Afinal, de quem são as festas juninas? A quem pertencem?
Algumas pessoas do Nordeste dizem que são um fenômeno tipicamente nordestino que o resto do Brasil está estragando e corrompendo.
As pessoas gaúchas, que pulam quadrilha de bombacha, argumentam que as festas juninas são um fenômeno nacional, que pertencem a todo país.
Aí, alguém lembra que não são brasileiras, mas foram trazidas pelas pessoas portuguesas, que são uma tradição católica medieval europeia.
Mas não: na verdade, eram festas pagãs, celebrando o solstício de verão, cooptadas pela Igreja Católica para neutralizar seu poder subversivo.
E assim sucessivamente, ad eternum, ab ovo.
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Todo mundo parece concordar que “devemos proteger o que é nosso”.
Ok, mas… o que é nosso? Halloween e carnaval, espiritismo e literatura de cordel… são nossos?
Ou não? Quais proteger?
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Amiga me perguntou o que eu achava das comemorações de Halloween no Brasil, essa festa que, escreveu ela, “não faz parte da nossa cultura”.
Mas… O que é nossa cultura? O que faz parte da nossa cultura?
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Todas as festas que celebramos e que fazem parte da “nossa cultura” foram trazidas em um determinado momento histórico.
Então, falar de “festas que fazem parte da nossa cultura” e “festas que não fazem”, na prática, é traçar uma linha completamente arbitrária no calendário:
“As festas que foram trazidas até a data X fazem parte da nossa cultura, as que foram trazidas depois não fazem.”
Mas… por que traçar a linha nesse momento e não em outro?
Se colocarmos a linha um pouco para frente, o Halloween passa a ser coisa nossa. Se colocarmos um pouco para trás, o Dia das Mães deixa de ser.
Mais importante, a quem interessa definir e decidir o que é e o que não é a “nossa cultura”? “Nossa cultura” não deveria ser de todas nós?
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Minha amiga explicou que era quis dizer que era uma festa que “não tinha sido criada aqui”.
Ok.
Mas, se formos não comemorar festas que não foram criadas aqui, vai sobrar exatamente qual?
Nem Natal, nem Páscoa, nem Carnaval, nem Ano-novo, nem Dia de São Cosme e Damiao, nem Dia de Santo Antonio, quase nada foi criado aqui.
Aliás, como determinar “onde algo foi criado”?
Por exemplo, o Carnaval nao foi criado no Brasil mas… e daí? Ele é menos “nosso” por causa disso? O Carnaval é comemorado no Rio de Janeiro, de onde sou, de forma diferente que em Nova Orleans, onde morei, e de Veneza, onde visitei, para citar somente três carnavais, todos autênticos e distintos um do outro.
Então, a pergunta é outra: a partir de qual momento comemoramos uma festa estrangeira de um modo tão diferente que ela deixa de ser estrangeira e passa a ser “nossa”?
Aí, vem outra pergunta: será que as pessoas que comemoram o Halloween no Brasil não comemoram de maneira diferente de como se comemora nos EUA? Nao seria esse então o “nosso Halloween”? Por que não?
Quem decide que o Carnaval, como é comemorado no Brasil, é suficientemente nosso para ser protegido como “cultura nacional” e o Halloween, como é comemorado no Brasil, não é suficientemente nosso para ser protegido e deve ser combatido como “invasão cultural”?
Se as pessoas brasileiras, em algum momento do passado, se apropriaram do Carnaval, uma festa tão estrangeira quanto o Halloween, e o transformaram em coisa nossa…
Por que as pessoas de hoje não poderiam se apropriar do Halloween e fazer com ele rigorosamente a mesma coisa que as pessoas do passado fizeram com o Carnaval?
Por que as pessoas de ontem tiveram o direito de se apropriar de uma festa estrangeira e transformá-la em “cultura nacional”, mas, nós, pessoas de hoje, não podemos mais usufruir desse mesmo direito e fazer a mesma coisa com o Halloween, e teríamos que nos restringir a comemorar apenas as festas que já são “brasileiras”?
Em outras palavras, por que negamos a nós mesmas o direito que todas as pessoas sempre tiveram, ao longo de história, de agir como agentes culturais autônomas?
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Esse tipo de “argumento de pureza” é sempre insustentável:
Ou se acaba traçando uma linha completamente arbitrária e indefesável no calendário
(As festas que chegaram até o ano tal são realmente nossas, são “puras”, “temos que defender nossa cultura”; já as que chegaram depois são estrangeiras, “impuras”, “temos que lutar contra essa invasão cultural”)
Ou se acaba voltando no tempo numa regressão infinita ab ovo a la Policarpo Quaresma, que achava que deveríamos todas falar tupi.
Na verdade, tupi não! Porque os tupis só chegaram à área onde hoje é o Brasil por volta do ano 1000, depois de expulsar os habitantes anteriores, os tupinambás… e assim sucessivamente.
Ou seja, a única solução é nunca entrar nessa questão e deixar cada pessoa livremente comemorar o que quiser.
E, mais importante, esquecer essa besteira de “proteger” ou “atacar” manifestações culturais.
(Se esse texto abriu seus olhos para um novo jeito de ver as coisas... deixa uma moedinha na minha caneca?)
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Perguntas frequentes sobre meus cursos
Todos os meus cursos estão à venda. Cada curso é único. Não vão haver novas turmas dos cursos antigos.
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Abaixo, as perguntas mais frequentes:
Não tenho dinheiro!
Não deixe nunca de fazer meus cursos por falta de dinheiro. É um motivo mesquinho demais pra não curtir boa literatura. Dou bolsa pra rigorosamente todo mundo que me pede. Se você puder pagar, prefiro. (Sabe como é, boletos.) Mas, se não pode, prefiro você dentro sem pagar do que fora. Fala comigo.
Não seria justo pedir bolsa!
A maior vitória do capitalismo foi enfiar moralidade em transações comerciais. Qual é o sentido de falar de justiça nesse contexto? Não tem justiça envolvida. Não passa nem perto. Eu, Alex, só posso dizer o que eu prefiro: eu prefiro você dentro do curso sem pagar do que fora sem pagar. Com base nisso, você decide aí o que quer fazer. Mas não tem como nenhuma decisão nossa, nessa transação comercial, ser justa ou injusta. Ou então a palavra “justiça” perdeu todo e qualquer sentido.
Não tenho tempo de ler as obras!
Meus cursos são mais sobre história cultural do q sobre obras em si. Sobre seu impacto na cultura, como dialogaram com as anteriores e influenciaram as seguintes. Não faz falta ter lido as obras. Pelo contrário, os cursos são pra conhecer as obras, mesmo sem ter lido.
Não tenho tempo nem de assistir as aulas!
Amanhã, vai ter menos tempo ainda. Todas nós vamos morrer, sempre com uma pílha de livros não-lidos na cabeceira. Só você pode decidir o que quer fazer hoje.
Não aguento mais tela!
Nem eu, Deus me livre. Minha aulas não tem elemento visual algum, então, não tem nenhum motivo para as pessoas ficarem olhando para a minha cara. Eu mesmo não olho na cara das alunas, pois fico seguindo meu roteirinho. Então, a maioria das participantes, benditas sejam, usam minhas aulas como podcastas, ouvem dirigindo, malhando, cozinhando.
Não posso no horário da aula ao vivo!
Olha, a aula ao vivo mesmo é muito pouca interativa: eu falo por algumas horas e só no final abro para comentários. A maioria esmagadora das pessoas vê as aulas gravadas depois. A interação mesmo, o lugar mais bonito do curso, onde as pessoas conversam, ficam amigas, compartilham impressões, fazem perguntas, etc, é no grupo do Zap.
Não são cursos úteis!
Não são mesmo! A beleza da literatura é ser inútil, não servir pra nada, mas ao mesmo tempo ser fundamental, pois nutre nossa subjetividade.
Não tenho conhecimento pra acompanhar!
O curso não requer conhecimento nem estudo. Não tem pré-requisitos. É uma conversa sobre as histórias mais legais da humanidade, algumas das quais foram escritas por pessoas provavelmente analfabetas: Ilíada, Canção de Rolando, Poema do Meu Cid. Se eles não precisaram de estudo para compor algumas das maiores obras-primas da humanidade, você não precisa de estudo para desfrutar delas.
Não estou com cabeça pra estudo!
Meus cursos livres não são pra estudar. Quem está estudando está fazendo errado. Eu odeio estudar. Estudar é chato pra caramba. Meus cursos são sobre as histórias mais legais e mais famosas de todos os tempos, contadas pelos melhores fofoqueiros. Meu objetivo é compartilhar com vocês a delicia e o prazer de trocarmos histórias. Meu trabalho é mostrar como a literatura, antes de ser objeto de estudo, é fonte de prazer e de deleite. Sem isso, nada adianta.
A literatura só pode, talvez, vir a ser fonte de estudos, para quem quiser, se ela antes for fonte de deleite para todos. Porque se a literatura não for prazeirosa e acessível, então, ela não é nada, não tem nenhuma razão de ser, é só papel velho.
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Um beijo do
Alex Castro
Mais um preconceito que cai por terra 😀 Vem ca, voce citou os tupus e tupunambas. Que fontes vc sugere pra se iniciar na história das tribos brasileiras?
muito bacana