Se pudesse fazer qualquer coisa... o que você faria?
O que queremos é estar satisfeitas com nossos egos e, ao mesmo tempo, evitar qualquer mudança efetiva de vida. (Reflexões da Prisão Trabalho)
Ninguém quer realmente mudar de vida. Queremos é construir uma auto-identidade que seja confortável e não dê trabalho.
(O tema do Curso das Prisões para o mês de julho é a Prisão Trabalho. Nossa conversa livre já acontece amanhã, domingo, 2 de julho, às 19h. No final no mês, nossa aula será na quarta, 26 de julho, sempre às 19h. Todas as aulas ficam gravadas. Ao entrar no curso, você tem acesso total às aulas anteriores. Mas vou te contar: o legal mesmo são as conversas livres… que não ficam gravadas! Compre aqui.)
Se pudesse fazer qualquer coisa... o que você faria?
James Martin se formou no curso de Administração mais prestigiado dos Estados Unidos, em Wharton, e trabalhava de executivo para a GE.
"Era tudo muito circular. Eu trabalhava para ter comida, roupas e abrigo, e eu comia, me vestia e dormia para então poder trabalhar mais. Um dia, sentado na minha mesa de trabalho, me lembro de pensar: 'Ninguém em Wharton nunca me perguntou o que eu queria fazer da minha vida ou se tinha mesmo certeza que esse era o caminho."
Um dia, assistiu a um documentário sobre a vida do monge trapista Thomas Merton, um homem excepcional sobre quem já escrevi, e, instigado, leu sua autobiografia. Martin considera esse o momento do seu chamado religioso, da sua vocação eclesiástica.
Mas parecia loucura demais. Afinal, ele era um executivo em uma grande empresa! Virar padre lhe soava tão implausível quanto fugir de casa e entrar para o circo. A ideia ficou incipiente.
Cada vez mais insatisfeito, com dores de estômago de tanto estresse e ansiedade, começou a fazer terapia. No segundo ano de tratamento, o psicólogo lhe fez uma pergunta :
— O que você faria se pudesse fazer qualquer coisa?
E Martin respondeu:
— Eu seria um padre.
— Bem, e por que não?
Até aquele momento, Martin tinha somente uma vontade, vaga e difusa, ali no fundo da sua cabeça, no lugar onde os sonhos impraticáveis são escondidos até morrerem de inanição.
Mas a pergunta do psicólogo tornou a questão mais imediata e mais concreta. Começou a pensar sobre quais seriam os passos concretos que precisariam ser tomados para tornar-se padre. Se informou e pesquisou. No dia seguinte, já estava no telefone com os jesuítas locais.
Hoje, o padre James Martin, com seu talento natural para contar histórias, é reconhecido como um dos melhores comunicadores da Igreja. Pregando em um país marcado por um cristianismo economicamente conservador e politicamente retrógrado, o jesuíta é uma das poucas vozes institucionais cristãs a promover mais tolerância religiosa e mais inclusão social.
E tudo começou com uma simples pergunta. Que qualquer pessoa pode se fazer.
A gente não quer o que a gente quer
Por um lado, largar um mundo corporativo canalha e ganancioso (mas que paga super bem!) e entrar em uma ordem religiosa (que exige votos de castidade, obediência e pobreza) é muito difícil.
Por outro, também não queremos ser como todos os nossos colegas, que parecem chafurdar felizes e satisfeitos na ganância corporativa.
Então, nossos egos escolhem um instável meio-termo: nos tornamos aquelas pessoas que vivem e trabalham no mundo corporativo ganancioso e canalha, operando de acordo com as prioridades desse mundo e recebendo as recompensas que esse mundo oferece, ao mesmo tempo em que sonhamos com um outro mundo, esse sim o nosso mundo verdadeiro, esse sim o mundo onde estaríamos vivendo agora, sabe... se tivéssemos escolha!
"Um dia, eu vou, hein! Vocês vão ver! Largo essa podreira aqui e entro pra um mosteiro! Enquanto isso, deixa eu calcular qual será o meu bônus anual para o próximo exercício..."
Não queremos ser padres, ou escalar o Himalaia, ou escrever um romance.
Queremos ser o executivo que quer ser padre, a médica que quer escalar o Himalaia, a jornalista que quer escrever um romance.
Queremos é estar satisfeitas com nossos egos e, ao mesmo tempo, evitar qualquer mudança efetiva de vida.
Queremos é construir uma auto-identidade que seja confortável e não dê trabalho.
Notas de leitura
A história do padre James Martin está em seu In Good Company: The Fast Track from the Corporate World to Poverty, Chastity, and Obedience, publicado em 2010. O Padre Martin é um dos melhores contadores de histórias que conheço, então, recomendo literalmente tudo dele. Até listando seu rol de roupa suja ele é interessante. Atualmente, tem sido a principal voz defendendo direitos LGBT na Igreja Católica. Seu novo livro, de 2018, Building a Bridge: How the Catholic Church and the LGBT Community Can Enter into a Relationship of Respect, Compassion, and Sensitivity, está sacudindo o conservadorismo da Igreja. Meu favorito pessoal é My life with the saints, onde ele conta a relação pessoal que tem com os santos de sua devoção.
Não foi à toa que o monge trapista Thomas Merton virou a vida de James Martin de cabeça pra baixo: ele também é um dos maiores contadores de histórias de todos os tempos, capaz de tornar qualquer assunto interessante. Eu adoro seus livros sobre o zen, sobre misticismo, sobre os Padres do Deserto. Ainda quero ler sua autobiografia, A montanha dos sete patamares, que dizem ser sua obra-prima. Ele morreu eletrocutado por um ventilador de chão na Tailândia em 1969.
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Série “As Prisões”
Aqui estão os textos já reescritos, revisados e finalizados em 2023:
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O curso das Prisões
Em 2023, estou dando o Curso das Prisões.
Em julho, estamos conversando sobre a Prisão Trabalho. Nossa primeira conversa livre acontece AMANHÃ, domingo, 2 de julho de 2023, às 19h. Sim, ainda dá tempo de participar. Mais detalhes aqui.
Vem com a gente?
Obrigada por este texto! Obrigada por escrever.
Essa sua série está muito boa Alex! Só não sou sua apoiadora ainda porque eu sou uma daquelas que abandonou o mundo corporativo para viver seu verdadeiro propósito só que a parte da grana ainda é algo em construção rsrsrs. Brincadeiras a parte, é muito difícil viver dentro do sistema capitalista e tomar decisões deste tipo, porém, recomendo, fortemente, pois vale muito a pena (mesmo sem bônus e 14⁰).