Existem muitas ilusões às quais nos apegamos para poder funcionar como pessoas humanas.
Uma das maiores delas é a de que existe algo que possamos fazer para não encherem mais o nosso saco, para a família parar de se meter em nossa vida, para o mundo finalmente ficar satisfeito com nossas escolhas.
Mas não existe.
O mundo é como um namorado ciumento. Se usarmos uma saia mais longa, ele não vai ficar satisfeito com sua namorada obediente e pudica: vai querer mandar no nosso decote.
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“Minha vida teria sido outra…”
Um amigo, contando sobre suas escolhas profissionais:
"Eu queria fazer Artes Cênicas, mas meu pai, que nunca me obrigou a nada, ficou insistindo pra eu fazer Direito, que Direito dava dinheiro, que Direito era mais seguro, que com Direito eu poderia fazer muitas coisas, e falou e falou, argumentou e insistiu, sem parar."
E o que você fez?, perguntei.
"Cedi. Fiz Direito."
É uma tática, falei. Ele encheu seu saco e você, pra se livrar da chateação, cedeu e fez o que ele quis. Funcionou?
"Bem, eu queria fazer penal, mas meu pai, que é super compreensivo e bem intencionado, ficou insistindo pra eu fazer Direito Tributário, porque Tributário é que dava dinheiro, porque Penal tem que ficar lidando com bandidos, que Tributário todas as empresas precisam, que ele tinha amigos nessa área, etc etc, falou e falou, argumentou e insistiu, sem parar."
E o que você fez?, perguntei.
"Cedi. Fiz Tributário."
É uma tática, falei. Ele encheu seu saco e você, pra se livrar da chateação, cedeu e fez o que ele quis. Funcionou?
"Bem, eu queria trabalhar no Tributário de uma ONG, ajudar o mundo e coisa e tal, mas meu pai, que sempre só quer o meu bem e me ajuda muito, ficou insistindo para eu trabalhar no escritório do amigo dele, que era muito maior e mais sólido, onde eu teria um plano de carreira, onde eu prestaria serviços para as maiores e mais lucrativas multinacionais do mundo, etc etc, falou e falou, argumentou e insistiu, sem parar."
E o que você fez?, perguntei.
"Bem, aí eu rodei a baiana, né? Eu disse, porra, pai, já tenho 30 anos, sou formado em Direito, vou trabalhar onde eu quiser, caralho!"
E aí? Ele te deserdou? Deu na sua cara? Cometeu suicídio de tanto desgosto?
"Não. Ele falou, tá bem, meu filho, claro, é a sua vida."
Ficamos um pouquinho em silêncio e ele mesmo continuou:
"E eu pensei: putz, se tivesse falado isso dois anos antes, teria feito Penal e não Tributário. Se tivesse falado isso cinco anos antes, teria feito teatro e não Direito. Se eu soubesse que podia dizer não, nunca teria terminado o namoro com a Paulinha, nunca teria me forçado a ir à igreja, nada disso."
E completou:
"Minha vida toda teria sido outra. Bastava ter dito não."
* * *
Não temos como calar o mundo
Por todos os lados, vejo pessoas mudando suas vidas, abdicando de seus sonhos, se virando ao avesso, só porque não aguentam mais os constantes comentários, críticas, questionamentos de parentes, colegas, amigas.
Mas talvez exista uma maneira diferente de encarar a questão.
A Autoridade, e todos os seus representantes, sempre tentarão determinar nossa conduta, mandar em nossa vida, julgar nossas escolhas. Não há nada que possamos fazer para calar suas vozes.
Assim como o lado bom da publicidade é que o capitalismo ainda não pode nos obrigar a consumir, esses comentários invasivos e violentos significam que estamos de fato vivendo a vida que gostaríamos de viver.
Quando o pai do ator de teatro infantil critica as escolhas profissionais do filho, este sempre pode pensar, satisfeito e aliviado:
"Sim, estou ouvindo isso, mas hoje sou ator de teatro infantil como eu sempre quis. Pior seria que tivesse feito Direito, como papai mandou, e hoje estaria ouvindo igual, por alguma outra coisa qualquer, por trabalhar no escritório errado ou por ter perdido uma causa, mas nunca teria realizado meu sonho de ser ator de teatro infantil."
Como não existe a possibilidade de calarmos o mundo, nossa melhor hipótese possível é fazermos o que quisermos de nossas vidas e que o Mundo fale o que quiser.
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Aviso urgente
Estamos fechando amanhã (20 de outubro de 2021) a lista de mecenas que estará eternizada no meu livro Mentiras Reunidas.
Na página de mecenato do site, a lista está atualizada. Confiram. Se
o seu nome não está lá;
está e você não quer que esteja;
se está escrito errado; etc.
A hora de avisar é agora.
Ah, isso também quer dizer que é absolutamente o último dia para comprar o Mentiras Reunidas na versão capa dura, com cinco contos exclusivos, mais bolsa porta-livros e brinde surpresa para compensar pelo atraso.
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Me paga um café por mês?
Dez reais não compra nem uma revista semanal, nem um misto quente com café. Gastamos dez reais em qualquer porcaria, sem nem pensar.
E você? Pagaria dez reais por textos que você gosta? Que te fazem pensar? Que você cita e repassa aos amigos? Que mudaram sua vida?
Se você gosta dos meus textos, se eles te fazem pensar, se você cita e repassa pros amigos, te peço que considere fazer uma assinatura mensal de dez reais.
É pouco, muito pouco, mas faz uma enorme diferença.
Se apenas 5% das oito mil pessoas que assinam meu newsletter fizessem uma assinatura mensal de dez reais… isso cobriria todas as minhas despesas fixas. E eu poderia me dedicar exclusivamente a escrever esses textos que você gosta e cita e repassa. Esses que mudaram sua vida.
E eu agradeceria muito, muito mesmo.
Todas as mecenas e assinantes são parte integrante do meu processo de criação artística e serão citadas nas páginas de agradecimentos dos meus futuros livros.
(Tem outras opções de mecenato aqui.)
Um beijo não-conformista do
Alex
Muito bem colocado, essas vozes de autoridade nunca vão se calar. Caso seu amigo tivesse escolhido a carreira de ator e tivesse "dado errado", seria o "eu avisei" da figura de autoridade até o final dos tempos. O melhor remédio é a consciência tranquila das escolhas.
Excelente, sempre bem colocado nos temas que escreves , abraços...