No resto do dia, professores voluntários dariam aulas de quaisquer atividades físicas que precisassem de espaço aberto - dança ou alongamento, ginástica ou ioga, etc.
Haveria um ou mais pequenos gabinetes, onde terapeutas voluntários atenderiam quem os procurasse. Nossa sociedade precisa de mais lugares onde as pessoas tristes, sozinhas, desesperadas, desgraçadas possam ir para conversar com alguém, sem compromisso, sem pagar nada. Talvez seja essa a função mais importante do centro.
Todos os cursos e práticas seriam sempre gratuitos e livres. O centro se manteria estritamente através de doações dedutíveis do imposto de renda. Haveria pelo menos um ou dois doadores corporativos fixos, com seu logotipo no material institucional, para garantir uma entrada mínima de dinheiro que pagasse as contas mensais. Os frequentadores mais assíduos do centro seriam gentilmente convidados a tornar-se membros fixos, com uma contribuição mensal pré-estabelecida - o que também ajudaria a manter as contas em dia.
Voluntários se inscreveriam para ajudar na limpeza ou na cozinha, para criar e manter nosso website, para fazer nossa contabilidade, para ensinar os cursos livres, ou para atender os necessitados. Parcerias estratégicas com escolas ou universidades locais poderiam garantir créditos ou pontos para alunos voluntários.
Minha função principal seria
1) Gerenciar o dia-a-dia do centro, cadastrar professores voluntários, organizar os horários das aulas, apagar incêndios de modo geral.
2) Dar as aulas e cursos que esteja habilitado a ensinar, caso seja necessário, como português, espanhol, inglês, literatura, história, usabilidade, etc.
3) Levantar dinheiro e fazer parcerias. Passar o pires entre os meus amigos ricos, empresários, altos executivos. Procurar escolas e universidades da região. Convencer frequentadores assíduos a se tornarem membros ou voluntários. (Deus sabe que sou bom nisso, bom até demais, chego a ter vergonha alheia de mim mesmo por ser uma puta tão mercenária, mas vamos ver se consigo usar meus poderes para o bem.)
A receita seria para pagar o aluguel e manutenção da casa, contas de água, luz e gás, comida, reposição de livros, objetos e material de ensino.
Na verdade, a coisa que eu mais gostaria seria eu mesmo ensinar todos os cursos possíveis, cozinhar o almoço, atender os aflitos e ainda liderar a prática da meditação, mas uma parte integrante do processo de abandonar o próprio ego é reconhecer nossas limitações e aprender a delegar.
Com poucas exceções - meu computador, meu kindle, e alguns objetos de uso pessoal - eu colocaria todos meus bens à disposição do centro: meus livros, minhas roupas, meus móveis, meus apetrechos de cozinha, tudo.
Na verdade, minha grande sensação é essa: que já tenho tão mais do que preciso, tão mais do que sempre quis, que de fato não preciso mais de nada. A vida, o mundo, a sociedade, meus pais, passaram os últimos quarenta anos me dando na boquinha tudo de bom e do melhor. E sinto, do fundo do meu coração, que é hora de começar a devolver.
Quando penso no que gostaria de fazer pelos meus próximos vinte anos de vida, é sempre para esse centro imaginário que meus pensamentos se voltam.”
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A partir de 1º de fevereiro de 2024, esse sonho ganhou uma inesperada realidade.
Naturalmente, nem o templo sem a casa são meus: eu e Marina só vamos administrar em nome do Tokuda e seguindo suas recomendações. Mas nada, nada, nada no meu sonho entra em conflito com a vocação de um templo zen.
A primeira e mais urgente prioridade é retomar a prática da meditação zen, silenciosa, presencial, comunitária, no máximo de horários possíveis e de forma aberta e gratuita a toda a comunidade.
Depois, vamos vivendo um dia de cada vez.
Em 2024, começa uma nova fase na minha vida.
E espero que vocês possam continuar caminhando ao meu lado.
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Pra encerrar essa carta
Meu aniversário não é hoje. Na verdade, comecei a escrever o texto no meu aniversário e não consegui terminar a tempo. (Mas, tudo bem, as cartas mais bonitas e mais importantes são aquelas escritas ao longo de vários dias.)
No novo templo zen, mesmo morando lá e administrando, não terei jamais um pró-labore. Terei que continuar vivendo da generosidade das minhas pessoas mecenas. Como você, amiga leitora.
Não tenho emprego, renda, pai rico. Vivo exclusivamente das pessoas leitoras que são tocadas por minhas palavras. É o seu caso?
Se meus textos já foram um presente na sua vida, retribui com um presente para a minha?
Na minha página de mecenato (alexcastro.com.br/mecenato), você pode fazer uma contribuição recorrente pelo meu Apoia-se (apoia.se/alexcastro), depositar nas minhas contas do Itaú ou do Banco do Brasil ou até mesmo fazer um pix único no meu email eu@alexcastro.com.br
Atualmente, estou cursando mestrado em Letras Neolatinas na UFRJ e tenho precisado muito importar livros espanhóis. Um dos melhores presentes que você pode me dar é depositar alguns dólares ou euros via cartão de presente ou na Amazon EUA (amazon.com/gift-cards) ou na Amazon Espanha (amazon.es/cheques-regalo) para o email eu@alexcastro.com.br (Só serve se for na Amazon EUA ou Espanha: nas outras, não tenho conta.)
E, mesmo se não puder dar nada, fico honrado e agradecido só de ter lido essa carta enorme até aqui.
Muito, muito obrigado.
Do mais novo cinquentão,
E, agora, morador de templo zen!,
Alex Castro
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Calendário de eventos
A partir de agora, minhas próximas aulas e palestras, eventos e encontros estarão sempre atualizados na minha página de calendário:
Quarta, 28fev, 19h: aula, Vikings, Grande Conversa Medieval
Quarta, 6mar, 19h: palestra, Armonizar lo inarmonizable”: el nuevo Cid del Siglo de Oro en “Las mocedades del Cid” de Guillén de Castro, no seminário internacional Atualidade da pesquisa em Literatura e Teatro do Século de Ouro Espanhol (Transmissão ao vivo no Instagram do Instituto Cervantes RJ, inscrições: seminarioaurisecular@gmail.com)
Domingo, 10mar, 19h: Conversa de boteco das mecenas
Quarta, 13mar, 19h: aula, Prisão Empatia
Domingo, 17mar, 19h: Piquenique não-monogamia
Segunda, 18mar, 19h: aula, O deserto e sua semente e a redenção pela dor
Terça, 19mar, a sábado, 30mar: Retiro no Mosteiro Eishoji, em Pirenópolis, GO
Domingo, 7abr, 9h: 1º encontro presencial Prisões/Atenção do pós-pandemia!
Parabéns Alex! Essa cartinha me deixou muito feliz ❤️
Parabéns! Muito feliz por vcs!