Não é fácil escrever para o Super-Homem: ele é bonito, sarado, inteligente, todo-poderoso, perfeito. Que conflito pode ter esse semideus? O filme de James Gunn, que estreia essa semana, desenvolve essas questões muito bem.
(No final do email, tem umas ofertas de livros no Prime Day da Amazon!)
Do alto do seu privilégio, sem precisar lutar para sobreviver, a luta do Super-Homem é para se autodefinir:
Quem sou eu? Como devo agir?
Em primeiro lugar, ele precisa fazer as pazes com as expectativas de seus pais, que talvez não o tenham enviado a Terra para ser seu defensor, e sim, seu conquistador. Mas o que devemos às expectativas de nossos pais?
Em segundo lugar, considerando que ele está aqui e tem o poder supremo, qual é a melhor forma de utilizá-lo? Combatendo o crime? Impedindo guerras injustas? O que é uma guerra injusta?
O filme tem, logo no começo, uma das melhores cenas de exposição que já vi: Lois Lane finge que está entrevistando o Super-Homem. Nessa entrevista fake, não só surgem muitos dos temas e dilemas do heroi, mas também se entreveem todos os pontos de fissura da relação amorosa ainda incipiente do dois. Aliás, um casal muito carismático, cheio de química.
Agora, ao antagonista. Quem teria a temeridade de se alçar inimigo desse semideus invencível? Fácil: alguém que se considera um semideus invencível.
Lex Luthor, homem mais rico do mundo, não só é movido pela inveja, como sabe disso e articula essa inveja em voz alta para nós:
“Minha inveja é o que me impele a salvar a humanidade desse invasor!”
Por que, de fato, quem somos nós todas na fila do pão, ex-espécie dominante do planeta Terra, se existe o Super-Homem? A existência do heroi kriptoniano não força somente ele a se autodefinir, mas também nós:
Quem somos? O que ainda nos cabe fazer?
Luthor, como todo bom vilão, está parcialmente correto: se somos como formigas para esse semideus, não temos obrigação de nos defender inclusive preventivamente? E se ele decidir que não valemos a pena e quiser destruir a Terra como quem queima um formigueiro?
Além de levantar essas questões muito interessantes, gostei do filme por outros três motivos:
Começa in media res, ou seja, no meio da ação, e não perde tempo contando pela milésima vez a origem do Super-Homem, o que colabora para ter uma duração de filme, duas horas cravado.
O filme nunca é irônico, cínico, dark, nunca tenta ser espertinho. Pelo contrário, é sincero, aberto, fala de valores universais, não tem medo de até ser bobo ou sentimental.
O que nos leva ao terceiro ponto: Krypto. O supercachorro aparece na primeiríssima cena, abre o filme, e nos leva quase que até a última. Longe de ser apenas um coadjuvante, ele carrega o filme e salva o dia várias vezes. Além disso, não é um “good boy” obediente mas, pelo contrário, pensa por si mesmo e faz o que quer. Melhor personagem do filme, longe.
Obviamente, todas essas questões éticas são somente esboçadas em um filme que, afinal, é só mais um filminho de heroi. Mas, no gênero pipoca, vale muito a pena e eu recomendo. Fiquei curioso pra ver o que o James Gunn vai criar no universo DC.
Naturalmente, o filme foi capturado pelas guerras culturais. Uma boa parte da direita está acusando o filme de ser “woke”, por mostrar o heroi como um imigrante. Mas outros críticos mais inteligentes estão reparando que o filme, pelo contrário, defende os valores tradicionais que a direita tanto gosta.
Abaixo, dois artigos interessantes.
Superman Isn’t Trying to Be Political. We Just Have Real-Life Supervillains Now.
Trecho:
“Gunn doesn’t need to turn this saga into an allegory for it to feel timely. Similarly, it doesn’t need to turn its take on Lex Luthor, played by a spectacularly compelling Nicholas Hoult, into some combination of Elon Musk, Trump, and someone actually smart for the comparison to come to mind. Those real-life figures have been accelerating into Luthor territory for years now. What Gunn’s take on the supervillain highlights is how much the character turns his own envy and resentment into a presumed public good, as though the world would of course benefit from the relentless pursuit of his interests, even if that means engineering global conflicts and ripping the fabric of the universe apart. Luthor believes he’s the most important person in the world, with the freedom to do whatever he wants — while Superman, who genuinely is singular, frets continually that he’s not living up to what he sees as the mandate left to him by his Kryptonian parents.”
The Return Of Superman Signals A Culture Shift In America
Trecho:
“Gunn has previously said that when audiences leave the theater, he wants them asking themselves, “What can I do for others? … How can I be present for someone, no matter how small it is?” From numerous interviews with the filmmaker, who has consistently said this Superman portrayal is intended to be a recovery of the wholesome, virtuous values we’ve lost sight of since Christopher Reeve, to the aesthetic decision to portray America’s greatest superhero in vibrant colors once again, audiences seem ready to embrace the return of this kind of Superman — one who grapples with morality in his quest to do right.”
Prime Day
Está rolando um mês de grandes descontos na Amazon BR.
Abaixo, alguns livros que recomendo muito com descontos grandes:
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Alguns destaques q eu recomendo:
Meu romance brasileiro preferido do século está com 55% de desconto.
Meu preferido da Aline Bei (minha grande descoberta literária do ano) está com 50% de desconto, recomendo demais.
Coleção completa Dostoievski, nas edições da 34 (as melhores do mercado) com 45% de desconto.
Box com 4 livros do Camus, com 50% de desconto.
Box com 3 livros do Garcia Marquez, inclusive Cem anos de solidão, leitura do curso Grande Conversa Romance.
Excelente edição do Conde de Monte Cristo, na coleção Clássicos Comentados da Zahar (adoro!) com 45% de desconto.
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(Visitei a página de super promoções da Amazon pra vocês não terem esse trabalho. Só livros físicos que li e recomendo, com descontos enormes, em ordem do maior para menor desconto. Clicando nos links e comprando qualquer coisa na Amazon -- não precisa ter sido o item no qual clicou -- eu ganho uma comissão, você apoia meu trabalho e fico muito grato. Sintam-se à vontade para comentar as obras: já leu? gostou? etc. Todas as promoções são, por sua própria natureza, por tempo limitado e não sei quando terminam. Se você chegar lá e o desconto não estiver valendo, é porque acabou. Puff. Perdeu. Não adianta vir falar comigo, não tem nada que eu possa fazer. Não mando na Amazon. Da próxima vez, corra!)
Marco Polo & outros grandes viajantes
Muitas pessoas imaginam que a Idade Média era uma época tacanha, fechada em si mesma e desinteressada do mundo exterior.
Por isso, o impulso expansivo e viajante das Grandes Navegações, de Cristóvão Colombo (1451-1506) e de Pedro Álvares Cabral (1467-1520), seria um dos marcos do final desse período e do começo do Renascimento.
Mas, na verdade, esse impulso era em larga medida medieval: Colombo (nossa leitura da 22ª aula do curso Grande Conversa Medieval) chegou nas Américas com uma cópia do Livro das Maravilhas de Marco Polo (1254-1324) toda marcada e sublinhada.
Nossa leitura principal para a próxima aula da Grande Conversa Medieval será exatamente essa obra que, apesar do título, é o relato sóbrio e objetivo (na medida do possível!) de um mercador eminentemente prático rodando a Ásia e procurando por oportunidades de negócios.
Nossa outra leitura será o relato de um viajante menos famoso, mas não menos importante: entre 1325 e 1353, o marroquino Ibn Battuta (1304-77) percorreu 120 mil quilômetros do mundo muçulmano, incluindo Espanha, e também África, Índia, Sudeste Asiático e até da China.
Por fim, para quem quiser, sugiro a leitura de uma pequena obra-prima do século XX, Cidades invisíveis, inspirada pelos relatos de Marco Polo.
É uma reescritura de Marco Polo, só que infinitamente melhor. Eu diria que Cidades invisíveis é o que esperaríamos que Marco Polo fosse, mas não é. Além de estar saindo com 45% de desconto só hoje, no Prime Day da Amazon, também é uma das poucas obras do nosso curso disponível em áudiolivro em português.
Nas palavras de seu autor, Ítalo Calvino (1923-85):
“[É o livro] em que penso haver dito mais coisas, será talvez porque tenha conseguido concentrar em um único símbolo todas as minhas reflexões, experiências e conjeturas.”
Leitura principal:
— Livro das Maravilhas, Marco Polo (c.1300, Itália)
— Viagens de Ibn Battuta (c.1354, Marrocos)
Apoio:
— Cidades invisíveis, Calvino (1972, Itália)
A aula acontece na quarta que vem, 16 de julho, às 19h. Não deixem de vir.
real o filme podia ser terrível, eu ia ver pelo krypto e nao me arrependeria.