Loucas & grevistas: Pagu, Lima Barreto, Augusto dos Anjos
Fazer literatura sobre os pobres e excluídos não é necessariamente uma coisa boa
Se, no Brasil, o romantismo literário foi uma ferramenta de construção da nacionalidade, com romances repletos de casais perfeitos e idealizados, o naturalismo da virada do século XIX para o XX trouxe à tona aqueles elementos antes excluídos de tanta idealização: as mulheres que trabalhavam e faziam sexo, as pessoas negras, as homossexuais, as doentes, as alcoólatras, as pobres.
As lentes naturalistas não eram generosas: essas pessoas eram vistas pelos piores ângulos, como portadoras de todo tipo de degenerescência social. Mas era a primeira vez que eram de fato vistas, que suas vidas e subjetividades eram retratadas na literatura. Os romances naturalistas são obras onde raça e classe, gênero e orientação sexual estão sempre em destaque e em conflito, nos permitindo assim uma visão única dos subterrâneos do Rio de Janeiro da Belle Epoque, então vivendo sua fase mais gloriosa, e também de São Paulo, no começo da industrialização.
Esse é o assunto da aula de amanhã, quinta, 2 de setembro, tem nova aula do meu curso A Grande Conversa Brasileira: a ideia de Brasil na literatura — sim, ainda dá tempo de você entrar e o preço caiu bastante.
A primeira obra abordada será o canônico ma non troppo O cemitério dos vivos (1920), um romance rascunhado e inacabado de Lima Barreto, escritor negro e alcoólatra, sobre sua internação forçada em um hospital psiquiátrico. Nenhuma outra obra do autor revela com tanta força, com tanta dor, com tanta verdade, a luta que ele teve que travar contra as suas limitações físicas e sociais. É um grito que chega até nós pelo milagre da literatura.
Também falarei de O Cortiço (1890), certamente a obra mais canônica dentre as leituras dessa aula, talvez o romance mais bem realizado escrito no Brasil no século XIX, traçando um amplo painel da sociedade carioca, dos imigrantes portuguesas às negras escravizadas, dos burgueses endinheirados aos nobres falidos.
Mencionarei brevemente dois livrinhos curiosos: A Carne (1888) e Bom Crioulo (1895), duas das obras mais malditas da literatura brasileira. A primeira narra o despertar sexual de uma moça rica, depois de ver uma orgia realizada por suas pessoas escravizadas. A segunda, considerada um dos primeiros romances gays da literatura mundial, narra as relações amorosas e sexuais entre um marinheiro negro, forte e dominante, e o marinheirinho branco que ele ama e protege. (De novo, importante destacar que essas personagens não são retratadas positivamente, mas como pessoas degeneradas.)
Por fim, todas as neuroses, patologias, obsessões da literatura naturalista explodem na obra de um de nossos maiores e mais vigorosos poetas, Eu e outros poemas (1912), de Augusto dos Anjos. Sua poesia tem uma sonoridade tão agressiva, abraça o mau-gosto com tanto destemor, que transcende sua própria banalidade e se torna grandiosa, quase apocalíptica (Antonio Cândido). Sua virulência cientificista e sua angústia moral de dimensões cósmicas fazem de Augusto dos Anjos o poeta da entropia, o artista do mundo podre, o cantor da carne que inevitavelmente se putrefaz, o bardo da vida que não tem outro destino senão fabricar a morte: “O beijo, amigo, é a véspera do escarro, / A mão que afaga é a mesma que apedreja.”
Enquanto a capital do Brasil vivia sua autoproclamada Belle Epoque, São Paulo passava por décadas de crescente imigração e acelerada industrialização, culminando nas primeiras grandes greves promovidas por operários italianos e espanhóis. Esse é o cenário de Parque Industrial (1933), de Patrícia Galvão, também conhecida como Pagu, uma obra que não satisfeita em ser nosso primeiro romance operário, nosso primeiro romance cujo tema ostensivo é o mundo do trabalho e das relações econômicas, também é um importante retrato da situação específica da mulher proletária.
Com Pagu, já não estamos mais na estética naturalista das obras anteriores, mas em um novo momento modernista, pós-Semana de Arte Moderna de 1922, construído especificamente em oposição a todos os estilos anteriores, onde finalmente já é possível abordar os dramas humanos das pessoas em situação subalterna sem condená-las, sem estigmatizá-las, sem culpá-las por sua condição. O caminho está aberto para um novo tipo de romance social, que será o assunto de nossas próximas aulas.
Não precisa ter lido as obras pra fazer as aulas.
Sim, ainda dá tempo de você participar: você paga $399 pelo PagSeguro (que aceita todas as formas de pagamento, inclusive boleto, e dá para parcelar, etc) ou por $299 direto no meu pix eu@alexcastro.com.br, e pronto: você assiste as aulas que já passaram nos vídeos gravados e participa dessa, e das próximas, ao vivo, no Zoom, com a gente, além de bater-papo sobre literatura em nosso grupo no Zap. Mais detalhes aqui.
Em outubro, na próxima aula, Bandeirantes & jagunças, conversaremos sobre Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, A Muralha, de Dinah Silveira de Queiroz, e Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima. (Mais detalhes sobre essa aula específica aqui.)
Abaixei o preço do meu curso do ano passado também, Introdução à Grande Conversa: um passeio pela história do ocidente através da literatura, que agora está saindo por $79, no pix eu@alexcastro.com.br, e dá acesso ao vídeo das dez aulas. (Detalhes aqui.)
Não são vendidas aulas individuais. Não vão haver novas turmas desses cursos. Cada curso é uma narrativa única, um ensaio formado pela concatenação das aulas. Quem fez, fez. Quem não fez, assiste as aulas na gravação e fica mais atenta para não perder os próximos cursos ao vivo. ;)
Abaixo, os livros da próxima aula:
(Clicando nos links e comprando qualquer coisa na Amazon, eu ganho uma comissão e te agradeço)
Obras principais
— O cemitério dos vivos, de Lima Barreto (Cia das Letras, 150pp)
— Parque Industrial, de Patricia “Pagu” Galvão (Cintra, 106pp)
— “Eu e outros poemas”, de Augusto dos Anjos, em Toda poesia (José Olympio, 218pp)
Apoio, ficção
— O Cortiço, de Aluísio de Azevedo (Ateliê, 384pp)
— Bom Crioulo, de Adolfo Caminha (Ateliê, 232pp)
— A Carne, de Júlio Ribeiro (Ateliê, 368pp)
História
— Brasil: Uma Biografia: cap. 13 (Cia das Letras, 808pp)
— História do Brasil República: Da queda da monarquia ao fim do estado novo, de Marcos Napolitano (Contexto, 176pp)
* * *
Um beijo,
do Alex Castro