Góngora, o poeta mais rebelde (e mais contemporâneo) do século XVII
Só um rebelde como Góngora teria a coragem de afrontar não só os poderes constituídos como o próprio bom-gosto de sua época.
Luis de Góngora é considerado por muitos como o maior poeta da língua espanhola. A atribuição é polêmica, mas defensável: entre os cinco maiores, ele certamente está.
(O meu top 5 pessoal é Garcilaso, Hernandez, Parra, João da Cruz e Góngora. Acima de todos, está o Poema do Meu Cid, anônimo e, coletivamente, o Romanceiro Velho.)
Não apenas excelente, Góngora também é considerado um poeta muito difícil, mas, quando lido com atenção e cuidado, muito recompensador.
Na décima aula do curso Grande Conversa Espanhola, que acontece hoje, 1º de março de 2023, às 19h, vou falar um pouco sobre Góngora, tentar demonstrar como ele simboliza o Barroco espanhol e tentar ajudar vocês a entenderem a Fábula de Polifemo y Galatea, provavelmente sua obra prima e considerado por muitos críticos como o poema que melhor representa o Barroco literário europeu.
Ninguém precisa curso para ler, entender, gostar de obras literárias contemporâneas que falam a nossa língua e que foram escritas para o nosso gosto. Uma professora de literatura justifica sua existência ajudando as alunas a ler, entender, apreciar aqueles textos que não conseguiriam ler, entender, apreciar por conta própria.
O objetivo da aula, claro, não é fazer ninguém gostar de Góngora, mas apenas entender o que existe em sua obra que o faz ser tão amado e respeitado como poeta.
O curso custa só R$95 e as incrições estão abertas. Vem comigo?
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O Barroco na literatura
O Barroco, quase sempre definido por oposição, é o período cultural, artístico, literário, arquitetônico que se segue ao Renascimento, quando passam a soprar com menos força os novos ventos humanistas que haviam tentado substituir os valores medievais (que naturalmente permanecem) pelos valores da antiguidade (que nunca haviam realmente ido embora).
Em 1563, termina o Concílio de Trento, marco da Contrarreforma, ou seja, da reação católica cada vez mais autoritária e conservadora, ortodoxa e violenta, contra o protestantismo; em 1588, a Invencível Armada afunda no Canal da Mancha, tentando desembarcar na Inglaterra, e o Império Espanhol entra em uma fase de decadência da qual nunca sairá. Se a Espanha está na defensiva tanto em termos políticos e militares, quanto religiosos, nunca sua cultura foi tão pujante. O barroco é o auge do Século de Ouro: são os anos de Tirso (aula 9) e Quevedo, Lope (aula 11) e Calderón (aula 12) e, claro, Góngora, da aula 10, que acontece hoje, 1º de março de 2023.
Durante séculos, o Barroco foi considerado uma perversão grotesca dos valores renascentistas e Góngora, acusado de seus maiores excessos literários. Enquanto a poesia humanista era clássica e limpa, ponderada e harmônica, os poetas barrocos chafurdariam no exagero e no desequilíbrio, na extravagância e no paradoxo. Inventou-se até um nome ofensivo para o estilo: “culteranismo”, que evocava, por um lado, um excesso de erudição levado ao ridículo, assim como soava próximo a “luteranismo”, o inimigo por definição de tudo que era espanhol.
Alguns dos temas principais do barroco são a fugacidade da vida e o desengano da vaidade, a busca pelo excesso e a queda violenta. Se os renascentistas exaltam a natureza e a luz do sol, o otimismo e o racionalismo, e, fundamentalmente, o amor; os barrocos exaltam o artifício e a obscuridade, o desengano e o pessimismo, e, fundamentalmente, a morte. Ou seja, é a literatura de um povo que ousou tentar conquistar o mundo, conseguiu por um breve instante e, então, se afogou de queixo erguido, com seu orgulho e com sua arrogância intactos. Afinal, a vida é apenas um sonho (aula 12), não?
(Marília de Dirceu, um de nossos maiores poemas, é um exemplar perfeito e representativo da poesia árcade e neoclássica do século XVIII, toda criada em explícita e intencional oposição ao Barroco. Uma das maneiras de entender o Barroco é lendo seus inimigos figadais. Falo mais sobre Marília de Dirceu aqui.)
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O poeta dos poetas
Em uma época decadente e violenta, a poesia pela primeira vez se volta não para dentro do homem, como Petrarca e Garcilaso haviam feito, mas para si mesma: a poesia barroca tem como única referência a si mesma.
Góngora libera a poesia do seu ônus sentimental e mimético: não mais obrigada a representar emoções verdadeiras ou cenários reais, contar histórias ou transmitir ensinamentos, a poesia pode existir quase abstrata e emancipada, por puro gozo estético de si mesma.
É uma verdadeira revolução que só começou a ser totalmente apreciada e valorizada recentemente. Em sua época, rendeu a Góngora o título de “príncipe da luz”, por suas poesias “fáceis”, e “príncipe das trevas”, pelas “difíceis”. De qualquer modo, em pleno Século de Ouro, se não foi o poeta mais querido certamente foi o mais influente.
Foi somente no século XX, após a Primeira Guerra, que as vanguardas poéticas começam a ver em Góngora seu precursor, um espírito a frente do seu tempo e um grande poeta que poetizou a própria língua, com uma linguagem hiperbólica e densa, utilizando a palavra não para imitar ou reproduzir a realidade, mas para criar uma realidade poética cuja única referência é a si mesma.
Enquanto artistas geniais como Lope de Vega e Quevedo estavam perfeitamente inseridos no sistema vigente (bajulavam os poderosos, apoiavam o projeto imperial, atendiam às demandas do público), Góngora sempre foi rebelde e teve a coragem não só de afrontar os poderes constituídos, como o próprio bom-gosto vigente.
Poeta difícil de ser entendido e aproveitado por conta própria, Góngora é um dos melhores autores para se ler em cursos como a Grande Conversa Espanhola, em grupo e com a ajuda de um professor, com contexto histórico e com explicações estilísticas.
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Góngora em português
Nessa edição acima, da editora Hedra, o poeta Péricles Eugênio da Silva Ramos seleciona, traduz e anota o melhor da obra de Góngora, incluindo uma versão integral, e muito bem explicada, da Fábula de Polifemo e Galatea. Que eu saiba, é o único título de Góngora em catálogo no Brasil hoje.
Minha tradução preferida é essa, abaixo, de José Bento, portuguesa, mas difícil de encontrar e bem mais cara. (Aliás, eu adoro todas as traduções de poesia espanhola do José Bento.)
Para quem não quiser pagar nada, nesse site tem algumas poesias de Góngora em espanhol e português.
Por fim, essa excelente antologia da poesia espanhola do Século de Ouro, bilíngue, está esgotada há anos, mas já caiu na internet. De nada.
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Grande Conversa Espanhola
Curso de literatura espanhola medieval e moderna, com foco nas rupturas e continuidades com a literatura ocidental contemporânea.
Leituras não obrigatórias, de menos de 200 páginas, disponíveis em português, em pdfs gratuitos.
14 aulas mensais, 2h cada, 1ª quarta-feira do mês, 19h, de 4 de maio de 2022 a 5 de julho de 2023.
Aulas ao vivo via Zoom; aulas gravadas no Facebook; grupo de discussão no Whatsapp.
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Alex Vou atrás dos materiais , interessante pensar um poeta do barroco como um contemporâneo.