Nossa cachorrinha adotada Tatuí morre de medo de gente: ela treme, se encolhe toda, enfia o rabo entre as pernas; é bem visível, não tem como não ver. Para ela, andar na rua é um sacrifício.
Quando alguém vem falar com ela, eu aviso: “ó, ela tem muito medo”. As mulheres entendem, respeitam, dão passo atrás. Os homens tomam como desafio e aí é q vem mesmo, braço esticado, assobiando.
Por que essa diferença?
As mulheres identificam logo que ela está com medo sem nem eu precisar falar nada. Às vezes, só me olham com um olhar cúmplice:
“ela tem muito medo, né?”
Algumas vezes, uma ou outra distraída vem falar com a Tatuí e eu aviso:
“ó, ela tem muito medo”.
As que não tinham percebido antes, percebem agora. Essas mulheres entendem, param, dão dois passos atrás. Elas sabem o que é passar medo na rua.
(Se você pergunta a um homem quando foi a última vez que ele teve medo de morrer, ele provavelmente vai te contar uma aventura divertida de alguns anos atrás. Se você pergunta a uma mulher, ela vai te contar alguma história banal e angustiante de ontem, ou da semana passada.)
Já os homens, em larga medida, especialmente os brancos e os héteros, não têm a mesma experiência com o medo que as mulheres.
Eles não entendem que
“ó, ela está com muito medo”
quer dizer
“não se aproxime”.
Pelo contrário, tomam como um desafio, como se eu estivesse falando:
“ela está com medo de você, vai deixar barato?, vem aqui e conquista ela com seus poderes de sedução, mostra que você é o Alfa!”
Andar na rua com a Tatuí me ensinou algumas coisas sobre os homens:
A primeira é que eles de fato têm menos empatia que as mulheres: quase todas as mulheres percebem, veem, enxergam, identificam que a cachorrinha está com medo; os homens, não. Eles vêm vindo imperturbáveis, aquele medo tão visível nem é com eles, a cachorrinha quase enfiando a cabeça pelo próprio cú é algo que nem registram.
Mas existe outra possibilidade, talvez pior:
Homens são atraídos pelo medo.
A leitura mais generosa é que homens são atraídos pelo medo porque ele ativa nosso instinto de super-heroi: finalmente, poderemos ser os cavaleiros andantes que sempre sonhamos! Vamos salvar a princesa do dragão e, quem sabe, claro!, talvez role até um beijinho no final!
(Nos filmes de Hollywood, que todas crescemos assistindo e pautaram nossa socialização, a mocinha sempre se apaixona pelo heroi apenas porque ele a salvou. Raro é o filme em que a mocinha é salva, agradece muito ao heroi, aperta a mão dele e… volta para sua vida de ser humano pleno, seja solteira ou casada. O primeiro script é tão normalizado que estranhamos esse segundo cenário. Ou seja, mesmo no melhor dos casos, até o homem mais gente boa foi treinado para salvar a mocinha esperando alguma recompensa afetiva ou sexual.)
A leitura menos generosa é que homens são atraídos pelo medo porque somos sádicos e predadores, porque o medo do mais fraco empodera e excita e atiça o mais forte — como os chiadinhos da presa agonizante atraem um gato para o golpe final.
Sinceramente, não sei qual opção é pior.
(Aliás, vocês já pararam pra pensar que nós, a espécie mais predatora do planeta, escolhemos como nossos principais bichinhos de estimação, outros dois super predadores? Não inofensivos hamsters ou coelhinhos, mas gatos e cachorros, um super caçador individual e o outro, em matilha. Além disso, alguns dos outros animais que domesticamos também estão entre as espécies mais agressivas e bad-ass do planeta, especialmente em suas versões selvagens e ferais, mas também domesticados: porcos e galinhas, bois e cabras.)
O fato é que muitas, muitas vezes, depois de eu dizer
“ó, ela tem muito medo”
quase todo homem se aproxima, fazendo barulhos com os lábios, de braço esticado, e, mesmo quando veem que a cachorra fica mais apavorada ainda, continuam chegando, imperturbáveis, até que eu, homem, grande 1,80m, 110kg, preciso falar grosso:
“Não é pra chegar perto, amigo. A cachorra está com medo de você e, quanto mais perto você chega, mais ela se apavora.”
Só então, de fato, entendem.
Postei uma versão desse texto no Instagram e uma moça comentou:
“Não sei se é falta de empatia, talvez apenas projeção... Como muitos não sabem/nao foram ensinados a entender os próprios medos, fazem isso. Algo como: "vc tem de enfrentar seus medos a todo custo, Tatuí".”
Mas… julgar os outros pela nossa própria experiência… é a definição de falta de empatia e autocentramento.
Outra coisa bizarra que acontece é quando eles vêm brincar com a cachorra, eu peço para parar e o camarada responde:
“Ah, estou só mexendo com ela.”
E sou obrigado a retrucar:
“E é exatamente isso que estou falando pra você parar de fazer.”
Na verdade, as mulheres só querem desfrutar dos mesmos direitos que as cascavéis:
Recebi tantas respostas com uma variação de “not all men” que sou contratualmente obrigado a compartilhar a imagem abaixo:
Meus cursos para 2022
Acabam amanhã as aulas ao vivo do curso História do Mundo Enquanto Fofoca. O curso, de 12 aulas, sobre História do Mundo, da pré-história ao Muro de Berlim, vai continuar à venda, por R$198. Para saber mais e comprar, clique aqui.
Enquanto isso, meus dois próximos cursos para 2022 começam no mês que vem, estão à venda e nossas conversas já estão pegando fogo nos grupos do zap.
A Grande Conversa Fundadora: as obras que inventaram as línguas literárias modernas é uma história da literatura ocidental, da Idade Média ao romantismo, através dos grandes clássicos fundadores das línguas modernas: Dante, Rabelais, Camões, Shakespeare, Cervantes, Goethe, Púchkin. São 7 aulas mensais, toda 3ª quarta-feira do mês, 19h, de maio a dezembro de 2022. O curso está saindo por R$499. (Aqui tem um vídeo onde apresento o curso.)
Grande Conversa Espanhola: do El Cid ao Dom Quixote, a invenção da literatura moderna é um curso de literatura espanhola, com foco nas rupturas e continuidades com a literatura ocidental contemporânea. São 14 aulas mensais, 1ª quarta-feira do mês, 19h, de maio de 2022 a julho de 2023. O curso está saindo por R$195.
Meu instagram está cheio de videozinhos com palhinhas dos cursos, espero que gostem. :)
Um beijo do Alex