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Em nossa segunda aula, Mediterrâneo, que acontece na terça, 25 de janeiro, falaremos sobre gregos e romanos, da Ilíada até os Evangelhos. Abaixo, um rapidíssimo resumo sobre os romanos, a ser desenvolvido em aula.
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Os romanos
Roma é fundada provavelmente no século VIII aEC. A cidade fazia parte da civilização etrusca, que era uma rede de cidades-estado conectadas que falavam uma língua só, compartilhavam a mesma cultura, mas tinham identidades políticas diferentes.
Os etruscos somente conheciam duas classes: mestres, de um lado, e servos, escravos, clientes, agregados, de outros. A primeira novidade de Roma é a criação da plebe, uma classe intermediária, de pessoas livres e pobres.
Por volta do ano 500, os romanos expulsam seu último rei etrusco e se constituem em uma república. Sem a proteção dos etruscos, a cidade sofre pressão de várias cidades italianas que ameaçam sua existência. Na Grécia, tinha sido inventada a guerra hoplita. Essa adaptação, em Roma, dá mais poder ao plebeus, que formam a infantaria, em oposição aos nobres, da cavalaria. Sua importância na defesa da cidade faz com que os plebeus ganhem mais importância no momento imediatamente posterior a expulsão do rei.
Por volta de 450, é promulgada a Lei das 12 tábuas. Apesar de instituir e oficializar a subalternidade dos plebeus, sua importância maior era por ser escrita, por dar segurança jurídica à comunidade. Além disso, traz várias novidades, como, por exemplo, que todo cidadão tinha que responder à justiça e que todos tinham direito a um defensor publico. (Roma não era particularmente democrática, mas em nenhum outro lugar os pobres tinham direito a esse tipo de proteção.) Além disso, ao estabelecer critérios censitários para qualificação social, ela protegia os plebeus ricos, garantia sua separação dos plebeus mais pobres e lhes dava alguma entrada nas instituições mais reservadas da republica.
Os cidadãos eram ranqueados socialmente de acordo com o equipamento de guerra que podiam pagar para si. Classis significava contingente militar. Então, a primeira classe eram os membros da aristocracia patrícia, que vinham a cavalo. As quatro classes seguintes eram formadas por plebeus, de infantaria, a pé, mas de acordo com os equipamentos que dispunham: os mais ricos de armadura, espada, lança, escudo. As classes mais baixas, progressivamente menos. A classe armada mais baixa tinha somente uma funda, sem armadura. Mais abaixo, vinham os proletários, desarmados, que serviam como mensageiros e faziam reconhecimento do terreno.
A medida que Roma conquistava as cidades vizinhas, os novos territórios eram entregues aos ricos patrícios, que acumulavam mais e mais terras. Os plebeus ricos, entretanto, que consideravam carregar o maior fardo das guerras, começaram a querer exigir seus direitos também, agora que existia mais terra a ser distribuída. Em 312, Roma passa sua primeira lei de reforma agrária, dando aos escravos libertos terrenos nas terras recém conquistadas. Em 304, os patrícios conseguem anular essa lei.
A república romana era governada pelo Senado, composto pelos elementos das famílias mais nobres e mais antigas, grandes donas de terra, e proibidas de se envolver em outras atividades comerciais. O poder executivo ficava na mão de dois cônsules, eleitos anualmente, e com poderes iguais. (Assim, um vigiava o outro.) Originalmente, somente nobres patrícios tinham acesso a esses cargos mas, ao longo do século IV, os plebeus ricos vão começando a ocupá-los: primeiro, os níveis mais baixos, questor, censor, pretor, etc, e finalmente, cônsul e senador.
A ascensão dos plebeus (ricos) às posições antes dominadas pelos patrícios não quer dizer que a sociedade ficou mais aberta e democrática. Pelo contrario, só confirma a natureza aristocrática da sociedade. A distinção deixa de ser entre patrícios e plebeus, mas passa a ser, mais e mais, entre ricos e pobres.
As lutas entre patrícios e plebeus por mais terras acaba sendo o combustível das guerras de conquista de Roma. Além disso, a concessão de cidadania romana aos povos conquistados aumenta a mão-de-obra disponível para trabalhar a terra e travar mais guerras de conquista.
O próprio sucesso de Roma nessas guerras, apesar de gerar novas terras que podem ser distribuídas a patrícios e plebeus, também começa a esgarçar as instituições: instituições criadas para gerir uma cidade começam a ter problemas para gerenciar um império crescente.
A religião permanece como o grande latifúndio exclusivo dos patrícios. A base da republica romana era um medo quase supersticioso aos deuses e cabia à aristocracia intermediar e determinar a relação correta da cidade com seus deuses. Eles eram os descendentes dos grandes homens que tinham construído Roma e, assim, participavam da gloria e da honra de seus antepassados.
Se no século III Roma conquista toda a península itálica, no século II, conquista grande parte do mundo conhecido. Roma agora dispunha de recursos inexauríveis de terras, de comida, de matérias primas. (Gibbon aponta que a relação de Roma com a Espanha era a mesma relação que a Espanha teria com suas colônias americanas: lugar de conquista e de extração de metais valiosos.) Além de um fluxo inesgotável de escravos, e de um gigantesco mercado consumidor para todos os seus produtos. Naturalmente, a sociedade romana teria que mudar.
Começa a aparecer pela primeira vez uma ideologia de lucro capitalista. O senador Marcio Porcio Cato escreve um manual agrícola sobre como maximizar o lucro de suas terras. Por exemplo, defende plantar oliveiras e videiras, ao invés de cereais, com cálculos específicos sobre rentabilidade comparadas dessas culturas. Para não ser incluído nas leis que proibiam senadores de atividades mercantis, ele cria empresas laranjas, chamadas sociedades publicas, capitaneadas por outros homens, mas trabalhando para seu lucro. Com um estado cada vez mais inchado e precisando preencher cada vez mais funções, essas empresas se multiplicam, fazendo serviços como construção de estradas, de aquedutos, arrecadação de taxas, gerenciamento de minas, etc.
A Segunda Guerra Púnica, no século II, em que Aníbal fica 18 anos solto na península itálica causando estrago (falo sobre ela aqui), é, ao mesmo tempo, o ponto que marca a ascensão imperial de Roma e também o início de uma grave crise social e econômica para os proletários e libertos. Os prejuízos e perdas causados pela guerra deram aos patrícios a chance de comprar mais e mais terras por quase nada, tirando o ganha-pão dos proletários e empurrando-os para as cidades, onde viviam como autônomos e estavam dispostos a apoiar qualquer político que esposasse suas causas. E sempre seriam políticos aristocráticos, pois somente eles tinham capital para dar apoio financeiro aos mais pobres, em troca de capital político.
Nas palavras de Tibério Graco, um desses políticos:
“Os animais da Itália possuem cada um sua toca, seu abrigo, seu refúgio. No entanto, os homens que combatem e morrem pela Itália estão à mercê do ar e da luz e nada mais: sem lar, sem casa, vagam pelos campos com suas mulheres e crianças. Os generais mentem aos soldados quando, na hora do combate, os exortam a defender contra o inimigo suas tumbas e seus lugares de culto, pois nenhum destes romanos possui nem altar de família, nem sepultura de ancestral. É para o luxo e enriquecimento de outrem que combatem e morrem tais pretensos senhores do mundo, que não são senhores nem do chão onde caem mortos.” (Plutarco, Vida de Tibério Graco.)
Nessa nova Roma, os escravos deixam de ser membros das famílias, e se convertem em pura mão de obra econômica, cada vez mais explorada e maltratada, cada vez mais parte fundamental da economia romana.
Antes, a expansão de Roma na Itália serviu para diminuir as tensões internas da sociedade. Agora, a expansão no Mediterrâneo era, em si mesma, fonte de tensões. Antes, uma união de interesses entre patrícios e plebeus ricos favorecia algumas reformas sociais. Agora, cada vez mais refratários a fazer qualquer concessão, só lutam pelo poder.
O último século da República Romana, entre 130 e 30, é repleto de revoltas sociais. Somente entre 91 e 82, morrem 200 mil pessoas e, entre 49-42, outras 100 mil, em uma população total de quatro milhões e meio, culminando com a destruição de um sistema político que durara 450 anos. É um cataclisma, e percebido como tal por seus contemporâneos. (Lucrécio escreve Da natureza pouco antes da guerra civil de 49-42.)
As revoltas escravas são particularmente violentas. Ao mesmo tempo em que os mestres exploram seus escravos cada vez mais violentamente em busca do lucro, os escravos também tendem a ser, cada vez, cidadãos de repúblicas helênica razoavelmente livres, ou seja, acostumados à liberdade e inconformados com a condição de escravos, especialmente se entendida como injusta. Como resultado, as revoltas escravas se multiplicam. O que falta entretanto é uma ideologia coerente por trás delas, o que impede sua coordenação e, finalmente, seu sucesso.
Por volta do ano 100, uma reforma política terá conseqüências importantes e imprevistas. Até então, as legiões romanas eram formadas sempre por pequenos proprietários de terras que pagavam por suas próprias armas. A reforma permite o ingresso de proletários sem propriedade, cujo principal objetivo no exército, além do soldo, era o terreno que ganhariam depois de algumas décadas de serviço. Ou seja, justamente os cidadãos mais pobres e descontentes recebiam agora o recurso às armas, e formavam relações cada vez mais próximas com seus comandantes, podendo ser usados por eles como massa de manobra contra seus inimigos políticos. Viraram, literalmente, massa de manobra. (Em Declínio e Queda, vamos vê-los escolhendo boa parte dos imperadores.)
Os últimos 40 anos da República são tomados por duas grandes questões: a primeira, se o regime republicano ainda poderia ser salvo ou reformado, ou se deveria virar uma monarquia, e, a segunda, quem seria afinal o monarca. As revoltas e revoluções seguiam umas às outras, mas sempre dentro do mesmo campo: patrícios e plebeus ricos, uns contra os outros. Como não havia conflitos entre oprimidos e opressores, nem nenhuma ideologia que permitisse a articulação desse conflito, não havia possibilidade de mudança da ordem social: só de mudança de poder.
Os jovens tribunos chegavam ao poder e a melhor maneira de chamar atenção e conseguir liderança era fazer promessas cada vez mais radicais ao povo. Enquanto isso, os mais velhos lutavam pela manutenção de seus privilégios. Na verdade, estavam todos do mesmo lado. As guerras civis dos últimos cem anos da República eram simples lutas pelo poder: não havia mais nem a retórica da mudança social.
Nos últimos cem anos da República, não havia nem a disposição de reformá-la, nem o arcabouço ideológico que possibilitasse uma revolução. Só lhe restava então derrubar a si mesma e passar o problema adiante para o próximo regime.
Quando Augusto chega ao poder como o primeiro imperador, ele concentra todo o poder em si, mas tem a sabedoria e a moderação de manter as aparências e todas as instituições republicanas, agora despidas de qualquer poder. (Esse processo é narrado de forma panorâmica por Gibbon nos primeiros três capítulos de Declínio e Queda do Império Romano.)
Por duzentos anos, Roma vive a Pax Romana, seu ápice, e esplendor. Até o ano 180, quando Marco Aurélio, fatidicamente, tão famoso pela sensatez de sua filosofia, ao invés de escolher um sucessor digno, passa o trono em herança para seu filho Comodo. Nesse ponto, começa a narrativa em si de Declínio e Queda do Império Romano.
(Referência: Social History of Rome, de Geza Alfoldy)
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História do Mundo Enquanto Fofoca
Um panorama da história mundial, com foco no Ocidente, desde a pré-história até a Queda do Muro de Berlim. 12 aulas semanais, terças das 19h às 21h, entre 18 de janeiro e 12 de abril de 2022. Sem leituras obrigatórias.