A chegada dos espanhóis nas Américas é um dos eventos mais importantes da história mundial: ele muda as concepções de “pessoa”, expande a ideia de humanidade, cria novas categorias de direito internacional, vira o mundo de cabeça pra baixo.
A 5ª aula, Conquista, do curso Grande Conversa Espanhola, que acontece nessa quarta, 5 de outubro, será sobre as controvérsias políticas, filosóficas, jurídicas e teológicas geradas por esse choque. No vídeo, e no texto abaixo, uma palhinha da aula.
Como descrever hoje o choque e a maravilha que foi a descoberta de que o mundo era povoado de um sem-número de sociedades, com cores, religiões, línguas, costumes, todos diferentes entre si?
Não foram só os europeus que descobriram povos que antes não conheciam, mas esses povos também “descobriram” os europeus e descobriram, através dos europeus, os outros povos que também tinham sido “descobertos”.
Nesse revolucionário processo de descoberta, todos esses povos, opressores e oprimidos, colonizadores e colonizados, que antes viviam existências insulares, em contato somente com seus vizinhos mais próximos, descobriram que faziam parte de uma ampla humanidade, de povos vastamente diferentes, habitando uma enormidade de terras, continentes, países, vegetações.
Os espanhóis não descobrem a América, naturalmente, que já estava descoberta e habitada, mas sim esse novo conceito de humanidade.
Não só isso: a simples existência desses povos já colocava em xeque todo o conhecimento acumulado, e raramente questionado, que os europeus traziam da Bíblia e da Antiguidade clássica e fazia surgirem uma infinidade de novas questões nunca antes formuladas, tanto biológicas quanto éticas, jurídicas e filosóficas, políticas e econômicas.
No começo do século XVI, antes que a Inquisição e a Contrarreforma abafassem os ventos humanistas que começavam a soprar, a Espanha foi palco de um dos debates filosóficos mais interessantes, importantes e conseqüentes da história da humanidade:
Afinal, essas pessoas, que andavam nuas e comiam umas às outras, que não tinham nem fé, nem lei, nem rei… eram pessoas com alma? Ou eram simples animais em forma de gente? E, se fossem pessoas, que direitos teriam? Teriam direitos inalienáveis pelo simples fato de serem pessoas humanas, independente de serem cristãs ou não?
Entre 1550 e 1551, na cidade de Valladolid, na Espanha, esse debate colocou em pauta questões que até hoje nos afetam e nos mobilizam. No Brasil de 2022, quando alguém diz, a sério, que “direitos humanos só para humanos direitos”, ela está ecoando esse debate.
Nossa leitura para a quinta aula, Conquista, será a obra mais popular de Frei Bartolomé de Las Casas, uma denúncia contundente e virulenta dos crimes espanhóis no Novo Mundo. A edição brasileira da L&PM contém um adendo que nos interessa ainda mais que o próprio texto: “Sumário da disputa entre o Bispo Dom Frei Bartolomé de las Casas e o Doutor Sepúlveda” (pp.116-141), um resumo do debate de Valladolid.
Essa obra de Las Casas é acusada, até hoje, de ter originado a “leyenda negra”, ou seja, a ideia de que a Espanha teria sido uma potência imperialista particularmente mais cruel do que as outras.
Se, por um lado, sabemos que a Espanha de fato cometeu crimes terríveis — a obra de Las Casas é uma das primeiras a documentá-los —, as outras potências imperialistas (Portugal, França, Inglaterra, Holanda, Itália) não foram melhores, e todas tiveram intenção e oportunidade de pintar sua inimiga Espanha nas piores cores.
Sim, a prática colonialista espanhola foi bem diferente da sua teoria, mas não deixa de ser digno de nota que somente na Espanha esses debates teóricos aconteceram, e aconteceram a sério, mobilizando a intelectualidade, a aristocracia, a realeza. As outras potências imperialistas europeias cometeram os mesmos crimes sem a mesma capacidade de introspecção e autoquestionamento. O que acontece quando o maior império da Terra, no auge do seu poder, ousa questionar a si mesmo?
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Grande Conversa Espanhola
Do El Cid ao Dom Quixote, a invenção da literatura moderna.
Curso de literatura espanhola medieval e moderna, com foco nas rupturas e continuidades com a literatura ocidental contemporânea.
Leituras não obrigatórias, de menos de 200 páginas, disponíveis em português, em pdfs gratuitos.
14 aulas mensais, 2h cada, 1ª quarta-feira do mês, 19h, de 4 de maio de 2022 a 5 de julho de 2023.
Aulas ao vivo via Zoom; aulas gravadas no Facebook; grupo de discussão no Whatsapp.
R$95 no pix, ou R$88 mensais por todos os meus cursos.
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