O que é "gostar" de uma obra de arte?
Depende do que achamos que a obra está tentando fazer.
Um curso de literatura serve para aprendermos maneiras melhores, mais articuladas e mais conscientes, de consumirmos e de conversarmos sobre obras literárias. Pois, afinal, o quê é que nos faz sentir que “gostamos” ou “não gostamos” de um romance?
(Sou professor de literatura. Meu curso atual é A Grande Conversa Brasileira: sim, dá pra entrar agora. A próxima aula é dia 7 de outubro, sobre Grande Sertão: Veredas.)
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Gostamos ou não de uma obra de arte dependendo do que achamos que ela está tentando fazer.
Mesmo se não soubermos definir claramente, para nós mesmas, o que achamos que a obra está tentando fazer, se sentimos que “gostamos” ou que “não gostamos”, é porque já elaboramos uma teoria, provisória que seja, a respeito do que achamos que a obra está tentando fazer e o quanto está sendo bem ou mal-sucedida.
Por exemplo, digamos que assisto um filme e, ao longo do filme, dou muitas, boas, gostosas gargalhadas. Se eu presumo que o filme estava tentando me fazer rir, então, as minhas gostosas gargalhadas são indicativas de que o filme foi bem-sucedido e considero que “gostei”.
Mas, se presumo que era um filme sério e dramático, tentando me fazer chorar e sofrer, então, as mesmíssimas gostosas risadas, que tive o mesmo prazer em dar, agora são indicativas de que o filme foi mal-sucedido e considera que “não gostei”.
A obra não mudou, minha reação à obra não mudou: mudou somente a minha teoria sobre a obra.
Naturalmente, esse é o exemplo mais exagerado e grotesco, de dois gêneros narrativos cujos objetivos são óbvios e extremos, mas o argumento se mantém: se não gostei de uma obra de arte, é porque eu, nem que seja inconscientemente, já estou trabalhando com uma hipótese a respeito do que aquela obra tentou fazer e considero que não está conseguindo alcançar.
Um passo importantes para tentarmos consumir cultura narrativa de forma mais consciente é nos perguntarmos o quê achamos que essa obra está tentando fazer. Qual é a nossa teoria?
Aí, existe uma consequência importante: existem maneiras diferentes de ler ficção e não-ficção.
A não-ficção está usando linguagem para tentar nos comunicar um conteúdo: a linguagem é um meio.
Mas, em ficção, ou seja, em arte narrativa, a artista está tentando criar para nós uma experiência holística com todos os materiais à sua disposição.
E essa experiência tem um começo, um meio e um fim.
Podemos até estabelecer uma hipótese de trabalho enquanto vamos lendo (não temos como não fazer isso, o nosso cérebro faz por conta própria) mas só temos mesmo como saber o quê uma obra de arte estava tentando fazer, qual experiência ela estava tentando nos fazer vivenciar, quando vivemos essa experiência do começo ao fim.
Então, para quem está buscando por maneiras melhores, mais articuladas e mais conscientes, de consumir e de falar sobre as obras de arte, tenho duas dicas:
(Se não é o seu caso, amiga leitora, pode parar por aqui: as dicas não são para você.)
A primeira dica é a mais fácil:
Se você está lendo e não está gostando, investigue a si mesma e tente descobrir o quê você acha que a obra está tentando fazer. Qual foi a teoria de trabalho que você estabeleceu pra si sobre os objetivos dessa obra? Sua teoria faz sentido? Será que é isso mesmo? Pode estar errada? Há outras possíveis?
A segunda dica é mais difícil:
Reserve sua opinião até o fim. Se larguei Grande Sertão: Veredas no meio, não posso nem mesmo dizer que “não gostei”, ou que Guimarães Rosa foi mal-sucedido, porque eu não vivenciei a experiência que ele criou pra mim. No máximo, posso dizer que larguei porque a experiência estava entediante ou intolerável demais. O que é outra coisa. (Aliás, talvez até pior.)
Mas Guimarães Rosa continuará morto e quem terá perdido a oportunidade de ler o melhor romance de todos os tempos terei sido eu.
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Grande Sertão: Veredas
Nossa leitura desse mês do curso A Grande Conversa Brasileira é a obra-prima de Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas.
Até o dia da aula, vamos conversando sobre Grande Sertão: Veredas em nosso grupo do zap e os papos têm sido bem interessantes. Se você quiser se juntar a nós, ainda dá tempo e seria meu enorme prazer. Baixei os preços e tudo. ;)
O curso de 2020, Introdução à Grande Conversa, está $79 e você assiste às aulas gravadas; o de 2021, em andamento, Grande Conversa Brasileira, está $299: você assiste às aulas passadas gravadas, participa das próximas ao vivo pelo zoom e conversa com a gente sobre literatura todo dia no whatsapp.
A próxima aula, Bandeirantes & Jagunças, acontece dia 7 de outubro. Vem com a gente?
Beijos rosianos,
do Alex Castro