Guimarães Rosa e Homero
Grande Sertão Veredas é uma Ilíada protagonizada por um Odisseu sertanejo.
Em nossa literatura, Os sertões seria a Ilíada, uma duríssima história de guerra, narrada por um vencedor que termina glorificando os vencidos, e Grande Sertão: Veredas, a Odisséia, as mil aventuras de um guerreiro até chegar em casa.
Não sei se concordo. Grande Sertão: Veredas, seguramente melhor que a Odisséia, é na verdade mais similar à Ilíada, se não em enredo, pelo menos no tom.
A Ilíada é o épico perfeito, uma síntese dos valores guerreiros da Antiguidade. Já a Odisséia tem um tom mais contido, moderno, doméstico. (Não é modo de falar: o livro traz descrições da vida doméstica grega que são documentos históricos valiosos.) Ninguém na Ilíada seria concebível como um homem moderno. O Ulisses da Odisséia, sim. Soltem Aquiles na Cinelândia hoje e ele vai acabar preso. Soltem Ulisses e vai acabar deputado.
Se quiséssemos comparar Grande Sertão: Veredas com as obras homéricas, eu diria que é uma Ilíada brasileira, narrada (mais ou menos) pelo Ulisses da Odisséia.
Uma das principais características do romance moderno (ensinou Lukacs) é o protagonista deslocado. Não existe romance possível se o protagonista não está, de alguma maneira, fraturado de seu ambiente, de sua vida, das pessoas a sua volta. Não é o caso da Ilíada: nela, ninguém está deslocado; o mundo é o que é e pronto. Já a Odisséia poderia ser considerada um proto-romance: as aventuras de um narrador deslocado e perdido, tentando voltar pra casa. Naturalmente, se o Ulisses da Odisséia está mais próximo a nós do que o Aquiles (ou qualquer pessoa) da Ilíada, ele ainda assim não é um de nós. Mas Riobaldo é.
Em Grande Sertão: Veredas, o mundo jagunço movido a honra e violência é um universo tão estilizado e tão literário quanto o mundo dos heróis da Ilíada ou de qualquer épico cavalheiresco medieval. Com exceção de Riobaldo, alter-ego da pessoa leitora, todos as outras personagens parecem muito confortáveis e adaptadas a esse ambiente, inclusive Diadorim.
Aliás, a grande tragédia no cerne do romance é a incapacidade de Riobaldo de transmitir esse seu estranhamento e deslocamento a Diadorim, retirando-o desse mundo e salvando sua vida. Assim como Aquiles, que teve todas as chances de abandonar o combate, voltar para casa e ter vida longa, Diadorim escolhe conscientemente o ódio e a vingança.
Grande Sertão: Veredas é o que aconteceria com a Ilíada se ela se passasse no sertão e Aquiles fosse um homem do século XX, introspectivo e alfabetizado, capaz de refletir sobre o Bem e Mal, capaz de escolher a vida e não a morte.
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Grande Sertão: Veredas
Nossa leitura desse mês do curso A Grande Conversa Brasileira é a obra-prima de Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas.
A aula é hoje, às 19h. Se você quiser se juntar a nós, ainda dá tempo e seria meu enorme prazer. Baixei os preços e tudo. ;)
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Beijos rosianos,
do Alex Castro