Breve manual infalível para atrair pessoas e ser amada
Ou: As vantagens estratégicas de não se depilar. Ou: A única maneira de descobrir quem gosta de cabelo azul
O grande paradoxo do nosso comportamento sexual-amoroso é sermos um programa de TV a cabo que passa às quartas-feiras de madrugada, mas agirmos como se passássemos no horário nobre da TV aberta.
Nossa ansiedade por ser amadas e nosso pânico de ficar sozinhas é tamanho que nos comportamos como se precisássemos atrair sete bilhões de pessoas, mas, na verdade, só precisamos atrair uma dúzia para ter uma vida inteira de relacionamentos plenos e satisfatórios.
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Cultivar a excentricidade
A filha de uma de minhas melhores amigas iria fazer aniversário e, por isso, perguntei a outra amiga:
“Não entendo nada de criança. Tem problema se eu der um vale-presente?”
E a amiga colocou uma mão carinhosa em meu ombro e respondeu:
“Imagina, Alex. Vindo de você, não tem problema nenhum!”
Mas esqueci de dar o vale-presente.
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Ser artista é sofrer em público para o benefício das outras pessoas e se abrir ao seu julgamento — às vezes impiedoso, muitas vezes surpreendentemente generoso.
Se perguntamos a uma turma de jardim de infância quem é artista, todos os braços se levantam. Ao longo dos anos, os braços vão minguando. Lá pela sexta série, as autodeclaradas artistas são apenas uma ou duas, levantando o braço de maneira bem hesitante, olhando em volta, temendo o julgamento de seus pares, não querendo nunca se tornar as esquisitas da turma.
Mas ocupar esse lugar da pessoa excêntrica e fora-do-padrão pode ser salvador: ele nos permite transgredir as regras com uma liberdade que teria custado caro às outras pessoas.
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Cultivar uma reputação de excentricidade foi uma das melhores coisas que fiz por mim mesmo. Na adolescência, o peso das regras de conformidade social da minha escola teria me esmagado. Ser excêntrico, ser artista, ser esquisitão, salvou minha vida e minha sanidade. Continua salvando até hoje.
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Quem desejamos atrair?
Ao invés de me modificar pra atrair gente que não gosta da pessoa que me construí para ser, sempre preferi me expor — e, então, receber e amar as pessoas que se atraíssem pela minha construção.
Na escola, eu me oferecia para fazer massagens nos pezinhos das minhas amigas, elogiava quando apareciam com a unha pintada, demonstrava reparar. Sim, algumas não gostavam da atenção – e eu, naturalmente, por respeito e por cautela, nunca mais fazia comentários do gênero. Algumas deviam me chamar de mil nomes pelas costas – mas e daí?
O importante é que algumas outras se aproximavam, curiosas, instigadas, fascinadas, puxando assunto:
“Nunca vi menino achar pé bonito”, “Gosto tanto de carinho na solinha”, “Ninguém reparou na minha tornozeleira nova, acredita?”, “Como é que você fez massagem no pé da Lívia e ainda não fez no meu?”, etc.
E assim começaram praticamente todas as experiências sexuais da minha adolescência.
Mas outras pessoas preocupadas tentavam me alertar:
“Alex, vale mesmo a pena pagar de maluco pra todas as meninas da escola só pra beijar o pé de três ou quatro?”
E eu respondia:
“Claro. Tem quinhentas meninas na nossa escola. Se todas se interessassem por mim, seria um pesadelo! Eu não teria tempo de fazer mais nada. Melhor eu me mostrar como eu sou e atrair só aquelas poucas que ficam atiçadas e curiosas, que têm as mesmas taras, que gostam tanto de ter seus pés lambidos como eu gosto de lambê-los.”
(Naturalmente, eu sou muito mais que uma pessoa que gosta de pés e qualquer mulher é muito mais do que um par de pés, ou um par de qualquer coisa, mas essa era apenas a primeira fagulha de interesse que dava ignição à paquera.)
Eu não quero todas as mulheres do mundo: quero apenas, dentre as que me querem, aquelas que eu também quero de volta.
Muita gente me acha esquisito? Essa é a ideia: sou esquisito mesmo. (Em um mundo tão canalha, a maior esquisitice seria não ser esquisito.)
Nada pode ser mais libertador do que se livrar da ilusão de que existe algo que possamos fazer para sermos amadas e desejadas por todas as pessoas. Ser rejeitado pelas pessoas certas só faz bem: me poupa o trabalho de ativamente espantá-las. Eu me revelo justamente para descobrir quem vai bailar comigo e quem vai se encostar na parede.
Vale a pena afastar mil bois pra atrair uma única leoa.
(Leia o meu Elogio aos pés.)
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Procurando por filé mignon na padaria
Uma pessoa amiga, depois da separação, entrou na fase de querer transar com uma pessoa diferente por noite. Mas, depois de algumas semanas, ela me confidenciou:
“Só tem gente canalha nessa cidade!”
E eu respondi:
“Olha, é uma questão de números. Nada contra transar com uma pessoa diferente por noite, mas o rigor do seu processo seletivo vai ter que ser necessariamente baixo.”
“Mas, pô, Alex, toda noite, saio com as amigas, dançamos, nos divertimos, eu encontro caras, às vezes levo um pra casa na hora da xepa, mas, porra, tudo cachorro!”
“Nada contra pessoas que saem para dançar e transam com as pessoas que conhecem na pista de dança, mas parece, pelo que você mesma diz, que não são esses caras que você quer. Só que o mundo está cheio de gente. Quem gosta de pessoas esportistas, pode paquerar na academia, na praia. Quem gosta de pessoas leitoras, na biblioteca, na livraria. Senão, é como ir todo dia na mesma peixaria, pedir sempre filé mignon e depois reclamar que não tem filé mignon nessa cidade!”
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Não existe gosto unânime
Quando uma pessoa diz que se não se depilar (ou qualquer outra coisa) não conseguirá atrair ninguém, ela está confirmando uma ideia muito perigosa: que as pessoas são homogêneas em seus gostos e que existem expectativas tão unânimes que quem não as preencham vão purgar uma solteirice eterna.
Só que não é verdade.
Se quisermos uma pessoa diferente por noite, aí sim talvez seja uma boa tática seguir o gosto médio. Mas não é isso que a maioria de nós quer.
Em média, a pessoa brasileira têm doze parceiras sexuais ao longo da vida, um número razoavelmente pequeno, que podemos selecionar com cuidado, cautela, carinho. Doze pessoas incríveis, doze pessoas tesudas, doze pessoas com quem vale a pena compartilhar nossa intimidade, ainda mais ao longo de toda uma vida, essas pessoas nós conseguimos encontrar em qualquer cidadezinha. Sem precisar nos moldar ao pretenso gosto homogêneo de uma maioria que nem mesmo existe. Sem precisar fazer nada que não queremos fazer.
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As vantagens estratégicas de não depilar
A indústria da depilação ganha a vida nos convencendo que todas as pessoas gostam de pessoas depiladas... Mas por que acreditamos tão facilmente em quem diz que somos fedidas e logo depois tenta nos vender sabonete?
De acordo com minhas amigas que não depilam, não depilar tem uma grande vantagem estratégica na hora da paquera. Quando um homem dá em cima delas, ele nem sabe ainda, mas já passou em um disputadíssimo vestibular: ele provou que não é o tipo de cara que jamais daria em cima de uma mulher só porque ela tem a perna e as axilas peludas.
Talvez mais importante, também evita decepções futuras. Se fossem depiladas, talvez acabassem saindo com caras que só toleram mulheres depiladas e aí, algumas semanas depois, quando eles soltassem algum comentário ofensivo contra mulheres não-depiladas (“olha só, parece uma macaca, essas mulheres não tem respeito próprio, não?”), elas ficariam revoltadas de ter perdido tempo com gente tão babaca. Mantendo-se cuidadosamente não-depiladas, elas nunca correm esse risco.
Não precisar gastar dinheiro nem passar dor é bônus.
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A única maneira de descobrir quem gosta de cabelo azul
Se quero pintar o cabelo de azul, mas não pinto, por medo de que ninguém vai se interessar por mim se tiver o cabelo azul, então posso acabar saindo, namorando, casando, vivendo uma vida inteira com uma outra pessoa que também gostaria de ter pintado o cabelo de azul, e ficaremos lá, as duas, na cama, de madrugada, olhando uma para a outra e pensando:
“Pôxa, e se eu tivesse pintado o cabelo de azul, hein? Será que não encontraria alguém legal que me amaria pelos meus cabelos azuis?”
Pintar o cabelo de azul, para quem quer pintar o cabelo de azul, já é uma recompensa por si só. Mas, além disso, também traz uma outra vantagem estratégica: ter cabelo azul é a única maneira garantida de atrair pessoas que gostam de pessoas de cabelo azul.
Na roleta da vida, só temos nós mesmas para arriscar. Sim, arriscamos sofrer rejeições. Algumas pessoas de quem até gostávamos vão dizer:
“Cruzes, nunca levaria alguém de cabelo azul para conhecer vovó!”
Mas também arriscamos o grande prêmio: ser a pessoa de cabelo azul que sempre quisemos ser e, ainda por cima, namorar uma pessoa incrível que adora nosso cabelo azul tanto quanto nós.
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Qual é o nosso público?
Qualquer produtor de televisão pode confirmar: um programa para a TV aberta, que precisa atingir um público de dezenas de milhões, é um produto bem diferente de um programa de TV a cabo, que será um sucesso absoluto se atingir poucos milhões.
Para o primeiro programa, é preciso continuamente aparar arestas (tem gente que se ofende com beijo gay?, então não pode ter beijo gay, etc) até que sobra um produto final razoavelmente homogêneo, pasteurizado, seguro, sem personalidade, que se anulou até não sobrar quase nada.
Já o segundo programa, por ter expectativas mais reduzidas, pode ousar mais, sabendo que cada ousadia tem seu custo-benefício (um beijo gay tem o custo de afastar o público homofóbico e o benefício de atrair o público LGBT e simpatizantes) até que sobra um produto final que certamente não agradará ao grande público, mas que agradará muitíssimo o público para o qual foi produzido.
O grande paradoxo do nosso comportamento sexual-amoroso é sermos um programa de TV a cabo que passa às quartas-feiras de madrugada, mas agirmos como se passássemos no horário nobre da TV aberta.
Nossa ansiedade por ser amadas e nosso pânico de ficar sozinhas é tamanho que nos comportamos como se precisássemos atrair sete bilhões de pessoas, mas, na verdade, só precisamos atrair uma dúzia para ter uma vida inteira de relacionamentos plenos e satisfatórios.
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Notas de leitura
Quem ia de sala de aula em sala de aula perguntando quem eram as artistas era Gordon Mackenzie, citado por Tom Kelley no artigo: “Everyone was an artist in kindergarden”.
A pesquisa que diz que as pessoas brasileiras, em média, transam com doze pessoas ao longo da vida foi realizada pelo Instituto Tendencias Digitales em 2010, sob encomenda do Grupo Diários America (GDA), do qual faz parte o jornal O Globo. A metodologia da pesquisa é toda furada, mas o número verdadeiro deve ser próximo.
Da arte de ser rejeitado pelas pessoas certas ! E um alívio e tanto!
adorei a reflexão