Sem livre consentimento, não existe não-monogamia
Tudo que não for um “sim livre e empolgado” é “não”
Uma amiga, tentando entrar na não-monogamia, esbarrou no seguinte problema: como convencer as outras pessoas?
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— Alex, por que é tão difícil as pessoas aceitarem viver relações não-monogâmicas?
— Talvez uma melhor pergunta seria: quem somos nós para pressionar uma pessoa a “aceitar” algo que ela claramente não quer?
Os pilares de um relacionamento não-monogâmico são liberdade e responsabilidade. O pacto tem que ser prévio consensual articulado e explícito. Se uma pessoa está com medo de perder seu relacionamento, e tudo que investiu nele, e, por isso, aceita a pressão da outra para abrir a relação, então, seu consentimento já está em alguma medida viciado.
Ocasionalmente, homens me procuram, com suas mulheres a tiracolo, para convencê-las a “parar de caretice e abraçar a não-monogamia”. Por favor, evitem passar esse vexame: eu fico sempre do lado da mulher que está sendo pressionada e nunca do homem que está pressionando.
(Reparem, por favor, que não usei “pessoa” no parágrafo acima. Pois essa situação de fato acontece e, sim, na minha experiência, sem exceção, é sempre um homem trazendo uma mulher.)
Quando um ladrão enfia uma arma na minha cara e me pergunta educadamente se consinto em lhe entregar minha carteira e meu celular, minha resposta é “sim, claro, faça bom proveito, obrigado!” Mas pode existir consentimento verdadeiro quando a pessoa não se sentiu livre para responder “não”?
É por isso que relacionamentos romântico-sexuais entre chefa e subordinada, orientadora e orientanda, líder religiosa e seguidora, psiquiatra e paciente, etc, sempre configuram assédio e abuso, mesmo se a parte subordinada jurar de pés juntos, e empolgada, que foi tudo consensual. Quando estamos arrebatadas pela transferência — esse amor misturado com admiração que a paciente sempre sente pela terapeuta e que é parte integrante do processo de cura — temos realmente condições mentais e emocionais de dizer “não”? A transferência que sentimos por figuras de autoridade, até mesmo chefas e orientadoras, faz com que nos apaixonemos de verdade. Por isso, mesmo se a iniciativa partir da subordinada, cabe à figura de autoridade reconhecer que aquele amor não é por ela, enquanto pessoa, mas sim ao lugar que ela ocupa naquele processo.
Se há transferência, se uma parte pode demitir a outra, ou torpedear sua carreira acadêmica, ou lhe receitar remédios psiquiátricos, ou intermediar sua relação com o divino, então, não existe livre consentimento.
Na vida, no sexo, no amor, tudo que não é um “sim livre e empolgado” na verdade é um “não”.
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Foi Ernest Becker quem falou que a invenção do conceito de transferência foi a maior contribuição de Freud à humanidade. Graças a essa frase do Becker, eu li Freud quase todo. E concordo. Leiam Becker, leiam Freud. (Um artigo sobre a genealogia do conceito de transferência na obra de Freud.)
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Série “As Prisões”
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