Nosso país não importa, e nem nós
Ou "Esses gringos burros que acham que falamos espanhol!" (Reflexões sobre a Prisão Patriotismo.)
E daí que as pessoas não saibam nada sobre o Brasil? E daí que nunca pensem no Brasil? Aliás, e daí que nunca pensem em nós?
(A próxima aula do Curso das Prisões, Prisão Patriotismo, acontece na quarta, 31 de maio de 2023, às 19h. Todas as aulas ficam gravadas. Ao entrar no curso, você tem acesso total às aulas anteriores. Mas vou te contar: o legal mesmo são as conversas livres… que não ficam gravadas! Compre aqui.)
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"Esses gringos burros que acham que falamos espanhol!"
Um dos sintomas do patriotismo arrogante brasileiro é a nossa irritação irrefreável diante de qualquer ignorância estrangeira sobre nós.
Muitas das pessoas leitoras com certeza já ficaram indignadas com "gringos burros" que achavam que no Brasil se falava espanhol ou que nossa capital era o Rio de Janeiro ou Buenos Aires.
Mas quantas dessas pessoas leitoras indignadas sabem qual é a capital da Mongólia ou que língua falam na Nigéria?
Para não ir tão longe, quantas sabem qual é a capital do Suriname ou que língua falam na Guiana?
Para ficamos somente na nossa própria abstração política, quantas sabem qual é a capital de Roraima, Tocantins, Sergipe?
Algumas pessoas leitoras talvez até saibam a resposta para essas perguntas, mas isso não quer dizer que:
outras pessoas tenham obrigação de saber, ou que;
essas pessoas-que-sabem, por mérito de seus "conhecimentos superiores", tenham adquirido assim o direito de hostilizar quem não sabe.
Poucas atitudes são mais narcisistas do que essa constante naturalização do nosso conhecimento: considerar óbvio e obrigatório que todas as pessoas têm que saber aquilo que sabemos, ao mesmo tempo em que achamos que ninguém tem obrigação de saber aquilo que não sabemos.
Pois é óbvio que todos têm que saber a língua falada no México (afinal, até eu sei!) mas é igualmente óbvio que ninguém tem obrigação de saber a língua falada na Guiana (afinal, nem eu sei!).
A maioria das pessoas brasileiras, entretanto, não sabe responder essas perguntas. Não sabem a capital da Guiana Francesa nem o idioma oficial do Congo.
Ficam, inclusive, ainda mais indignadas quando chamo a atenção para esse fato: retrucam que não é a mesma coisa. Que não dá pra comparar o Brasil com a Indonésia ou com a Costa Rica. Que Roraima é um estado desimportante. Que ninguém tem obrigação de saber essas coisas.
Ou seja, suas respostas indignadas expõem e exemplificam justamente o lado mais mesquinho do nosso narcisismo patriótico arrogante.
Pois o que torna o patriotismo uma prisão é justamente incutir em nós essa certeza absoluta e peremptória que o Brasil é intrinsecamente mais importante que a Mongólia ou que a Jamaica. Que as pessoas do mundo têm que saber a língua falada no Brasil (ou senão são BURRAS) mas que, francamente, ninguém têm obrigação de saber a língua falada na Malásia.
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Nosso país não importa, e nem nós
Poucas coisas são mais importantes do que encararmos de frente nossa suprema desimportância.
Somos desimportantes enquanto pessoas individuais, primatas mamíferas de vidas curtas, uma entre sete bilhões. Somos desimportantes enquanto pessoas nacionais, cidadãs de um estado nacional recentíssimo e periférico. Somos desimportantes até como planeta, um entre bilhões e bilhões, orbitando uma estrela mediana e medíocre.
Dá para qualquer pessoa passar a vida inteira sem jamais pensar no Brasil e isso não faria dela uma pessoa inferior, inculta, ignorante.
De fato, grande parte das pessoas humanas mais incríveis, generosas, inteligentes, que já existiram nos últimos duzentos anos jamais dedicaram mais do que poucos minutos, ou mesmo segundos, para reconhecer o fato de que, em algum lugar, existia uma nação chamada Brasil. Não saberiam que língua falamos, ou qual é a nossa capital. E daí?
Sejamos sinceras: quantas de nós, pessoas leitoras brasileiras, já dedicamos muito tempo para pensar sobre a Romênia, ou sobre o Zaire, ou sobre Honduras?
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Série “As Prisões”
Aqui estão os textos já reescritos, revisados e finalizados em 2023:
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O curso das Prisões
Em 2023, estou dando o Curso das Prisões.
Em maio, estamos conversando sobre a Prisão Patriotismo. Nossa aula expositiva acontece na quarta, 31 de maio de 2023. Antes disso, nas nossas conversas livres, no Zoom e no Whatsapp, estamos discutindo coisas como: Quais são nossas crenças fundantes? Existe ideologia melhor que outra?
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